O que Bolsonaro não pode fazer nas lives para evitar crime eleitoral
Disseminação de fake news, ataques a rivais e discurso de ódio podem gerar multa e outras punições. Regras valem para todos os candidatos
atualizado
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Este ano, as tradicionais lives veiculadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), para prestação de contas do mandato e comentários em geral ficarão ainda mais sob os holofotes de adversários e da Justiça Eleitoral. Com gabinete extraoficial já trabalhando para as eleições, mesmo antes da oficialização da candidatura, e como agente público, Bolsonaro precisa tomar cuidados e obedecer regras para não incorrer em multa ou crime eleitoral.
Como presidente da República, ele não precisa se desincompatibilizar do cargo para concorrer à reeleição nem precisa deixar de lado o uso do YouTube, Facebook ou Instagram pessoais. O que Bolsonaro – e outros postulantes a cargos eletivos – não pode fazer está na linguagem, na informação divulgada e nas acusações feitas a adversários.
O presidente da República não pode pedir votos para ele ou quaisquer outros candidatos. Existem, na legislação eleitoral, termos que são chamado de “palavras mágicas”. Elas são proibidas para que não configurem campanha eleitoral antecipada. Vale lembrar que a legislação eleitoral estabelece que a propaganda oficial apenas é permitida após o dia 15 de agosto.
“Desde a promulgação da Lei n° 13.165/2015, o art. 36-A da lei das eleições (Lei 9.504/97) passou a prever que, desde que não haja pedido explícito de votos, não configura propaganda eleitoral antecipada. O presidente não podem usar, por exemplo, palavras que remetam ao voto, como ‘vamos eleger’, ‘apoiem’, ‘elejam’, que é aquilo que o TSE chama de ‘palavras mágicas'”, explica a professora, mestre em direito e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) Anna Paula Oliveira Mendes.
Ela entende que, embora o presidente não tenha lançado a pré-candidatura oficialmente junto ao PL, 2022 em si já é ano eleitoral e toda atitude deve ser mediada para que não incorra em ilícitos.
A penalidade para a veiculação de propaganda eleitoral antecipada é multa, cujo valor varia de R$ 5 mil a R$ 25 mil.
No caso de conduta vedada ou abuso dos meios de comunicação social, a pena é mais dura: vai da cassação do registro ou diploma à inelegibilidade por oito anos.
Discurso de ódio
O Tribunal Superior Eleitoral também entende que não pode haver discurso de ódio neste período, pois o discurso de ódio configura propaganda antecipada negativa e é um limitador à liberdade de expressão. Então, o presidente, neste período, não poderá pedir votos ou usar expressões parecidas, nem ofender diretamente a honra de um candidato, o que configura discurso de ódio.
Ofender, injuriar, caluniar qualquer outro candidato está incluído nesse escopo. “O presidente não pode atacar outro candidato nas lives. Pode se promover como pessoa, exaltar suas qualidades, falar bem de si, mostrar projetos, mas não pode atacar outras pessoas”, explica a especialista da Abradep.
Fake news
Além das vertentes da propaganda antecipada e do discurso de ódio, o TSE firmou entendimento no sentido de que a veiculação de fake news em página de candidato pode configurar abuso do poder.
O caso de exemplo, que firmou essa tese, foi o do julgamento do deputado estadual e ex-deputado federal pelo Paraná Fernando Francischini, que teve seu mandato cassado por divulgar em live, no dia da eleição de 2018, notícias falsas sobre fraudes em urnas eletrônicas.
“Esse é um outro ponto que merece atenção, pois, além de ser observada sobre o prisma da propaganda antecipada, as lives agora, em razão do seu conteúdo, principalmente se houver veiculação de fake news, podem ocupar a pauta do abuso do poder (art. 22, caput, da LC 64/90), cuja penalidade é bem mais grave”, ressalta Anna Paula Oliveira Mendes.
Uso institucional
Para a também especialista em direito eleitoral, professora, doutoranda na área e também membro da Abradep Anne Cristine Silva Cabral, essas condutas são proibidas em geral, e podem provocar representações das pessoas competentes contra o presidente a qualquer momento. Ela lembra que a aproximação das eleições traz mais restrições a Bolsonaro.
O art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97 veda, nos três meses que antecedem o pleito, a propaganda institucional, isto é, a propaganda oficial dos órgãos públicos, paga com dinheiro público. Nesse caso, Bolsonaro estaria proibido de veicular em seu canal do YouTube, a partir de 2 de julho – já que as eleições serão em 2 de outubro –, qualquer publicidade oficial do governo federal, aquelas institucionais.
“Publicidade institucional tem que obedecer o princípio da institucionalidade, não poderá atribuir as ações à pessoa dele. Não pode também usar essas lives ou veicular em canais oficiais como os da Presidência da República”, disse a especialista.
As lives, já em período eleitoral, só podem ser usadas para tratar de tema institucional em casos excepcionais de “graves e de urgente necessidade pública” e mediante “reconhecimento da Justiça Eleitoral”.
A legislação entende que fazer promoção própria a partir de ações praticadas com dinheiro público e no exercício de um cargo público é uma conduta vedada ao agente público, e a penalidade para isso é a cassação do diploma e do mandato, além da inelegibilidade por oito anos (art. 74, § 5º).
Gabinete extraoficial
Com declarações explícitas de que não terá “marqueteiro” para sua campanha, Bolsonaro já delegou a missão de mediar seu discurso a alguns nomes. Jair Bolsonaro criou, extraoficialmente, um comitê de campanha mais centrado em discutir as estratégias para disputar a reeleição no pleito deste ano.
O comitê é integrado por ministros do governo, dirigentes do Centrão e parentes de Bolsonaro. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente, atua como coordenador do comitê. Outro filho de Bolsonaro, o vereador Carlos (Republicanos-RJ), também integra o grupo.
Além deles, também participam do núcleo de campanha da reeleição de Bolsonaro o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secreteria-Geral) e Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência).
O núcleo de campanha trabalha para definir um marqueteiro profissional para trabalhar pela reeleição de Bolsonaro o mais rapidamente possível. A pressa, avaliam aliados, é por que Bolsonaro precisa voltar a conversar com a base que o elegeu em 2018, uma vez que o presidente tem ocupado o segundo lugar nas recentes pesquisas eleitorais e visto a desaprovação ao governo subir.
No ano passado, durante almoço com jornalistas, no Palácio da Alvorada, o presidente disse que não deve contratar um profissional para disputar uma eventual reeleição.
“Não vou contratar marqueteiro, não é essa a intenção. Devo ter produtores de imagens. Nós temos imagens armazenadas das minhas viagens do Brasil todo para mostrar. É botar ali, já que vamos ter tempo de televisão do PL. É mostrar o que foi feito”, disse.