Na Câmara, Bolsonaro votou contra mudanças que prega na Previdência
Enquanto parlamentar, o presidente da República foi contrário a todas as propostas de alterações apresentadas pelos governos do PT e do PSDB
atualizado
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O fim do primeiro mês de governo indica que a principal pauta econômica do presidente Jair Bolsonaro (PSL) é a reforma da Previdência. E as declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, mostram que o principal objetivo é endurecer as regras da aposentadoria, reduzindo o peso previdenciário nas contas do país.
Entre as mudanças previstas, estão o estabelecimento de uma idade mínima e o aumento do tempo mínimo de contribuição para solicitação de aposentadoria integral. O projeto, no entanto, ainda não foi formalmente apresentado pelo governo ao Congresso.
Mas, apesar de agora defender a reforma da Previdência com unhas e dentes e de inclusive tê-la incluído no programa de governo que registrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante a campanha eleitoral do ano passado, Bolsonaro tem um histórico de votações contrárias a qualquer medida semelhante ao longo de sua carreira como deputado.
Nas últimas semanas, a Lupa analisou os posicionamentos públicos do presidente em seis projetos que trataram sobre possíveis alterações na Previdência e que tiveram grande relevância pública desde 1995. Constatou que, em todos eles, Bolsonaro foi contrário à restrição dos critérios para aposentadoria e favorável a medidas que, de certa forma, aumentariam o custo da Previdência para a União.
Essa aparente inconsistência não é exclusividade do hoje presidente. O PT, por exemplo, acusou Fernando Henrique Cardoso de prejudicar os trabalhadores e favorecer banqueiros com a reforma previdenciária de 1998. Cinco anos depois, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi responsável por outra reforma, que aprofundou as mudanças realizadas pelos tucanos. Nela, por exemplo, Bolsonaro fez questão de ressaltar a incoerência.
Ainda vale lembrar que, em 2009, o PSDB votou majoritariamente para extinguir o fator previdenciário, algo que havia sido criado por Fernando Henrique Cardoso (FHC) 10 anos antes, com o apoio de quase toda a bancada do partido à época.
Confira como Bolsonaro votou assuntos previdenciários quando era deputado:
Reforma da Previdência de 1995/1998
No seu primeiro ano como presidente, Fernando Henrique Cardoso tentou reformar a Previdência com a Proposta de Emenda à Constituição 33 (PEC nº 33/1995). O projeto de reforma foi apresentado em abril de 1995, mas o processo só terminou em dezembro de 1998, quando o tucano já havia sido reeleito presidente. Três versões diferentes do texto-base da proposta foram votados na Câmara em primeiro turno. Bolsonaro votou contra todas elas (aqui, aqui e aqui), posicionando-se ao lado do PT na oposição ao governo tucano.
A PEC foi aprovada em dezembro de 1998, com 236 votos favoráveis, 101 contrários e três abstenções. Nomeada Emenda Constitucional 20 após sua promulgação, a proposta endureceu as regras para quem pretendia se aposentar, mas as medidas reduziram o custo da Previdência para o poder público no longo prazo. Foi estabelecido um limite mínimo de idade para aposentadoria no serviço público e, a partir desta PEC, estados e municípios puderam criar regimes de previdência complementar e estipular um teto para o valor das aposentadorias. A emenda também submeteu a aposentadoria de magistrados às regras gerais do serviço público, permitiu que o governo cobrasse imposto de renda sobre os benefícios e estabeleceu os critérios mínimos atualmente vigentes para aposentadoria de trabalhadores do setor privado.
Bolsonaro foi contra essas mudanças, especialmente a colocação de limites de idade e tempo de contribuição para a aposentadoria dos servidores civis. “A princípio, ela não atinge de forma negativa os militares. (…) Todavia, com o pensamento nos servidores civis, porque não posso admitir que a aposentadoria seja permitida apenas após os 60 anos de idade, votei contrariamente”, declarou, em 13 de fevereiro de 1998, dois dias depois da votação do substitutivo do Senado na Câmara em primeiro turno.
No mesmo discurso ele também criticou as regras para a aposentadoria de trabalhadores do setor privado. “A aposentadoria destes [trabalhadores do setor privado] não será aos 60 anos de idade. Sabemos que aqueles que porventura têm um emprego, hoje em dia, e contam com mais de 40 anos de idade, caso venham a perder o seu emprego, dificilmente conseguirão uma nova colocação; viverão na informalidade até completar os 60 anos de idade, mas não terão os 35 anos de contribuição”, criticou.
Nem todas as mudanças desejadas pelo governo passaram. No dia 7 de maio, foi votada a inclusão de uma idade mínima para a aposentadoria de trabalhadores do setor privado – 60 anos para homens, 55 para mulheres. Um total de 307 deputados votou a favor da mudança, um a menos do que o necessário. Bolsonaro, mais uma vez, votou não.
Vinte anos depois, a reforma que deve ser apresentada por Bolsonaro muito provavelmente estabelecerá uma idade mínima para aposentadorias no setor privado e aumentará a idade mínima no setor público, hoje em 60 anos para homens e 55 para mulheres. Segundo anteprojeto ao qual o jornal O Estado de S. Paulo teve acesso, esse limite deve ser de 65 anos para as duas categorias.
Fator previdenciário (1999)
Em 1999, ano seguinte à aprovação da reforma da Previdência, Fernando Henrique apresentou projeto de lei que criava o fator previdenciário. Esse dispositivo legal faz com que o valor das aposentadorias seja afetado pelo tempo de contribuição e pela idade da pessoa que se aposenta. Na prática, isso significa que o benefício de alguém que se aposenta mais jovem sofre deduções, tornando-se mais vantajoso se aposentar com uma idade mais avançada. A medida visava a reduzir o número de aposentadorias precoces no país.
Ao contrário da reforma em si, a tramitação do fator previdenciário no Congresso foi rápida. Apresentado em 20 de agosto de 1999, o projeto foi votado na Câmara no dia 6 de outubro daquele ano. Novamente, Bolsonaro votou com a oposição, então liderada pelo PT, de forma contrária à medida. Por 301 votos a 157, o projeto prevaleceu, sendo aprovado no Senado em 19 de novembro e sancionado no dia 26 do mesmo mês.
Reforma da Previdência de 2003
Em 2003, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em seu primeiro ano de mandato, apresentou seu projeto de reforma da Previdência, a PEC 40/2003. Ela era focada, principalmente, no funcionalismo público. Entre outras medidas, o texto determinou que inativos do setor público que ganhassem acima do teto do INSS contribuíssem para a Previdência depois da aposentadoria, limitou os valores por pensão por morte e estabeleceu que as alíquotas de contribuição dos regimes próprios estaduais e municipais fossem, no mínimo, iguais às da União.
Ao contrário da reforma de FHC, a de Lula tramitou em menos de um ano. Foi apresentada em 30 de abril e promulgada em 19 de dezembro de 2003. O texto foi votado uma única vez na Câmara, em dois turnos, mas o processo de discussão e votação se estendeu do dia 5 ao dia 27 de agosto. A principal votação, do substitutivo geral da PEC, foi no dia 6. Bolsonaro votou contra. O governo aprovou por 358 votos a 126.
Sobre a votação, Bolsonaro disse o seguinte, no dia 7 de agosto: “não sei se os colegas do PT vão conseguir viver em paz. Vou até fazer-lhes uma recomendação: subam hoje, em casa, numa balança, e quem perder menos de 3 quilos até terça-feira da próxima semana que vote favoravelmente à PEC 40 no segundo turno. Com toda certeza, cada um vai perder mais de 3 quilos, porque não vai conseguir dormir, dada a sua consciência”, disse.
Ele também reiterou, dois dias antes, que sempre votou contra propostas similares do governo FHC e que tinha “vergonha de discursar contra um partido que sempre esteve ao lado dos servidores públicos [o PT]”.
O ministro-chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni também era deputado à época, e, assim como Bolsonaro, votou contra o projeto. Ele criticou, em diversas ocasiões, a contribuição de inativos para o sistema previdenciário, e defendeu um regime público de capitalização para o sistema.
Fim do fator previdenciário (2009)
Em dezembro de 2009, Lula decretou medida provisória (MP) que reajustava o valor das aposentadorias para os anos de 2010 e 2011. Em fevereiro de 2010, quando a MP tramitava na Câmara, o deputado Fernando Coruja (PPS-SC) apresentou uma emenda que extinguia o fator previdenciário, criado em 1999 por Fernando Henrique.
Em 4 de maio, o plenário da Câmara aprovou a extinção do fator por 323 votos a 80, mesmo com a posição contrária dos líderes dos partidos governistas. Bolsonaro e Onyx votaram a favor. Lula vetou a mudança, e o fator previdenciário segue em vigor.
Criação da previdência complementar na União
Em 2012, a presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou a Lei 12.618/2012, que criou a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público (Funpresp). Na prática, ela limitou a aposentadoria de novos funcionários da União ao teto do INSS. Para ter direito a uma aposentadoria maior, eles têm de aderir ao plano de previdência complementar. Isso foi possibilitado pela reforma previdenciária aprovada em 1998, e já havia sido aplicado no estado de São Paulo em 2011.
O projeto era antigo: foi apresentado durante o governo Lula, em 2007, mas ficou “travado” na comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) até 2011, chegando ao plenário somente em agosto daquele ano. Bolsonaro votou contra, assim como o atual ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), que também era deputado à época. O atual ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra (MDB), foi favorável. A proposta acabou aprovada por 318 votos a 134.
Em plenário, Bolsonaro declarou, no dia 11 de agosto: “o governo agora quer aprovar a toque de caixa o PL 1992, de 2007, que trata do Regime de Previdência Complementar para os servidores civis. Ou seja, coloca para todos, como limite de aposentadoria e pensão, o valor máximo pago aos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”. E complementou: “A única certeza que podemos ter neste governo é que pior tudo poderá ficar”. A atual reforma não deve alterar o teto instituído pela lei sancionada em 2012 pela então presidente Dilma Rousseff.
Criação da fórmula 85/95
A fórmula 85/95 é uma espécie de substituto do fator previdenciário. Criada em 2015, ela determina que beneficiários da Previdência podem se aposentar com valor integral caso a soma de sua idade e de seu tempo de contribuição ao INSS chegue a 95 anos (85, no caso de mulheres). Ou seja, um homem com 55 anos e 40 anos de contribuição pode se aposentar com valor integral, sem incidência do fator.
A primeira tentativa de criar a fórmula 85/95 foi tomada pela oposição, e não pelo governo. Em 30 de dezembro de 2014, Dilma editou a MP 664, que endurecia as regras para a concessão de pensões por morte. Em 2015, enquanto a MP tramitava na Câmara, o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) apresentou emenda à lei de conversão que incluía a chamada fórmula 85/95 na legislação. Pelo texto desta emenda, o fator previdenciário deixaria de ser aplicado para aposentados que cumprissem os critérios exigidos pela fórmula.
À época, Bolsonaro e cinco de seus ministros eram deputados. Terra, Mandetta, Tereza Cristina (DEM-MS), hoje ministra da Agricultura, e o próprio Bolsonaro votaram a favor da nova regra. O atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), votou contra. Onyx não estava presente. A emenda passou, por 232 votos a 210.
Dilma vetou, mas apresentou no mesmo dia uma nova medida provisória, a MP 676. Ela incluía a regra 85/95, mas com uma previsão de aumento do tempo e idade exigidos nos anos seguintes, atingindo 90/100 em 2022. O texto-base da MP foi aprovado por unanimidade.
No anteprojeto de reforma, uma regra similar à 85/95 deve ser usada como modelo para o período de transição. Como a reforma já deve prever uma idade mínima e a proporcionalidade do valor da aposentadoria ao tempo de contribuição, a regra, assim como o fator previdenciário, devem deixar de existir.