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Mulheres negras recebem 55% menos que homens brancos, diz pesquisa

Segundo a ONU Mulheres, nas taxas atuais, a sociedade levará mais 300 anos para atingir a igualdade de gênero

atualizado

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mulher negra trabalhando com tecnologia
1 de 1 mulher negra trabalhando com tecnologia - Foto: Getty Images

No Dia Internacional da Mulher, o Brasil registra mais uma marca negativa: mulheres negras com ensino superior recebem 55% menos que homens brancos com o mesmo grau de escolaridade. As informações fazem parte da pesquisa Mulheres no mercado de trabalho, feita pelo Instituto Locomotiva a pedido da consultoria iO Diversidade. Uma mulher negra recebe, em média, R$ 3.571, enquanto um homem branco tem vencimento médio de R$ 7,9 mil.

Essa diferença salarial é irrestrita ao gênero, uma vez que a raça também influencia na forma como as mulheres são remuneradas. Ainda segundo a pesquisa, uma mulher branca tem renda média de trabalho de R$ 5.097. Em todos os casos são considerados todos com o mesmo grau de escolaridade.

Nos últimos 20 anos, cerca de 5,4 milhões de brasileiras passaram a integrar o mercado de trabalho formal. Ainda no mesmo período, o percentual de lares chefiados por mulheres dobrou, totalizando 34 milhões.

Dados recentes do relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que globalmente mulheres recebem 20% menos do que homens.

Uma das sócias da Mais Diversidade e diretora de recursos humanos da consultoria, Amanda Aragão, afirma que ainda falta “bastante” para o Brasil alcançar a equidade salarial de gênero.

“Muitas empresas acreditam que ter uma política de remuneração, com faixas salariais definidas para cada nível e posição é suficiente. Mas somente isso não basta”, afirmou Amanda.

Para ela, se a empresa tomar como referência o salário atual a fim de fazer a proposta, ela poderá perpetuar esse ciclo de desigualdade. “Quando uma empresa contrata uma mulher, ela pode vir com um salário defasado”, disse.

Amanda enxerga a diferença salarial como algo que “faz parte de uma estrutura de desvalorização sistemática das mulheres”. De acordo com ela, o caminho para uma empresa implementar uma política de equidade salarial deve ser tratar o tema como uma “premissa básica”.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu, em 28 de fevereiro, uma lei de igualdade salarial entre homens e mulheres nas mesmas funções. Segundo o petista, a lei será apresentada no Dia Internacional da Mulher (8/3).

Debate e temática

O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, é marcado pelo debate das desigualdades entre gêneros e traz soluções de como a sociedade pode reverter esse cenário.

Conforme a Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres, nas taxas atuais, levará quase mais 300 anos para a sociedade atingir a igualdade de mulheres e meninas.

A temática do Dia Internacional das Mulheres de 2023, proposto pela ONU, é intitulada de DigitALL: Inovação e tecnologia para a igualdade de gênero. A proposta visa debater como o acesso à tecnologia e internet pode colocar as mulheres em pé de igualdade com os homens.

Nos últimos anos, o acesso à internet vem em uma crescente, e um número maior de mulheres têm acesso. Segundo estatísticas da União Internacional de Telecomunicações (ITU, sigla em inglês), atualmente 66% da população mundial está conectada, totalizando 5,3 bilhões de usuários.

O local de acesso, no qual mulheres e homens têm acesso “igual”, está concentrado em países com produto interno bruto (PIB) elevado. Na América do Sul, por exemplo, a disparidade é grande.

Ainda de acordo com dados da ITU, Argentina e Uruguai são os países onde a população feminina tem mais acesso à internet, com 87% e 84% respectivamente. Por outro lado, Bolívia e Venezuela têm apenas 64% e 51% de mulheres conectadas.

No ranking* da América do Sul organizado pelo Metrópoles, o Brasil fica em terceiro lugar quando se trata de conectividade feminina, com 81%.

Confira a lista:

  1. Argentina: 87% (dados de 2021)
  2. Uruguai: 84% (dados de 2019)
  3. Brasil: 81% (dados de 2021)
  4. Chile: 81% (dados de 2021)
  5. Paraguai: 78% (dados de 2021)
  6. Colômbia: 74% (dados de 2021)
  7. Equador: 70% (dados de 2022)
  8. Peru: 69% (dados de 2021)
  9. Bolívia: 64% (dados de 2021)
  10. Venezuela: 51% (dados de 2012)
  11. Guiana: 15% (dados de 2018)

*O levantamento da ITU não inclui dados do Suriname.
**Não é possível mensurar os dados da Guiana Francesa, uma vez que é um território ultramarino da França, não um país.

Entrar em contato com qualquer tipo de tecnologia é um processo desafiador para diversas mulheres. O banco feminino de profissionais no ramo da programação é irrisório, em comparação com a presença masculina.

No total, mulheres representam apenas 17% dos programadores, de acordo com a ONU Mulheres. Além disso, elas são 22% dos profissionais que trabalham em inteligência artificial.

Para a professora de Novos Negócios na Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), Viviane Moreira, a paridade de gênero garantida pela tecnologia pode ser eficaz quando mulheres, “sejam elas negras, indígenas, PCDs, trans, estiverem no processo de desenvolvimento de softwares”.

Viviane afirma que “o algoritmo é enviesado” porque os “programadores, em sua maioria, são homens brancos”. Segundo ela, é necessário alertar mais mulheres que a tecnologia deve ser tratada como um meio, não um fim.

“A tecnologia não deixou de ser uma ferramenta de apoio”, disse. Porém, Viviane ainda acredita que a “tecnologia possibilita a construção de mais paridade de gênero”. Ela pede que empresas de tecnologia contratem mais mulheres para ampliar os horizontes comerciais e de diversidade.

Ela deseja que futuramente o Dia Internacional da Mulher seja visto como uma pauta do “passado”. “Espero que a pauta, no futuro, apenas sirva como um lembrete de que no mês de março nós debatemos esse tema. Se acontecer, será um avanço como sociedade”, explica.

Da máquina de datilografar ao computador

Professora, Viviane - Metrópoles
Para Viviane, a “tecnologia possibilita a construção de mais paridade de gênero”

Cria da Zona Leste de São Paulo, no bairro de Vila Matilde, a história de Viviane não foge muito do roteiro destinado a mulheres pretas, na qual ter acesso à educação de qualidade e melhores oportunidades de vida é reduzida.

Ela acredita que seus pais foram “o ponto fora da curva”, uma vez que sempre priorizam sua educação desde muito nova. “Consegui estudar em uma escola particular durante o ensino fundamental graças a eles, que dormiram na fila atrás de uma vaga”, revela.

Viviane “entrou” no mercado de trabalho ainda muito jovem, aos 13 anos, quando conseguiu o primeiro emprego como panfleteira no farol.

Apesar das dificuldades, ela afirma que “contornou os rótulos feitos para ela”. Foi com as doses diárias de preconceito que ela teve sua “virada de chave” e decidiu escrever sua própria história.

A luta pelo tão sonhado certificado de datilografia para conseguir uma vaga de secretária quase não foi capaz de superar o diferencial do “diploma de maquinário eletrônico”, o computador.

Viviane confessa que nunca pensou em construir uma carreira, mas sim “sobreviver”. A realidade de muitas brasileiras que se preocupam em pagar as contas ao invés de seguir seus sonhos. “Aos poucos comecei a bater de frente. Meio que hackear o sistema, criava estratégias para sobreviver”, conta.

Ela revela que nunca foi promovida. “Minha ascensão aconteceu com minhas mudanças de empresa”, diz. Conforme pesquisa do Instituto Ethos, apenas 0,04% das mulheres ocupam cargos de lideranças no Brasil.

Dados do Instituo Locomotiva mostram que 43% das trabalhadoras já sofreram pessoalmente algum tipo de preconceito ou violência no trabalho, o equivalente a 16,3 milhões de mulheres.

Para evitar essas situações no ambiente corporativo, ela revela que nunca ficava sozinha em uma sala com um homem. Além disso, os ensinamentos da tia foram importantes durante a vivência profissional.

Segundo Viviane, sua “navalha do corporativo foi ficar um passo à frente” dos outros. Ela diz que “por muito tempo fui sombra, mas com muita dor”.

Ela também reclama de ter que continuar lutando para obter o reconhecimento de outras mulheres. “Me olharem como mulher, não como serviçal ou favor democrático”, disse.

“Mexeu com o coração da mãe, e ainda mais com o ego da executiva”

A CEO da CÔrtes e COmpanhia - Metrópoles
A CEO acredita que a tecnologia é uma “ferramenta poderosa de democratização e narrativas”

No mercado corporativo há 22 anos, Egnalda Côrtes se firmou com uma carreira executiva de sucesso. De atendente de call center a CEO da primeira agência de influenciadores negros da América Latina, a CÔrtes e COmpanhia.

Muito atrelada ao mundo das telecomunicações, ela construiu sua base com a ajuda de movimentos sociais. Diferentemente de Viviane, Egnalda conseguiu ser promovida.

Ela atribui grande parte da “escalonada” à base construída no movimento social. Segundo conta, com entregas e bons resultados, foi ganhando espaço de “respeito” para fazer provocações e desenvolver ações de diversidade e inclusão, que eram carentes na área.

Egnalda fundou a empresa em 2016, de forma “involuntária” quando precisou gerenciar o canal do filho. Ele contou à mãe que desejava “ganhar dinheiro e como influenciador não era possível”. Segundo ela, a declaração do filho “mexeu com o coração da mãe, e ainda mais com o ego da executiva”.

De acordo com Egnalda, ainda é “um grande desafio para empresários negros a possibilidade de inclusão de jovens negros no desenvolvimento de tecnologias”.

Para ela a tecnologia é uma “ferramenta poderosa de democratização e narrativas”. “Além disso, temos um mar gigantesco para atravessar devido às diferenças, que só serão estreitadas com investimento”, crítica.

“A situação me faz refletir a intencionalidade dessa equidade. O alcance das mulheres ainda é muito tímido”, afirma. “Mesmo fazendo muito, não conseguimos poder”. “Infelizmente as mulheres estão bem distantes de ocupar o poder”, desabafa.

Egnalda diz que existe uma distância entre as próprias mulheres, quando o tema é equidade de gênero. Ela afirma que a questão racial é “esquecida e ignorada”. Ela acredita que “existe um pacto” para não lembrar das mulheres não brancas.

Origem do Dia Internacional da Mulher

O ponto de partida foi em 1908, quando um grupo de 15 mil mulheres foi às ruas de Nova York para lutar por direitos trabalhistas melhores, entre eles salário, carga horária e até o direito ao voto.

Uma ativista, Clara Zetkin, discursou em Copenhague em uma reunião de mulheres, desde 1910 alguns países passaram a celebrar a data. No entanto, a Organização das Nações Unidas (ONU) apenas oficializou a data 64 anos depois da primeira celebração, em 1911.

Em 8 de março de 1917, um grupo de 90 mil operárias russas protestaram nas ruas do país clamando “pão e paz”. Após isso, a data foi estabelecida como Dia Internacional da Mulher, quando marcado no calendário gregoriano.

Inicialmente a data não seria fixa, mas após os acontecimentos revolucionários na Rússia, o 8 de março ficou marcado na história da paridade de gênero.

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