No mês em que Covid mais matou em GO, irmãos morrem no intervalo de 3h
Antes de acabar, março já é o mês em que a doença mais matou no estado; irmãos goianos estão entre as vítimas mais recentes da pandemia
atualizado
Compartilhar notícia
Goiânia – O cortejo silencioso do professor aposentado Adair Pires da Silva, de 61 anos, chegou como grito de desolação à cidade de Iporá, a 226 quilômetros de Goiânia, na manhã desta quarta-feira (24/3). O corpo foi enterrado no mesmo cemitério onde poucas horas antes tinha sido feito o sepultamento do irmão dele. A família conta que os dois morreram de Covid em intervalo de cerca de 3h, no dia anterior.
O professor aposentado e o irmão dele, o dirigente lojista Gervaci Pires da Silva, de 50 anos, morreram na tarde dessa terça-feira (23/3). Eles estão na lista de vítimas da Covid de março em Goiás. Mesmo uma semana antes de acabar, o mês já é o que mais registrou mortes pela doença no estado: 2.131 até o início da noite de quarta.
Uma semana após morte do pai
Conhecidos pelo jeito carismático e por terem mesmo porte físico e voz parecida, os irmãos morreram exatamente uma semana depois de o pai deles, Aleixo Pires, de 89 anos, falecer em Iporá por insuficiência respiratória.
“Nós, da família, estamos todos chocados. Foi uma morte atrás da outra. Estávamos lutando pela vida deles, fazendo tudo que poderia fazer”, afirma a jornalista Letícia Silva, afilhada de Adair e sobrinha de Gervaci.
Segundo a família, o idoso teve insuficiência respiratória, em decorrência de complicações de gastrite severa, e testou negativo para Covid. Como estavam intubados e sedados, os dois irmãos morreram sem saber que o pai deles havia falecido antes.
Mortes em intervalo de 3h
Ex-servidor municipal e do estado, Adair estava internado, desde sexta-feira (19/3), em unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Garavelo, na capital, para onde foi transferido após agravamento de seu quadro de saúde. Antes, ficou internado por cerca de uma semana em unidade de pronto atendimento (UPA) de Iporá. Ele morreu por volta das 18h de terça.
Ver essa foto no Instagram
Cerca de três horas antes, a família foi informada da morte de Gervaci. Ele estava internado no Hospital de Campanha de São Luís de Montes Belos, cidade em que morava. Familiares contam que os dois chegaram às unidades de saúde andando, mas, de acordo com médicos, o estado de saúde dos dois piorou muito rapidamente.
Ver essa foto no Instagram
Histórias interrompidas
A Secretaria Estadual de Saúde (SES) registrou, em março deste ano, 2.131 mortes por Covid até a noite dessa quarta-feira (o último boletim oficial foi divulgado no Instagram da secretaria por volta das 18h), a uma semana do fim do mês. Em relação a fevereiro passado, período em que a doença matou 1.031 pessoas, houve um aumento de 106,69% de óbitos provocados pela pandemia.
A curva do índice de mortes, que se acentuou até setembro do ano passado e depois começou a cair, voltou a subir em fevereiro de 2021 e teve um salto em março. O mês atual já está muito pior do que setembro de 2020, quando 1.578 pessoas tinham perdido a vida no estado para a doença.
Desde o início da pandemia, 10.648 pessoas já perderam a vida para a Covid em Goiás. São 10.648 histórias de vidas interrompidas bruscamente. São 10.648 seres humanos que deixaram parentes e amigos enlutados desde março do ano passado. O dado é do início da noite de quarta-feira. E, infelizmente, não para de crescer.
Vidas perdidas
Veja, abaixo, a quantidade de mortes por mês, com base em informações divulgadas pela Secretaria de Saúde:
- Março/2020: 1
- Abril/2020: 28
- Maio/2020: 95
- Junho/2020: 351
- Julho/2020: 1.181
- Agosto/2020: 1.438
- Setembro/2020: 1.578
- Outubro/2020: 1.081
- Novembro/2020: 598
- Dezembro/2020: 454
- Janeiro/2021: 681
- Fevereiro/2021: 1.031
- Março/2021: 2.131 (até o dia 24)
Mantra
Em todo o estado, a quantidade de mortes levanta preocupação das autoridades de saúde e faz o governador Ronaldo Caiado (DEM) e o secretário estadual de Saúde, Ismael Alexandrino, repetirem, com frequência, o mantra de que não basta aumentar leitos para atender à população. Segundo eles, é preciso que as pessoas tenham consciência e cumpram as medidas contra a pandemia.
“Em um ano de pandemia, Goiás já atingiu mais de 10 mil mortes pela Covid-19. Um verdadeiro filme de terror”, afirmou Caiado, em seu perfil no Instagram. “O momento não é de negar os fatos, é a hora de cada um fazer a sua parte e se proteger. Se não for por você, que seja por cada um dos profissionais que atuam na linha de frente da doença.”
Leitos de UTI sobrecarregados
No total, segundo painel eletrônico da Secretaria Estadual de Saúde, monitorado e atualizado em tempo real, Goiás tem 541 vagas em UTI para Covid espalhados por 25 hospitais, incluindo oito unidades de saúde de campanha construídas pelo governo estadual para enfrentamento da pandemia. A taxa de ocupação desses leitos estava em 98% na noite dessa quarta.
No entanto, de acordo com a pasta, o estado mantém UTIs em apenas 21 dos 246 municípios goianos – 235 deles estão em situação de calamidade em relação à doença.
Iporá, onde nasceram e foram enterrados os dois irmãos vítimas de Covid, está na lista de 225 cidades sem esses leitos para pacientes com estado de saúde considerado muito grave. Mesmo assim, o estado desativou o Hospital de Campanha de Águas Lindas de Goiás, no Entorno do Distrito Federal.
Com o sistema de saúde sob intensa pressão, o estado tenta acolher os pacientes mesmo diante da crescente velocidade de disseminação do coronavírus. “Buscamos otimizar cada recurso, transformando-o em atendimento à população”, afirma o secretário de Saúde.
Outros irmãos contaminados
Adair e Gervaci eram de um grupo de sete irmãos. Entre eles está Ademilton Pires, o primeiro deles a ser contaminado pelo coronavírus ainda no ano passado, e que chegou a ficar muito mal em UTI. Ele já recebeu alta e está bem. A única mulher entre os irmãos, Adagilda Maria Silva Souza, também foi contaminada, mas apresentou apenas sintomas leves.
Agora, a família guarda na memória a imagem dos dois irmãos, que eram os mais parecidos entre todos os parentes. “Eles eram muito parecidos. Corpo, voz, andado”, conta a sobrinha, sem esconder a consternação diante da pandemia que já fez quase 11 mil vítimas em Goiás e mais de 300 mil mortos em todo o país.