Mulheres se unem e criam rede que protegeu mais de 3.500 vítimas de violência doméstica em 2020
Grupo recebe um pedido de ajuda por hora e desenvolveu plataforma para conectar vítimas de violência a profissionais voluntárias
atualizado
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Nenhuma mulher deve sofrer sozinha: essa é a máxima do projeto Mapa do Acolhimento. A rede conecta quem passa por violência de gênero e não pode pagar por ajuda a psicólogas e advogadas dispostas a atender voluntariamente. Basta acessar o site e preencher a aba “quero ser acolhida”. A mulher informa dados como número de telefone e localização, especifica se deseja atendimento jurídico ou psicológico (ou ambos) e envia o formulário.
Um sistema conecta quem precisa de ajuda à profissional cadastrada mais próxima. É como a tecnologia adotada no aplicativo de encontros Tinder, mas nesse caso o “match” pode salvar uma vida. A plataforma foi automatizada pelo coletivo de mulheres que mantém o Mapa do Acolhimento em 2020. Até então, o cruzamento de informações era feito caso a caso. A construção da plataforma envolveu a designer de UX Talita e a programadora Viviane.
“Diante da pandemia do coronavírus, os índices de violência doméstica dispararam e consequentemente, o número de pedidos de ajuda aqui no nosso site aumentou. Estamos recebendo mais de 20 pedidos por dia – é quase uma mulher pedindo ajuda a cada hora”, explica a gestora do projeto, Larissa (as responsáveis não informam sobrenome para se proteger de ataques machistas).
Em 2020, 3.648 mulheres entraram em contato com o Mapa do Acolhimento. Dessas, 2.179 receberam o contato de voluntárias próximas. “Quando não encontramos uma profissional próxima, enviamos os dados dos serviços públicos de saúde como centros de referência e hospitais para realização de aborto legal”, pontua Larissa.
O objetivo da rede para 2021 é atingir o total de 10 mil voluntárias, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. “Para não deixar nenhuma mulher sofrer sozinha, precisamos urgente de 5.500 novas voluntárias nos 27 Estados do Brasil”. Para se cadastrar como voluntária basta acessar o site e clicar na aba “quero ser voluntária”. Após informar os dados, a profissional passa por um processo de triagem e capacitação.
Coronavírus
Diante do contexto atual da pandemia do coronavírus, mulheres estão potencialmente mais suscetíveis e expostas à violência doméstica por conta do isolamento, da dependência financeira, do aumento da convivência em casa, pela ausência de atividades diárias, distância da rede de apoio, controle maior do agressor, privação do ir e vir e ausência de serviços públicos disponíveis.
A iniciativa do Mapa vai de encontro à recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU), que apresentou diversas recomendações para prevenir o aumento da violência contra meninas e mulheres durante a pandemia.
A ONU afirma que é necessário intensificar o investimento em serviços on-line, implementar sistemas de alerta de emergência em farmácias e mercados, criar abrigos temporários para vítimas de violência de gênero e ampliar campanhas de conscientização pública.
“Somos um projeto complementar. É preciso estruturar os locais de abrigamento, centros de referência da saúde da mulher ou de assistência social, delegacias especializadas, defensoria pública e hospitais onde realiza-se aborto legal. Essa estrutura vem sendo sucateada e na pandemia piorou ainda mais”, relata Larissa.
O Mapa do Acolhimento também produziu uma cartilha para enfrentamento da violência doméstica durante a quarentena, que pode ser acessada aqui.
Justiça
Entre os casos mais frequentes de acolhimento jurídico, estão os de mulheres que, além de serem vítimas de violência física e psicológica dentro de casa, ainda precisam brigar na Justiça pela guarda dos filhos.
“Infelizmente muitas mulheres acabam tendo que entrar com divórcio litigioso nessas situações. As áreas criminais e de família são olhadas de maneira separada, sendo que, com filhos envolvidos, essas duas frentes deveriam andar juntas. Os agressores entram com pedidos de alienação parental, os juízes não entendem a situação como um todo”, explica Larissa.
A advogada destaca que a aplicabilidade da Lei Maria da Penha ainda não é completa no país. Quando os pedidos de ajuda vêm de cidades do interior, por exemplo, o desafio de acolher torna-se ainda maior.
“A mulher tem ainda mais medo, vergonha e culpa porque os agressores são pessoas influentes nas cidades. Como fazer uma rede de apoio? Quais são as formas de fortalecimento? Queremos atender cada vez mais esse público”, traz a profissional.
Início
O Mapa do Acolhimento faz parte de uma rede chamada Nossas e começou em 2016, após o estupro coletivo de uma jovem de 16 anos no Rio de Janeiro por 30 homens. “Ali começou-se a falar sobre cultura do estupro com destaque. As mulheres se uniram para pensar: é importante lutar por políticas públicas, mas a gente tem um problema grave de acesso ao acolhimento. Cadastramos mais de 3 mil voluntárias que ajudaram a mapear e a avaliar os serviços públicos nesse setor”, relata Larissa.
Em 2017, elas promoveram um financiamento coletivo e conseguiram profissionalizar as colaborações. No ano seguinte, o Mapa passou a oferecer ajuda a mulheres de todo o país e até o momento vive de doações, editais e financiamentos coletivos.
Segundo dados reunidos pelo coletivo, todos os dias 606 mulheres sofrem algum tipo de violência doméstica, 40% dos feminicídios acontecem dentro de casa e a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil.
Saiba como ajudar aqui.
O que é violência de gênero?
É a violência que acontece com as mulheres pelo simples fato de serem mulheres. Isso se configura como toda e qualquer conduta de discriminação, agressão ou coerção, que cause dano, constrangimento, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político, econômico, perda patrimonial e até a morte de uma mulher.