metropoles.com

Novos estudos não demovem governo brasileiro de recomendar cloroquina

Sete meses após editar documento apontando a utilização do medicamento, a Saúde mantém posicionamento. Pesquisas dizem o contrário

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Igo Estrela/Metrópoles
bolsonaro e cloroquina
1 de 1 bolsonaro e cloroquina - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Desde o início da pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, a cloroquina causou polêmica no governo, selou a demissão de dois ministros da Saúde e levou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a aconselhar insistentemente o uso do medicamento para prevenção e tratamento da doença.

O posicionamento do chefe do Executivo nacional vai na contramão de pesquisas científicas pelo mundo inteiro. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, publicou no começo do mês um estudo em que é categórica ao afirmar que a cloroquina e o remdesivir não funcionam contra a Covid-19. A pesquisa foi realizada em 450 hospitais de 30 países.

“Os resultados preliminares do Solidarity Therapeutics Trial, coordenado pela OMS, indicam que o remdesivir, que a hidroxicloroquina, a combinação lopinavir/ritonavir e os tratamentos à base de interferon parecem ter pequeno ou inexistente efeito sobre a mortalidade em 28 dias ou no percurso hospitalar da Covid-19 entre os pacientes recuperados”, diz o comunicado da pesquisa internacional.

4 imagens
Propagandeada pelo presidente Jair Bolsonaro, a cloroquina não tem sua eficácia contra a Covid-19 comprovada
Nos anos anteriores, o HFA não recebeu sequer uma unidade do medicamento
Bolsonaro apresenta caixas de cloroquina a apoiadores e à imprensa, em abril de 2020
1 de 4

Tedros Ghebreyesus e Maria Van Kerkhove, da OMS

OMS/Reprodução
2 de 4

Propagandeada pelo presidente Jair Bolsonaro, a cloroquina não tem sua eficácia contra a Covid-19 comprovada

Reprodução/Twitter
3 de 4

Nos anos anteriores, o HFA não recebeu sequer uma unidade do medicamento

Samir Jana/Hindustan Times/Getty Images
4 de 4

Bolsonaro apresenta caixas de cloroquina a apoiadores e à imprensa, em abril de 2020

Raphael Veleda/Metrópoles

O governo brasileiro, por outro lado, baseia-se ainda em teses usadas quando os estudos eram iniciais. Assim, sete meses após editar um documento recomendando o uso do medicamento, em março, o Ministério da Saúde não realiza qualquer tipo de pesquisa para atualizar o texto.

Mesmo com cientistas afirmando mundo afora que a cloroquina não tem eficácia no combate à Covid-19, mais de seis milhões de doses foram distribuídas pelo país.

Metrópoles apurou que a pasta manterá o documento que regula o manuseio dos medicamentos cloroquina ou hidroxicloroquina associada à azitromicina, em pacientes com diagnóstico de Covid-19.

“Falsa segurança”

Quem acompanha a briga do governo brasileiro pelo uso da cloroquina pondera que o posicionamento do Ministério da Saúde deixa de lado a estratégia sanitária e prioriza o pensamento do presidente Bolsonaro, que é um defensor ardoroso da droga.

Alcides Miranda, professor de graduação e pós-graduação em saúde coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), critica a investida brasileira em prol da cloroquina. Segundo ele, o movimento despertou na população brasileira uma falsa sensação de segurança sobre o uso preventivo e de cura para a Covid-19.

“Em nenhum desses casos houve comprovação científica de eficácia. O relatório da OMS é um desfecho para essa discussão. Foi feita uma meta-análise e a conclusão é de que não há eficácia comprovada”, frisa.

O professor avalia que mortes podem ter ocorrido após a indução ao uso do remédio. Enquanto isso, a crença pregada pelo governo é de que protegeria do contágio ou traria a cura em caso de infecção. “Acreditando nisso, as pessoas circularam mais”, avalia.

Para Alcides, a posição do Ministério da Saúde de não mudar o protocolo sobre o uso da cloroquina é “irresponsável e negligente”. “Mostra que não está alinhado ao interesse público, mas, sim, à visão estreita e negacionista. Quem será responsabilizado por isso?”, indaga.

Ele conclui com uma crítica ao Conselho Federal de Medicina (CFM). “Eu, como médico, afirmo: o CFM deveria ter tido postura clara sobre isso. A postura foi omissa”, conclui.

A reportagem procurou o CFM para comentar o assunto e rebater as críticas, mas não obteve resposta. O espaço continua aberto a manifestações.

“Interferência no âmbito técnico”

O sociólogo Antônio Carlos Mazzeo, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), alerta para a “interferência no âmbito técnico” do Ministério da Saúde e salienta os riscos disso.

“Isso expressa que o governo está muito ligado ao núcleo ideológico fascista, que é fundamentado no senso comum e na consciência da impressão, ou seja, que vem sem a confirmação científica”, alega.

Para ele, essa foi a postura do governo desde o início da pandemia. “Foi sempre a mesma tônica. O governo se comportou contra a ciência, com ódio ao conhecimento técnico, ao diverso e até cunhou a Covid-19 como uma ‘gripezinha'”, relembra.

O que diz a Saúde

O Ministério da Saúde, de início, evitou se manifestar sobre o assunto. Foram necessários cinco questionamentos do Metrópoles para a pasta responder que “acompanha todos os estudos científicos publicados nacional e internacionalmente”, mas que não vai mudar o Manual de Orientações do Ministério da Saúde para Manuseio Medicamentoso Precoce de Pacientes com Diagnóstico da Covid-19.

“A recomendação para a população é procurar o tratamento precoce da doença logo após os primeiros sintomas. As medidas são fundamentais para evitar casos graves da doença, internações e óbitos”, destaca, em nota.

Se em março o governo autorizou o uso de cloroquina como tratamento de formas graves da Covid-19, em maio a pasta ampliou a aplicação para casos leves. O protocolo é usado até hoje.

Milhões de doses distribuídas

Desde o início da pandemia, o Ministério da Saúde distribuiu mais de seis milhões de caixas de cloroquina e hidroxicloroquina pelo Brasil. Foram enviadas aos estados e municípios brasileiros 5,8 milhões de caixas de cloroquina e 289 mil de hidroxicloroquina.

O volume de distribuição foi levantado pelo Metrópoles, com base em informações publicadas na plataforma Localiza SUS, alimentada pela pasta com o panorama do enfrentamento da doença no país.

Segundo o Ministério da Saúde, a pasta “adquire historicamente a cloroquina para tratamento da malária e tem dado ampla divulgação nos quantitativos distribuídos”.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?