Mulheres sobreviventes de tragédias com barragens lutam pelo recomeço
Moradoras de regiões atingidas sofrem por perderem parentes, amigos, lar e sustento. Precisam superar preconceitos para reconstruir a vida
atualizado
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Brumadinho (MG) – Tragédias como as resultantes dos rompimentos de barragens de rejeitos de mineração nos municípios mineiros de Brumadinho e Mariana têm consequências traumáticas nas vidas dos sobreviventes – em geral, moradores de áreas rurais. Além de sofrerem pela perda de parentes e amigos, famílias se veem subitamente sem suas casas e sustento. Toda a dinâmica social é afetada.
Para as mulheres dessas comunidades, o drama se torna ainda mais pungente. Historicamente responsáveis pelo cuidado com seus lares e familiares, elas passam a conviver com o desespero de não terem mais os bens conquistados em anos de trabalho e com a dificuldade em serem reconhecidas como protagonistas na luta pela reparação dos prejuízos.
A partir de uma demanda de auxílio e assistência às moradoras, o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) tem realizado reuniões e encontros de mulheres no Córrego do Feijão, vilarejo afetado pela lama da Barragem I da Mina do Córrego do Feijão, que se rompeu no dia 25 de janeiro. Uma das integrantes do MAB conta que, além da perda de familiares, amigos e de ter a vida completamente desestruturada, o direito de falar também é algo muito importante nesse momento.
“As mulheres têm muita dificuldade de terem garantidos os direitos à fala e à vida pública. Elas têm essa dificuldade de serem reconhecidas como protagonistas na luta pelos seus direitos. Muito por isso, começamos com as reuniões e acompanhamos um grupo de mulheres no Córrego do Feijão”, detalhou Edisângela Alvez Barros, 34 anos, representante do MAB. “Na prática, a empresa [Vale, responsável pela mina] acaba negando esse direito para as mulheres”, completa.
Dor e reparação
Uma das mulheres afetadas em Brumadinho traduz esse sentimento: ao ver a lama atingir sua casa, ela se sentiu uma pessoa fracassada. “Salvei as nossas vidas, mas perdi tudo. O que não consegui salvar foram meus bens e tudo que conquistei em 20 anos, mas exijo que eles me devolvam isso”, destacou a produtora rural Maria Aparecida dos Santos, 44. “Preciso montar um lar para a minha filha. Eles nos arrancaram nosso lar, e isso não é culpa de nenhum de nós. Ficou tudo na lama”, lamenta.
Passar os dias, desde a tragédia, em um quarto de hotel e não ter condições de manter a rotina familiar são fatores que aumentam ainda mais o sofrimento de Maria e de tantas outras moradoras da região. Em Mariana, há mais de três anos, as mulheres atingidas tentam retomar a vida. No município, quando houve o rompimento da barragem do Fundão, em 2015, não foi diferente.
A cabeleireira Paula Geralda Alves, 37 anos, já superou uma parte do luto, mas até hoje vive à espera de que a vida retome o curso normal. Para ela, apenas a reconstrução da comunidade de Bento Rodrigues, totalmente devastada pela explosão da Barragem do Fundão, trará alento. “Tenho esperança na reconstrução, de ver Bento refeito e todo mundo junto de novo”, revela.
Baseada na experiência com mulheres sobreviventes de tragédias como essas, Edisângela afirma que a perda de familiares e pessoas queridas da comunidade acaba com vínculos muito fortes, assim como a destruição das moradias. “Para as mulheres, [a habitação] é algo fundamental e há toda uma preocupação com a casa, com os filhos. Perder isso as faz sentirem essa dor na pele. Ficam extremamente abatidas”, revela.
Produção, renda e preconceito
As atingidas em desastres com barragens passam a enfrentar sérias dificuldades econômicas. Edisângela explica que a maioria das mulheres das regiões afetadas não tinham carteira assinada. Eram trabalhadoras autônomas. Após as tragédias, muitas não conseguem mais manter suas atividades econômicas e acabam reféns dos companheiros ou da assistência das empresas responsáveis pelas estruturas colapsadas.
“Uma das vitórias que tivemos em Brumadinho foi a garantia do auxílio mensal para cada pessoa atingida e não mais para o ‘chefe da família’, como foi em Mariana. A mulher também tem esse direito, e foi preciso lutar por isso”, completa a ativista.
Em Brumadinho, sempre houve uma força muito grande das mulheres em torno da produção agrícola e manutenção de hortas na região. Elas estão se juntando em grupos para tentar reverter a situação. A maioria perdeu tudo. As que conseguiram continuar a produzir sofrem com o preconceito: os consumidores evitam comprar produtos cultivados na localidade, temendo que estejam contaminados pela lama tóxica.
“Isso também é um crime contra os que restaram. Pessoas estão rompendo os contratos com a gente por medo de comer o que é produzido na cidade. Muitos usam água de mina para as hortaliças, mas o alarde que tem sido feito [em torno da possibilidade de contaminação dos recursos hídricos] causa um medo generalizado”, afirma a a agricultora Maria Betânia da Silva, 45 anos. “Eu escoava a produção em Brumadinho, mas agora tenho que dar a volta e andar 100 km para chegar ao centro da cidade. Antes, percorria apenas 10 km”, detalha.
A violência dessa situação vem sendo amplamente discutida dentro dos movimentos sociais e pelas representações das vítimas. Um exemplo disso é o documentário Arpilleras (2017), que conta a história de mulheres atingidas por barragens que usavam uma técnica de bordado chilena para denunciar as violações que sofreram.
Sabendo da importância da união para melhorar a realidade dessas mulheres, Edisângela diz que continuará promovendo os encontros com as moradoras do Córrego do Feijão. O próximo marcará um mês da tragédia em Brumadinho, completado nesta segunda-feira (25/2): será um ato em memória de quem partiu e em celebração à vida dos que ficaram.