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O presidente argentino, Javier Milei, enviou uma carta ao governo brasileiro, anfitrião da reunião de cúpula do G20, para confirmar presença no Rio de Janeiro em novembro. Será a primeira vez que Luiz Inácio Lula da Silva e Milei terão uma reunião bilateral depois de quase um ano da posse do argentino, que se aproxima de Brasil e China, marcando um giro pragmático na política externa.
Por meio de uma carta ao Itamaraty, Milei confirmou a viagem ao Rio de Janeiro nos próximos 18 e 19 de novembro, quando os líderes de Brasil e Argentina devem realizar o primeiro encontro bilateral. Há uma forte expectativa que a assinatura da nova versão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia ocorra durante o G20.
A presença de Milei numa reunião organizada pelo anfitrião Lula foi revelada a legisladores pelo embaixador argentino em Brasília, Guillermo Daniel Raimondi, e confirmada à imprensa por Federico Pinedo, coordenador da chamada “Unidade G20” da chancelaria argentina, responsável pela organização da participação do país na reunião das 20 maiores economias do mundo.
A presença de Milei no Rio marca um giro pragmático da agenda externa do presidente argentino. Durante a campanha eleitoral de 2023, ele disse que não teria relações com “comunistas”, incluindo nesta lista Lula e o presidente chinês, Xi Jinping.
Sobre o líder petista, Milei ainda o classificou de “corrupto”, levando Lula a recusar o convite para participar da posse do argentino, em 10 de dezembro de 2023, e a indicar publicamente que esperava “um pedido de desculpas”.
Milei não só se negou ao pedido, definido como “de um pré-adolescente”, como também disse que quem deveria se desculpar era Lula por ter se intrometido na campanha eleitoral argentina a favor do candidato rival, Sergio Massa, e por ter alarmado os argentinos ao dizer que “a extrema direita é um perigo para a democracia”, em clara referência a Milei.
“É preciso ter um presidente que goste de democracia, que respeite as instituições, que goste do Mercosul, que goste da América do Sul”, disse Lula na reta final da campanha argentina.
“Lula foi parte da campanha negativa contra mim, impulsionada a partir do Brasil com a ajuda de ‘marketeiros’ brasileiros na campanha de Massa”, recordou Milei. Para evitar um encontro com Lula, o presidente argentino ainda cancelou sua participação na reunião de cúpula do Mercosul, em junho passado, em Assunção, no Paraguai.
Flexibilidade pragmática de rumo
A confirmação de que Milei estará numa reunião com Lula ocorre duas semanas depois de o presidente argentino dizer que “a China é um sócio comercial muito interessante porque não exige nada” e que pretende viajar a Pequim. Até duas semanas atrás, Milei mantinha a tese de que “não faria pactos com comunistas”, incluindo Brasil e China.
Agora, durante a presença de Milei no Rio de Janeiro em novembro, a diplomacia argentina procura confirmar reuniões bilaterais com Lula e com Xi Jinping, respectivamente, os líderes dos dois principais sócios comerciais da Argentina.
Brasil e Argentina, aliás, formam o eixo da integração regional. O avanço das relações bilaterais depende em boa medida da diplomacia presidencial, inexistente não apenas desde que Milei assumiu o poder, mas também durante o período em que o anterior presidente argentino, Alberto Fernández (2019-2023), conviveu com Jair Bolsonaro (2019-2023), quando os dois também não se falavam por motivos ideológicos.
Acordo Mercosul-União Europeia
Um dos argumentos que serviria de desculpa para justificar uma aproximação entre Milei e Lula é o tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE). O acordo foi fechado em junho de 2019, depois de 20 anos de negociações. Porém, em vez da esperada ratificação por parte do Parlamento europeu e dos Congressos dos países do Mercosul, a negociação passou a ser questionada por alguns países da UE, liderados pela França.
“Há um desafio bilateral entre Argentina e Brasil, mas também um multilateral entre os dois países para defenderem questões comerciais vinculantes, com premissas econômicas, ambientais e sociais. As negociações entre os dois blocos estão muito avançadas”, apontou aos jornalistas o embaixador argentino em Brasília, Guillermo Daniel Raimondi.
O Mercosul espera poder fechar as negociações durante a reunião do G20, aproveitando a presença dos negociadores europeus no Rio de Janeiro, especialmente da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, uma entusiasta do acordo.
Caso não seja possível um anúncio formal em novembro, o Mercosul pretende que seja então assinado um pré-acordo e adiar a declaração formal para 5 de dezembro, durante a reunião de Cúpula do Mercosul em Montevidéu, no Uruguai.
O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, um férreo defensor do livre comércio, poderia encerrar o seu mandato em março de 2025 com esse tratado como conquista concreta da sua pressão por um Mercosul aberto ao mundo.
Curiosamente, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia pode abrir não apenas um novo capítulo entre os dois blocos, mas também uma nova fase, mais pragmática e menos ideológica, entre os dois principais países do Mercosul.
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