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“Nossa prioridade é o que mata”, diz secretário de Atenção Primária à Saúde sobre absorventes

Principal resistência levantada pelo auxiliar do ministro da Saúde é sobre origem dos recursos para distribuir produtos de higiene menstrual

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Raphael Câmara secretário de atenção primária à saúde Ministério da Saúde 1
1 de 1 Raphael Câmara secretário de atenção primária à saúde Ministério da Saúde 1 - Foto: Arthur Menescal/Especial para o Metrópoles

O veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à distribuição de absorventes para mulheres carentes pegou muito mal até em setores que costumam apoiar o governo, como os partidos do Centrão, e está motivando esforços em vários níveis para tentar recuperar o prejuízo de imagem. Depois de a ministra Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos, recuar do discurso inicial e dizer que planeja um programa para distribuir esses itens básicos de higiene, um representante do Ministério da Saúde, o secretário de Atenção Primária à Saúde, Raphael Câmara, alega que, embora o governo tenha “interesse total” em abraçar a ideia, não sabe de onde tirar recursos. “Prioridade é o que mata”, afirmou Câmara em entrevista ao Metrópoles.

Para o auxiliar do ministro Marcelo Queiroga, a prioridade no investimento de recursos insuficientes deve ser em ações que ele considera mais urgentes. “É óbvio que o interesse é total, inclusive eu sou ginecologista, eu sei que isso é um problema grande. A questão é de onde vai vir o recurso. O dinheiro do SUS não brota, a gente tem um orçamento de R$ 143 bilhões, e quando qualquer programa novo entra alguma coisa tem que sair”, argumenta o gestor.

“Então, a gente tem uma questão de prioridade, prioridade é o quê? É o que mata, é o que adoece”, completa.

Apesar de não matar, a falta de absorventes é um problema grave para milhões de mulheres carentes, sobretudo para aquelas em idade escolar, que muitas vezes faltam às aulas por não se sentirem seguras no período menstrual. Atualmente, uma em cada quatro brasileiras não tem acesso a absorventes, aponta o relatório Livre para Menstruar, do movimento Girl Up – uma iniciativa global da Organização das Nações Unidas que busca promover a igualdade de gênero – em parceria com a empresa Herself.

Dados dos quais o secretário de Atenção Primária à Saúde duvida: “Não sei se repararam que é uma pesquisa feita por indústria de absorventes. Então, assim, é um conflito de interesse tão grande, um viés tão grande”, avalia Raphael Câmara. Ainda assim, o secretário avalia que “o mérito é excelente”, mas pondera: “A questão é: vamos tirar de onde? O governo está sendo extremamente responsável em fazer os estudos. Porque dizer que vem do SUS não quer dizer nada”, argumenta, dialogando com o texto aprovado pelo Congresso e vetado pelo presidente, que aponta as verbas da saúde pública como origem de recursos para tirar do papel a distribuição.

Bolsonaro também usou esse argumento para justificar seu veto e tentar fugir das críticas: “É irresponsabilidade apresentar um projeto sem apontar a fonte de custeio. Isso é feito proposital, para desgastar. Por que o PT não fez isso quando estava no poder?”, questionou o presidente na última semana, referindo-se ao fato de o projeto aprovado ter sido apresentado pela deputada federal Marília Arraes (PT-PE).

No veto publicado no Diário Oficial da União (DOU), em 7 de outubro, o chefe do Executivo federal argumenta que o projeto de lei determinando a distribuição dos absorventes em escolas contraria o interesse público, “uma vez que não há compatibilidade com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino. Ademais, não indica a fonte de custeio ou medida compensatória”.

Em busca de uma solução permanente

Raphael Câmara ressalta ainda que, para ocorrer a implementação da distribuição dos absorventes, o assunto tem que ser “levado a sério. Tem que ter dinheiro pra todo ano. Então você tem que ter uma política, e essa política passa a ter uma rubrica anual. Não é uma coisa: tem em 2022 e não tem em 2023, isso não existe. Se a gente fizer isso tem que ser preso”.

Marcelo Queiroga

Na semana passada, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, também opinou sobre os absorventes e disse ao Metrópoles que a questão da pobreza menstrual no Brasil é “crônica” e que o assunto será tratado em conjunto com a ministra Damares Alves.

“Na realidade, o que nós queremos são políticas públicas que não necessariamente sejam em função do Sistema Único de Saúde. Eu e a ministra Damares Alves vamos buscar alternativas de políticas públicas que não  venham por meio de legislação”, afirmou, apesar da possibilidade de o Congresso derrubar o veto ser alta.

“Nós entendemos que o Congresso Nacional fez isso com a melhor das intenções, né? A ministra [Damares] hoje já enviou uma mensagem para mim. Nós vamos conversar para atender as pessoas em relação a isso”, completou.

Questionada sobre o andamento do assunto dentro do ministério, a assessoria de imprensa afirmou, na sexta-feira (15/10), que não há previsão para o início das tratativas e que não há dados oficiais sobre a pobreza menstrual no Brasil.

Promessa de Damares

Na última quarta-feira (13/10), após defender o veto em algumas ocasiões, a ministra Damares Alves anunciou pelo Instagram um programa de distribuição gratuita de absorventes a mulheres em situação de vulnerabilidade social.

De acordo com a ministra, o programa é discutido “há meses” e será lançado “nos próximos dias”. Antes, no entanto, Damares apoiou o veto à distribuição gratuita de Bolsonaro e chegou a questionar, ironicamente, se a prioridade seria “vacina ou absorventes”.

Repúdio

O veto de Bolsonaro causou repúdio nas redes sociais e repercussão política. A bancada do PSol na Câmara, por exemplo, apresentou uma denúncia à Organização das Nações Unidas (ONU) contra o presidente. A carta classificou os vetos do chefe do Executivo federal de “desumanos” e “ultrajantes”.

“A falta de absorventes higiênicos leva garotas a perder aulas e a alternativas precárias e insalubres, que incluem o uso de papelão, sacolas plásticas e até pedaços de pão”, diz a carta assinada pela líder do partido na Casa, Talíria Petrone, com apoio do partido e de outras deputadas. “Até para os padrões mais baixos, é ultrajante”, seguiu o texto, que acusou Bolsonaro de violar compromissos internacionais e desmantelar políticas públicas para mulheres no Brasil.

O documento pediu que a ONU divulgue um posicionamento sobre o caso e cobre explicações do governo brasileiro. O documento foi endereçado a três autoridades das Nações Unidas: Michelle Bachelet, alta comissária para os Direitos Humanos; Reem Alsalem, relatora especial para Violência Contra a Mulher; e Tlaleng Mofokeng, relatora especial para o Direito à Saúde.

Pelo Brasil

No Rio de Janeiro, a Lei nº 9.404/21, sancionada pelo governador Cláudio Castro (PL), autoriza o Poder Executivo a distribuir gratuitamente absorventes nas escolas estaduais. No entanto, a medida ainda não tem data para entrar em vigor.

No Distrito Federal, o governador Ibaneis Rocha (MDB) sancionou, em janeiro, o projeto de lei para a distribuição gratuita do item. Dez meses após a publicação, porém, a lei ainda não é aplicada.

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