Mulher de morto em ação da polícia no Jacarezinho: “Foram para matar”
Treze corpos dos 24 mortos na operação já passaram pela autópsia no Instituto Médico-Legal. Três deles tinham marcas de um tiro
atualizado
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Rio de Janeiro – Parentes e amigos dos 24 suspeitos mortos na comunidade do Jacarezinho estão revoltados com a violência da operação da Polícia Civil. Eles lotaram a porta do Instituto Médico-Legal (IML), no Rio de Janeiro, onde estão sendo identificados os mortos. Até o início da tarde desta sexta-feira (7/5), sete famílias tinham recebido a certidão de óbito.
“Eles foram para matar. Falei com meu marido no telefone ainda vivo. Ele estava com tiro na perna e depois apareceu morto com quatro. Nunca vi uma operação assim”, desabafou a mulher de Clayton da Silva Freitas Lima, de 26 anos (foto de destaque).
Treze corpos dos 24 mortos na operação, deflagrada na quinta (6/5), já passaram pela autópsia no Instituto Médico-Legal. Três deles tinham marcas de um tiro.
O primo de Isaac Pinheiro, 22, também morto na operação, contou que recebeu um vídeo do rapaz dentro de uma casa com dois tiros nas costas, mas vivo. “A polícia cercou o local, ele se rendeu, não estava armado, mas foi executado “, afirmou.
A mulher de Jonas do Carmo, 32 anos, também não entende o motivo da morte do marido. Ela contou que recebeu a foto do corpo de Jonas no celular, enviada por uma sobrinha. “Ele saiu para jogar o lixo fora, ir à padaria e resolver coisas da obra da casa. Foi atingido na perna. Testemunhas viram ele sendo executado”, disse a mulher.
De acordo com ela, Jonas era ajudante de pedreiro e de pizzaiolo. “Ele já teve envolvimento com o tráfico de drogas. Cumpria regime semiaberto. Mas, atualmente, não tinha ligação com o crime”, reforçou.
Um familiar de John Jefferson Mendes Rufino, 30 anos, também reclamou da violência policial: “Ele estava encurralado. Escolheu a vida errada. Pobre e favelado tem poucas oportunidades. Procuramos o corpo a noite inteira sem informações”.
Nesta manhã, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou uma lista extraoficial com a identificação de 15 dos 24 suspeitos mortos. Além deles, familiares reconheceram o corpo de Pedro Donato de Santana, Omar Pereira da Silva, 21; Natan Oliveira de Almeida, também de 21; e Pablo de Melo, 27.
Ao Metrópoles, a mãe de Pedro disse que o filho já havia se rendido quando foi morto: “Ele já tinha se rendido, estava dentro de uma casa, mas foi morto mesmo assim”. De acordo com o laudo do IML, o filho morreu de hemorragia interna, laceração no pulmão e lesão na artéria ilíaca, causadas por ação perfurocortante.
“O dia que ele veio ao mundo será enterrado. Como pobre, fiz tudo o que podia. Ele trabalhava na Fiocruz”, lamentou a mãe de Pablo de Melo.
Veja quem são as vítimas identificadas pela OAB:
Raíl Barreto de Araújo, 19 anos
Romulo Oliveira Lucio, 20 anos
Mauricio Ferreira da Silva, 27 anos
Jhonatan Araújo da Silva, 18 anos
John Jefferson Mendes Rufino da Silva, 30 anos
Wagner Luis de Magalhães Fagundes, 38 anos
Richard Gabriel da Silva Ferreira, 23 anos
Marcio da Silva, 43 anos
Francisco Fabio Dias Araújo Chaves, 25 anos
Toni da Conceição, 30 anos
Isaac Pinheiro de Oliveira, 22 anos
Cleiton da Silva de Freitas Lima, 27 anos
Marcio Manoel da Silva, 31 anos
Jorge Jonas do Carmo, 31 anos
Carlos Ivan Avelino da Costa Júnior, 32 anos
De acordo com laudo da Inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro, os 18 primeiros mortos identificados tinham antecedentes criminais. A ficha e as identificações de cada um serão apresentadas após exames de perícia e necropsia.
“Banho de sangue”
Patrícia Félix, uma das representantes da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), disse que a entidade vai cobrar perícia independente em relação às mortes de 24 pessoas durante a operação da Polícia Civil na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro.
“O que conseguimos ver foram relatos de moradores que estão abalados pela polícia ter entrado e matado as pessoas dentro das casas. Foi um banho de sangue“, afirmou.
Sobre elementos de execução, a comissão está recebendo vários materiais, como informações de parentes e vídeos. Dos 24 suspeitos mortos durante a operação, apenas três tinham mandados de prisão.
“A pobreza não pode ser criminalizada. Na zona sul isso não acontece. A família tem reclamado do tratamento pós-morte. Independentemente de ser bandido, não tem que ter pena de morte. As famílias falam que muitos deles se entregaram e foram assassinados. Uma operação com 25 mortos não é de sucesso”, disse Patrícia Félix.
A Polícia Civil informou que essas pessoas perderam a vida porque reagiram e tentaram matar integrantes das forças de segurança. Além dos suspeitos, o policial civil André Frias, de 48 anos, foi morto no Jacarezinho, totalizando 25 óbitos. Outras seis pessoas acabaram presas.
Também nesta sexta, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, investigação sobre a operação policial. Para o magistrado, há indícios de “execução arbitrária”.
Polícia explica ação
Em nota, a Polícia Civil informou que a ação, coordenada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), foi resultado de investigação contra a organização criminosa que atua na comunidade.
O grupo é investigado pelo aliciamento de crianças e adolescentes para integrar a facção que domina o território, explorando os menores para práticas ilícitas, como tráfico de drogas, roubo de cargas, assaltos a transeuntes, homicídios e sequestros de trens da Supervia, dentre outros crimes.
O confronto interrompeu a circulação dos transportes públicos na região, além de ter provocado o fechamento de escolas e de unidades de saúde, suspendendo, entre outros serviços, a vacinação contra a Covid-19.
Desde junho do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu operações em favelas durante a pandemia. A decisão permite ações apenas em “hipóteses absolutamente excepcionais”, após comunicação e justificativa ao Ministério Público.
A Polícia Civil disse ter agido legalmente, dentro dos protocolos estabelecidos pelo STF. A operação policial do Jacarezinho foi a mais letal da história do Rio de Janeiro.