Ninguém aguenta mais documentário sobre Tropicália, diz Josias Teófilo
Com novo filme sobre o bolsonarismo, cineasta defende Lei Rouanet e diz que julgar obras por discurso político faz mal ao cinema brasileiro
atualizado
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São Paulo – Três anos após o lançamento de O Jardim das Aflições, documentário que retrata o professor on-line de filosofia e “guru” bolsonarista Olavo de Carvalho, o cineasta Josias Teófilo lançará em junho o documentário Nem Tudo se Desfaz.
No novo filme, Teófilo relaciona a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder às Jornadas de Junho de 2013, no que considera uma revolução conservadora.
Mais uma vez uma produção do cineasta não poderá ser vista no festival É Tudo Verdade. Simpático às polêmicas, pretende lançar o filme em universidades.
Entre os entrevistados do filme: Olavo de Carvalho, Steve Bannon (ex-estrategista de Donald Trump) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho “03” do presidente da República. O cineasta também deu espaço a pensadores independentes ligados à esquerda, como Idelber Avelar e João Cezar de Castro Rocha.
Nesta entrevista ao Metrópoles, Josias Teófilo explica a tese de seu documentário, critica a condução do setor cultural pelo governo Bolsonaro e reflete sobre a polarização política. “Elogiei um filme de uma pessoa que diverge de mim politicamente e me esculhambaram. Mas é bom, porra, o que eu posso fazer?”
Saiu na imprensa que o seu novo documentário Nem Tudo se Desfaz teria sido recusado no festival É Tudo Verdade. O senhor poderia nos esclarecer a situação?
Mandamos uma versão mais longa do filme, não é o corte final ao qual cheguei agora. O documentário apenas não foi selecionado, o que é do jogo. A versão que eu mandei não foi a mais perfeita do filme.
Uma coisa é certa, todos que entram num festival são alinhados ideologicamente. Eles podem divergir, mas dentro de uma perspectiva de esquerda.
Meu filme anterior, O Jardim das Aflições, foi o documentário que mais provocou debate no Brasil em 2017, disparado, e ele também não foi selecionado para o É Tudo Verdade. Existe um gap [uma lacuna] entre a seleção dos festivais e o que esquenta o debate público.
No seu novo documentário, Nem Tudo se Desfaz, o senhor estabelece uma relação entre a vitória de Bolsonaro e as Jornadas de Junho de 2013. Onde o senhor estava em junho de 2013?
Eu estava em Brasília, fazendo mestrado em filosofia. Eu era totalmente contra as manifestações, odiava aqueles slogans, aquele povo subindo no Congresso Nacional, aquelas pautas difusas. Mas as coisas tomaram outro rumo.
Intelectuais petistas também fazem a relação entre junho de 2013 e Bolsonaro, mas de uma forma negativa. Há ainda pesquisadores independentes que acham que essa relação não existe. Como o senhor defende a tese do seu documentário?
Realmente, a princípio, é difícil ver relação entre as primeiras manifestações e a eleição de Bolsonaro. Essa relação se dá a partir do momento em que a esquerda perde o controle das manifestações.
É nesse momento que eu noto quatro elementos importantes: o apartidarismo, as pautas anticorrupção, o nacionalismo e o sentimento antiestablishment.
O apartidarismo é óbvio na figura do presidente Jair Bolsonaro, que nem sequer tem partido. As pautas anticorrupção engoliram a questão do valor da passagem.
O sentimento antiestablishment, de que as pessoas comuns estão apartadas de um grande sistema que envolve a mídia e as grandes corporações, é comum entre o fim das Jornadas de Junho e o bolsonarismo.
Na minha opinião, a eleição de Bolsonaro é o resultado de um movimento revolucionário que começou em 2013. A tese do meu filme não é original, e não precisa ser, a originalidade está em como isso é representado visualmente.
Em que momento “a esquerda perdeu o controle das manifestações”? Pesquisadores independentes dizem que as manifestações de direita só vão ocorrer no fim de 2015, com os pedidos de impeachment.
Não, foi em 2013. Desde 2010 há manifestações contra o aumento da passagem, sempre organizadas por gente de esquerda. A nova direita não veio à tona por causa das manifestações, ela emergiu contra as manifestações. As pessoas foram às ruas com raiva da pauta dos “20 centavos”.
Foi em 2013 que surgiram os movimentos ativistas de direita, começaram os hangouts com Olavo [de Carvalho], Lobão e Bolsonaro e todo o povo que viria a formar o governo.
O senhor não teme que as guerras culturais façam com que parte do público rejeite ver seu documentário por conta de suas convicções políticas?
Existe uma vantagem na polarização. O público está ávido por política, e isso é muito bom.
A minha sorte, e a sorte de outros cineastas de esquerda, é que neste contexto de polarização, podemos fazer uma obra de arte digna, calma e com todo o tempo do mundo. As pessoas estão dispostas a ver com grande atenção.
O público que não gosta de mim vê o filme também, mas vai ver baixado, para não pôr dinheiro na minha mão (risos).
Há lado negativo nesta conjuntura polarizada. Recentemente elogiei publicamente uma excelente série do Pedro Bial sobre o João de Deus e me esculhambaram com tudo o que é nome. “Você tá defendendo esse esquerdista.” Mas é bom, porra, o que eu posso fazer?
Também digo que o maior cineasta brasileiro vivo é Arnaldo Jabor. Estou falando do cineasta, e não do comentarista de jornal. São coisas diferentes.
O senhor vislumbra alguma solução para superar a dificuldade em aceitar os divergentes dentro do cinema?
Julgar obras por seu discurso político e não por seu conteúdo estético faz mal para o cinema brasileiro. Mas é uma tendência que não vai mudar tão cedo.
Ninguém aguenta mais documentário sobre Tropicália, porra! Já fizeram documentário sobre todos os personagens daquela época. Agora também só se fala de temas de gênero, como feminismo ou transsexualidade. São temas repetidos até a exaustão.
Isso desgasta o público, o afasta da produção brasileira e faz com que o financiamento do cinema seja mal visto. À medida que um filme é bom e faz sucesso, as pessoas valorizam o filme e o sistema de financiamento.
Quando eu quero defender a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual, eu lembro que Tropa de Elite não existiria sem as leis de incentivo.
Como o senhor vê a condução atual do setor cultural no governo Bolsonaro?
O Mario Frias, para aplacar a vontade do presidente, burocratizou muito um setor que precisa ser desburocratizado.
O bolsonarismo carece de mão de obra técnica e intelectual para o setor. Quem no bolsonarismo escreveu sobre políticas públicas para a cultura? Ninguém.
Além da desburocratização, podíamos investir mais em preservação de patrimônio e dialogar mais com a iniciativa privada, o que poderia representar uma solução para a Cinemateca Brasileira.
É um vexame o discurso sobre a Lei Rouanet, ela não é uma ferramenta de cooptação política de artistas. Até porque esse pessoal de esquerda tem muita dificuldade em se relacionar com empresas.
Perfil
Nome Josias Teófilo, nascido Josias Saraiva Monteiro Neto
Idade 33
Origem Recife (PE)
Atuação Jornalista, fotógrafo e documentarista, autor de O Jardim das Aflições (2017)