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Mulheres abusadas por Abdelmassih dão apoio às que acusam João de Deus

Após mais de 300 denúncias contra o médium, rede de proteção dessas sobreviventes vem à tona

atualizado

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abuso sexual
1 de 1 abuso sexual - Foto: IStock

Três meses foi o tempo que levou entre o abuso que Simone Zuccu sofreu do médico Omar Castro, condenado a 62 anos de prisão, e a decisão de denunciá-lo. A ida às autoridades só aconteceu depois que Simone viu na internet o comentário de outra vítima do médico, que se identificava como advogada e pedia para que as mulheres que tivessem passado pelo mesmo o denunciassem. Após o contato com Valeska Gerlach, Simone prestou depoimento na delegacia: São informações de O Globo.

“Eu não sabia o que fazer. Tinha visto muitas reportagens na internet e, em uma delas, li as palavras da Valeska. Mandei mensagem, contei minha história e ela me incentivou. Só entende a sua dor quem também passou por isso. Dá medo, porque você não sabe o que as pessoas vão falar, elas julgam muito os outros”, diz.

Na última semana, após a revelação das primeiras denúncias de abuso sexual contra João Teixeira de Faria, o João de Deus, mais de 300 mulheres foram às autoridades contra o médium. Especialistas explicam que o comportamento é comum, sobretudo em crimes sexuais nos quais as sobreviventes, muitas vezes, são estigmatizadas pela sociedade. Assim, quando as mulheres se reconhecem umas nas outras, sentem-se fortalecidas para romper o silêncio.

Não por acaso o grupo “Vítimas unidas”, criado por Vana Lopes, uma das mulheres que foram abusadas pelo médico Roger Abdelmassih, assumiu a linha de frente no apoio às mulheres que acusam João de Deus. Antes mesmo de os crimes atribuídos ao médium virem à tona, a organização, que atende diversos casos, já prestava assistência psicológica e jurídica a mulheres que procuravam ajuda para denunciar o médium.

“Mulheres em realidades e cidades diferentes descrevem a mesma situação. Pessoas que pesquisamos e temos certeza de que nunca se viram. É claro que as mulheres foram se calando, mas, à medida que o debate de assédio vem à baila, cria-se o fortalecimento para denúncia”, explica Maria do Carmo Santos, presidente do grupo.

Há 25 anos, Vana Lopes foi estuprada por Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão por violar 37 pacientes. Na luta contra o trauma, a estilista decidiu transformar o drama pessoal em uma causa e passou a apoiar vítimas de abusadores em todo país:

“A luta é difícil, é como subir uma montanha, mas a gente chega lá. Devagar, cansada, mas a recompensa é olhar lá de cima e ver um horizonte de justiça. Se não conseguimos uma justiça plena para nós mesmas, porque já sofremos a violência, conseguimos para outras, porque elas não serão violentadas”, ressalta.

Esse também foi o motivo que levou Valeska Gerlach a mostrar o rosto para denunciar Omar Castro. Após o primeiro abuso, a advogada procurou imediatamente a polícia e voltou para uma nova consulta com o médico para registrar o que acontecia.

Força ao relato
Valeska conseguiu as provas e começou a falar sobre o caso publicamente, mostrando sua identidade, na tentativa de levar o nutrólogo à cadeia e evitar que outras mulheres fossem vítimas. Ao longo da caminhada, a advogada esperava encontrar outras vítimas para dar mais força a seu relato.

“Eu falei que ia tentar encontrar provas contra ele, porque pensava que ninguém ia acreditar em uma mulher só. Ele era influente. A vítima acaba sofrendo não só o abuso, mas o escrutínio de toda sociedade”, afirma Valeska. “A posição de poder que esse médico tinha sobre nós era a mesma que João de Deus tinha sobre aquelas que o acusam. Tem muita gente que só percebe que foi abusada depois. O que peço é que não tenham medo. Uma voz sozinha pode não ser ouvida, mas, se todo mundo gritar junto, chega a dar eco”, complementa.

Os processos psicológicos pelos quais as vítimas de abuso sexual passam são complexos, de modo que a formação de uma rede de apoio é importante. Os relatos que vieram à tona nos últimos dias revelam reações semelhantes de muitas mulheres. No momento da violência, grande parte delas fala sobre uma sensação de congelamento. Depois, os sentimentos vão desde duvidar de si, relativizando a violência que sofreram, até o medo de tocar no assunto.

“Quando a pessoa toma conhecimento de que outras passaram pela mesma situação, isso desmistifica a sensação de culpa que vítimas de violência sexual costumam levar, elas percebem que não inventaram uma situação. Cria-se uma conexão de força de luta. O que era dor pode virar uma causa”, explica a psicóloga Elizabeth Carneiro.

As características do crime de violência sexual, que acontecem em geral sem que haja testemunhas e em ambientes privados, fazem com que haja um peso sobre a palavra da vítima. Esse fato, junto ao preconceito social, cria o cenário perfeito para que a mulher se sinta julgada.

 

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