No GDF e no governo federal, comissionados sem vínculo são mais de 40%
Tema tem sido alvo de polêmica após casos de jovens indicados para cargos de chefia sem comprovação de capacidade técnica
atualizado
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Nas últimas semanas, casos de jovens sem experiência comprovada ocupando cargos de gerência e chefia em órgãos da administração pública local e federal têm gerado polêmica. Na última sexta-feira (16/3), o Metrópoles divulgou dois deles: um na Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude do Distrito Federal (Secriança-DF) e outro no Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
Nomeados por indicação, esses funcionários nem sempre comprovam capacidade técnica e, às vezes, até chefiam servidores com décadas de casa. A situação não é incomum: no Executivo federal e no Governo do Distrito Federal, passa de 40% o percentual de comissionados sem vínculo com a administração pública.
Conforme dados do Ministério do Planejamento, das 12.370 vagas para cargos comissionados DAS existentes no Executivo federal, 11.329 estão ocupadas. Desse total, 40,9% (4.635) são preenchidas por funcionários que não foram aprovados em concurso público.
Faz parte do grupo a recém-formada engenheira elétrica Marina Nunes Pinto de Araújo, 25 anos, nomeada à coordenadora-geral de Infraestrutura no Trânsito do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Com salário de quase R$ 8 mil, a jovem, que comprovou experiência apenas com estágios no Metrô-DF e na Oi Telecomunicações, é responsável por atribuições importantes no órgão.
Até a última semana, também fazia parte do grupo o jovem Mikael Tavares de Medeiros, 19 anos, que ocupava o cargo de gestor financeiro no Ministério do Trabalho. Como parte da função, ele era responsável por administrar contratos e pagamentos que chegavam à ordem de R$ 473 milhões. O jovem conseguiu a posição após ser indicado pelo PTB, sigla do pai, o delegado de Planaltina de Goiás (GO) Cristiomário Medeiros. Com a repercussão do caso, divulgado inicialmente pelo jornal O Globo, o rapaz foi exonerado.
Os órgãos com o maior número de comissionados do tipo DAS são o Ministério da Fazenda, com 939 cargos; o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com 637; e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, com 581. Os salários variam de R$ 2,5 mil a R$ 16,2 mil. Em janeiro, os gastos com os postos em comissão no governo federal chegaram a R$ 141 milhões, entre pessoas sem vínculo com a administração pública e servidores. O número também inclui os funcionários de agências reguladoras, universidades e institutos federais e cargos de natureza especial.
De acordo com o Ministério do Planejamento, “por se tratar de posições de ‘livre nomeação e exoneração’, compete a cada órgão, com base no Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, avaliar os requisitos necessários para ocupação de cargos comissionados por pessoas sem vínculo com a administração pública federal (não concursados)”.
A pasta admite ainda que “não realiza avaliação de perfil, qualificações e experiências relativas aos demais órgãos para nomeação de Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS). O que o Ministério do Planejamento faz é monitorar o limite percentual de DAS ocupados por profissionais não concursados. Esses percentuais estão estabelecidos no Decreto nº 9021/2017”.
Governo do DF
No GDF, a situação não é muito diferente. Segundo o Portal da Transparência do Executivo local, existem atualmente 17.246 cargos comissionados, dos quais 15.788 estão preenchidos. A Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do DF (Seplag) informa que 45,92% dessas posições estão ocupadas por pessoas sem vínculo com a administração pública.
Erik Harnefer era uma delas. Aos 18 anos, o rapaz comandava, até o início deste mês, a Diretoria de Capacitação do Sistema Socioeducativo, da Coordenação de Políticas e Saúde Mental da Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança-DF). No dia 6 de março, o rapaz, que é estudante de psicologia, foi exonerado da função. O caso é apurado pela Corregedoria da pasta.
Segundo o GDF, apenas 5,53% da força de trabalho é composta por pessoas sem vínculo com o governo, e esse grupo representa apenas 2,2% da folha de pagamento do Executivo. A Seplag afirma ainda que “tem atuado na profissionalização do quadro de servidores da administração pública local”. Conforme estabelece o Decreto nº 38.094, de 2017, os cargos estratégicos das administrações regionais devem ser ocupados por funcionários de carreira e/ou que tenham reconhecida capacidade técnica na área de atuação.
Especialistas
Para o economista e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, a nomeação de comissionados dessa forma compromete a eficiência pública. “As indicações políticas acabam fazendo com que pessoas, muitas vezes sem qualquer experiência ou qualificação, caiam de paraquedas na máquina pública. O único motivo pelo qual foram selecionadas foi pela amizade ou relação política que possuem com alguém que tem a capacidade de indicar”, argumenta.
Castelo Branco afirma que as justificativas em defesa das nomeações de pessoas sem vínculo são de que elas “arejariam” e trariam novas ideias para o ambiente. “Mas, nesse caso do Ministério do Trabalho, por exemplo, o rapaz não tinha as qualificações mínimas necessárias para o cargo”, defende.
Ainda de acordo com o profissional, a nomeação de comissionados pode prejudicar a gestão do conhecimento no órgão, já que essas pessoas “aprendem e vão embora”, além de abrir brecha para a desmotivação dos servidores. “O comissionado chega e ocupa o cargo que deveria ir para alguém que está lá há anos e, às vezes, é muito mais experiente e capacitado”, pontuou.
O entendimento é o mesmo do especialista em gestão pública e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) Marcelo Fiche. Para ele, nomeações pouco técnicas “reduzem a eficiência da máquina pública”. Fiche defende ainda o aprimoramento das normas para a escolha de comissionados. Hoje, 50% dos cargos DAS com salários mais baixos precisam ser ocupados por servidores. Para os salários mais altos, a alíquota sobe para 75%. “Para mim, todos deveriam ser 100%”, diz o professor.
Fiche aponta ainda para uma maior responsabilidade do servidor. “Ele sabe que, se cometer desvios, pode jogar abaixo toda a carreira. Tem chance de sofrer um processo administrativo, perder o cargo público e todo aquele tempo que ele passou lá. Esse tipo de responsabilidade não recai sobre as pessoas sem vínculo”, finaliza.