Nove brasileiros já tomaram o remédio mais caro do mundo; ao menos 35 estão na fila
Produzido pela suíça Novartis, o fármaco Zolgensma surpreende pela tecnologia e pelo valor: uma única dose custa US$ 2,125 milhões
atualizado
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Em meio a uma disputa envolvendo o governo federal e os pais de pacientes com atrofia muscular espinhal (AME), doença genética rara que leva à morte nos primeiros anos de vida, o remédio Zolgensma recebeu os holofotes pela tecnologia avançada e pelo preço: uma única dose custa US$ 2,125 milhões, o equivalente a cerca de R$ 12 milhões.
Criado pela empresa AveXis, do grupo farmacêutico suíço Novartis, o medicamento é um grande passo para o tratamento da doença. No entanto, o preço do composto lançou debate em escala mundial: quem pode pagar esse valor por um remédio?
Segundo a própria empresa, mais de 600 pessoas em todo o mundo, inclusive brasileiros, já bancaram o fármaco. Para efeito de comparação, estima-se que um em cada 10 mil nascidos tenha a doença e que há, aproximadamente, 8 mil casos no Brasil. Cerca de 90% dos pacientes com essa enfermidade morrem aos 2 anos.
De acordo com levantamento do (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles, com base em depoimentos nas redes sociais e reportagens, pelo menos nove crianças brasileiras já conseguiram o remédio, pago com doações ou por meio de decisões judiciais. Outras 35 ainda estão lutando contra o tempo, como é o caso da brasiliense Helena Gabrielle Ferreira, de apenas 9 meses (foto de destaque).
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“É uma terapia gênica inovadora para o tratamento de uma doença genética grave e progressiva e tem um preço consistente em todo o mundo sob uma estrutura baseada em valor. É importante reforçar que o custo de tais terapias reflete décadas de pesquisas científicas, investimentos em cadeia logística e manufatura em larga escala, bem como custos diretos e indiretos com capacitação de centros de referência, hospitais e profissionais de saúde”, explica a empresa, em nota.
Para a Novartis, o Zolgensma é uma economia a longo prazo em comparação com atuais terapias, que são contínuas.
Em artigo publicado no Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, Jorge Bermudez, chefe do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), argumentou que o montante torna o tratamento proibitivo até mesmo para pessoas com alta renda.
“Não é por acaso que uma das principais polêmicas durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada de 20 a 28 de maio de 2019, em Genebra, foi uma proposta de resolução apresentada por diversos países exigindo maior transparência dos mercados de medicamentos, vacinas e outras tecnologias de saúde”, assinalou Bermudez.
“Os monopólios, de fato ou de direito, levam à fixação de preços elevados e constituem barreiras ao acesso das nossas populações a medicamentos, impedindo a competição genérica. Não se trata de proteção patentária para recuperar recursos investidos em pesquisa e desenvolvimento, mas de lucro extorsivo e desmedido. Até onde vai a cobiça desse setor?”, questionou.
O remédio
No tratamento com Zolgensma, uma espécie de vírus modificado em laboratório, sem efeito no corpo humano, é injetado na veia do paciente com a finalidade de levar uma cópia saudável do gene SMN1 para os neurônios especializados em controlar a contração muscular. O resultado é a correção do DNA afetado, uma cura genética.
A princípio, o remédio é indicado para crianças de até 2 anos, e os resultados perduram por até meia década após a administração da dose. Segundo os responsáveis pelo produto, a duração pode ser maior, mas ainda é preciso esperar a evolução dos pacientes que usaram o Zolgensma recentemente.
Medicamento no Brasil
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em agosto, o registro do Zolgensma. Na última sexta-feira (4/12), a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) autorizou o preço máximo de comercialização do fármaco, liberando-o para ser vendido no Brasil. O valor, no entanto, ainda é um mistério. A Anvisa ainda não informou quanto vai custar o remédio no país. Em nota, limitou-se a dizer o seguinte: “Caso discorde do preço aprovado, a empresa requerente ainda tem a possibilidade de recorrer ao Conselho de Ministros da CMED”.
Nas redes sociais, muitos pedem celeridade no processo. “Por favor, CMED, se posicione, pois a AME não espera. Temos centenas de crianças que podem perder a chance de ter acesso aa essa medicação. O Zolgensma, além do custo absurdo, tem limitação de idade e peso. É uma corrida contra o tempo. Não trabalhem com o prazo-limite. Emitam o relatório indicando o valor máximo a ser cobrado por essa medicação no Brasil”, escreveu perfil dedicado a divulgar campanhas de bebês e crianças com a doença.
O remédio vem para somar com a Spinraza, da Biogen, única opção até agora no país, com custo de R$ 1,3 milhão por ano. Em abril, o Ministério da Saúde assinou a incorporação do composto à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) para pacientes com AME – isso significa que o fármaco está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).