O caos interessa a Bolsonaro para decretar estado de sítio, diz presidente do Fórum de Segurança
O sociólogo Renato Sérgio de Lima, especialista em políticas de segurança, frisa que cabe aos governadores punir PMs que agem politicamente
atualizado
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A exoneração pelo governador paulista João Doria (PSDB) de um oficial da PM que estava convocando “amigos” para manifestação bolsonarista no 7 de Setembro chamou mais uma vez a atenção para a radicalização de policiais. Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, o episódio não foi “mais do mesmo” em uma longa marcha de desestabilização da democracia no Brasil, mas um fato grave de insubordinação. Isso teria sido facilitado pela sensação de impunidade entre os militares desde que nada aconteceu com o general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por ele ter participado de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro em maio deste ano.
“Deixar de punir Pazzuello abriu a porteira para a insubordinação na PM”, avalia o sociólogo. Renato Sérgio de Lima considera que há riscos para a democracia no próximo feriado da Independência: “Pode eclodir um problema seriíssimo de algum confronto na rua, situações de desordem, de contestação e de limitação de direitos daqueles que discordam do bolsonarismo”. Ele ainda alerta para as consequências da perda de controle dos policiais: o fortalecimento das tendências golpistas do entorno do presidente.
Veja a entrevista concedida ao Metrópoles pelo diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública:
Professor Renato Sérgio de Lima, a cada episódio de contaminação da polícia por ideias extremistas, o alerta que o senhor vem fazendo é reforçado. Qual a gravidade de ver esse discurso chegar a oficiais que comandam tropas, ver policiais se mobilizando abertamente para uma manifestação política?
O caso do coronel responsável por Sorocaba é extremamente grave, não só pelo episódio em si, mas pelo que ele representa. Sinais de radicalização político-partidária, político-ideológica em relação ao apoio dado pelas forças policiais ao bolsonarismo e tudo que ele representa já estavam sendo dados faz tempo, mas há novidades. O ponto de não retorno desse movimento foi a falta de punição ao general Pazuello. Se as normas militares perderam valor ou não foram aplicadas a um general da ativa, o sinal foi inconteste: quem está do lado de Bolsonaro não será punido, portanto podem se manifestar.
A não punição ao general Pazuello pela participação na motociata no Rio de Janeiro abriu a porteira, para usar a expressão do Sérgio Reis, para esses casos de insubordinação – que não começaram agora. Não dá para a gente dizer que os que oficiais são menos bolsonaristas que os praças. É que os oficiais têm uma responsabilidade muito grande naquilo que é a essência do ser militar, que é garantir a disciplina e a hierarquia. Mas a não punição ao general Pazuello é um sinal de que, se o alto comando das Forças Armada não é punido, quem imita não está fazendo nada de errado.
E quais as consequências desses casos de insubordinação na PM?
Ter ultrapassado essa linha é um tiro no pé, porque vai contra aquilo que é mais valioso para o militarismo, que é a ideia da disciplina, da hierarquia, da capacidade de os oficiais representarem a lei e a ordem. No momento em que os próprios próprios oficiais rompem com essa identidade profissional do militar, a pergunta que fica é ‘o que falta?’, o que mais precisa acontecer para a gente ver que temos um problema sério em nossas mãos e que, se nada for feito, a qualquer momento pode eclodir um problema seriíssimo, de algum confronto na rua, situações de desordem, de contestação e de limitação de direitos daqueles que discordam do bolsonarismo.
E quais as formas de evitar uma piora ainda mais grave desse cenário?
Primeiro, os governadores precisam chamar para si a responsabilidade das polícias. A decisão do do governador João Doria foi correta e rápida, porque não esperou, não contemporizou com a situação. É importante que a gente sempre diga que o coronel Lacerda não foi demitido, ele foi afastado do comando. O comando é uma função política e, portanto, é uma função que cabe ao que pertence ao Comando-Geral, ao secretário de Segurança, ao governador. Se há um rompimento da confiança, ele pode substituir o comando. Então, o coronel Lacerda não foi demitido, que para acontecer isso é preciso um processo administrativo, direito de defesa e assim por diante.
Agora, ele perdeu o comando porque a mensagem política é: o comando é uma função fundamental, que não pode estar influenciada por variáveis político-partidárias. Tem de ter isenção e capacidade de fazer valer o que tá previsto na legislação, na Constituição. Então, você tem todo o direito de se manifestar, mas o fato de ser policial te coloca exigências, porque você representa o Estado, não só a si próprio.
E na condição de policial, você está regrado de uma forma que outro cidadão não está. Se quiser ir pra reserva, se aposentar e participar da vida política, tudo bem. Agora, na ativa não dá pra aceitar como algo normal, como algo aceitável, que você [policial] manifeste. Então, os governadores vão ter que deixar muito claro, como fez o Camilo Santana [PT] no Ceará no ano passado, no motim, quando falou que anistia era inegociável. Os governadores podem e devem estabelecer limites fortes, para não serem transpostos. E, se forem, os governadores precisam agir.
Segundo, os governadores precisam fazer medidas que estão sobre sua alçada, que não dependem do Congresso, para melhorar as carreiras policiais, melhorar as condições de vida dos policiais. É preciso tirar o discurso de que só o Bolsonaro é o protetor, o guerreiro, o salvador desses profissionais. Até porque não é salvador. Tanto que, na prática, nenhuma ação do Ministério da Justiça e Segurança Pública inovou em relação ao que já era feito antes. Então, o Bolsonaro não fez nada de substantivamente diferente de qualquer outra gestão. Os governadores podem, então, buscar esse processo de mitigação de riscos. Porque, se a gente deixar só na mão do Bolsonaro, ele vai colocar os policiais contra a população, contra os políticos e contra o Judiciário.
E como lidar com essas punições quando os punidos acabam sendo tratados como vítimas do sistema opressor por setores da militância bolsonarista?
É necessário punir. Transgrediu a norma, tem que ser punido. Agora, a punição tem que ser sempre muito justa naquilo que é possível. Ou seja, os governadores não podem exagerar, para não transformar em mártir. É um risco, claro. Provavelmente aqueles com maior visibilidade se transformarão em candidatos, e a gente não pode excluir a possibilidade de quem está fazendo isso ter essa questão em mente, de ser candidato.
Mas a gente não pode aceitar que a democracia seja ameaçada em nome de projetos político-partidários. A gente precisa explicitar isso e agir dentro da legalidade, agir para salvaguardar a Justiça, as instituições. Elas estão funcionando? Eu acho que não, mas para fazer funcionar é preciso colocar limite: ‘Daqui não passa, aqui é lei, não pode e quem faz é punido’. Ficar contemporizando, ficar ajustando, não punir, vai gerar situações como a que a gente vive atualmente. E o episódio do Pazuello, novamente, é o maior exemplo disso. Se você não pune, você incentiva.
O que pode acontecer se os policiais continuarem se sentindo à vontade para agir politicamente?
É importante que a gente avance no monitoramento dessas ameaças. Acho que a radicalização chegou num nível em que qualquer ato isolado, individual, pode ser visto como um ato calculado. Não só da oposição, mas do próprio grupo de apoiadores, querendo gerar um momento de ruptura. A desordem interessa ao grupo de apoiadores do Bolsonaro, porque permitiria a decretação de uma GLO [operação militar de Garantia da Lei e da Ordem] nacional, ou em São Paulo, ou no Distrito Federal. E a decretação de um estado de sítio, que foi ameaçada várias vezes pelo Bolsonaro. Ou seja, quebra-quebra nesse momento é o que a gente mais tem que evitar, porque é assim que o Bolsonaro vai querer formalizar a retirada de direitos. Em um estado de sítio, ele teria um controle sobre as polícias que hoje ainda não tem, pelo menos formalmente. Ele tem só em termos de hegemonia política.
Se no 7 de Setembro tivermos confrontos em várias unidades federativas, o estado de sítio é uma possibilidade. Se os confrontos ficarem circunscritos a Rio, São Paulo e Distrito Federal, provavelmente a solução vai ser uma GLO nacional, com as Forças Armadas diretamente envolvidas no sufocamento do espaço cívico, no fechamento do regime. Todos as opções são horríveis. A desordem interessa ao golpe. A gente precisa ficar esperto em relação ao golpe.