Na web, antivax intimidam técnicos que defendem imunização de crianças
Majoritariamente apoiadores do presidente Bolsonaro, grupos chamam protestos e expõem dados pessoais de especialistas ouvidos em audiência
atualizado
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A inclusão de crianças na Campanha Nacional de Imunização contra a Covid-19 tem despertado reações extremas do grupo contrário a esta medida. Durante audiência pública promovida nesta terça-feira (4/1), uma das estratégias utilizadas pelos antivax foi a exposição de dados pessoais dos especialistas favoráveis à vacinação ouvidos na ocasião.
Em comunidades on-line, como grupos do Telegram ou contas no Twitter, foram compartilhadas fotos das declarações de conflito de interesse que seriam de profissionais como Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações; Marco Aurélio Sáfadi, representante da Sociedade Brasileira de Pediatria e Renato Kfouri, pediatra e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Os documentos foram divulgados com a intenção de sustentar a hipótese de que os especialistas estariam a serviço da Pfizer, empresa farmacêutica que desenvolveu o imunizante aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para crianças de 5 a 11 anos.
Nas redes sociais, vozes contrárias à vacinação do público destacam o “caráter emergencial” das vacinas aprovadas e efeitos colaterais raros, de acordo com a literatura científica.
Na audiência pública promovida nesta terça para discutir o tema, apenas três pessoas ouvidas se manifestaram contra: médicos escolhidos pela deputada bolsonarista Bia Kicis, presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Os profissionais indicados pela CCJ foram o imunologista Roberto Zeballos, o neurocirurgião Augusto Nasser e a infectologista Roberta Lacerda Almeida. Todos acumulam seguidores nas redes sociais e divulgam informações controversas sobre a pandemia.
Protestos
Durante a audiência, um grupo de aproximadamente 30 pessoas promoveu protesto em frente à sede da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), onde ocorria o evento.
Entre os participantes do protesto, estavam crianças, que seguravam cartazes com os dizeres: “Eu não sou cobaia”. Além disso, manifestantes seguravam faixas contrárias ao passaporte da vacina. O grupo também contava com apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O objetivo da audiência foi apresentar os resultados da consulta pública finalizada em 2 de janeiro sobre a vacinação infantil contra Covid-19. De acordo com a secretária Extraordinária de Atenção à Covid do Ministério da Saúde, Rosana Leite de Melo, foram colhidas contribuições de 99,3 mil participantes.
Segundo Rosana, a maior parte dos ouvidos manifestou-se contra a obrigatoriedade de receita médica para a imunização de criança e que essa vacinação não deve ser obrigatória. Além disso, o público opinou que crianças com comorbidades devem ser priorizadas no processo.
“Tivemos 99.309 pessoas que participaram nesse curto intervalo de tempo em que o documento esteve disponível para consulta pública. A maioria se mostrou concordante com a não compulsoriedade da vacinação e a priorização das crianças com comorbidade. A maioria foi contrária à obrigatoriedade de prescrição médica no ato de vacinação”, informou.
Participante da audiência representando a CCJ, a médica Roberta Lacerda também convocou manifestações contra a exigência do comprovante de vacinação, mas não teve sucesso.
“Às ruas!!! Dia 4 de janeiro!!! Nosso novo dia de luta pela liberdade!!!”, escreveu Lacerda no Twitter na última sexta-feira (31/12), ao comentar uma decisão do ministro do STF Ricardo Lewandowski que liberou a cobrança do passaporte da vacina nas universidades federais.
A pregação da médica bolsonarista, feita para esta terça, contudo, fracassou. Não houve manifestações nas ruas contra o imunizante. Além de atacar a vacina, a médica estimulou aglomerações e, assim, desrespeitou outra medida sanitária básica para conter o vírus que matou 619 mil brasileiros.
Ameaças à Anvisa
Diretores e servidores da Anvisa têm sido alvos de ameaças frequentes desde o começo da discussão sobre a imunização de crianças contra a doença. Foram 169 e-mails com ameaças aos funcionários até o fim de dezembro.
O levantamento interno começou a ser feito no último dia 17, um dia depois de o presidente Bolsonaro ter intimidado técnicos da agência, que havia aprovado a vacinação infantil contra a Covid. A PF investiga o caso, que também tramita no STF. Parte das mensagens faz ameaças de morte.
O presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, e os diretores da agência disseram ser vítimas de um “ativismo político violento”. No mês passado, os funcionários já haviam recebido pelo menos cinco ameaças de morte por e-mail quando a Pfizer anunciou que pediria o aval da Anvisa para a vacinação infantil, como já ocorre em países da Europa e nos Estados Unidos. Na ocasião, em entrevista à coluna, Barra Torres havia cobrado uma resposta imediata das autoridades federais.