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MST: Salles usa relatório para criminalizar movimentos de esquerda

O relator da CPI do MST responsabiliza o governo Lula por crimes no campo, que seriam praticados contra os produtores rurais

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1 de 1 Imagem colorida do Deputado federal Ricardo Salles, relator da CPi do MST 2 - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Prestes a chegar ao fim, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o Movimento Sem Terra (MST) recebeu o relatório final elaborado pelo deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) nessa quinta-feira (21/9). A previsão é que o texto, que pede o indiciamento de 11 pessoas, seja colocado em votação no dia 26 de setembro, próxima terça.

Mais do que uma peça técnica, porém, o relatório de Salles tem alto teor ideológico, de criminalização dos movimentos de esquerda. A CPI, logo no início, foi vista como uma manobra da oposição para atacar o MST e responsabilizar o governo Lula por crimes no campo. No entanto, em seu relatório, Salles foi além.

O texto tem entre os alvos o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a reforma agrária, ações governamentais como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), além de salientar que “diversos outros crimes graves são praticados contra os produtores rurais”.

Salles, que foi ministro do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro (PL), atira para todos os lados do espectro da esquerda “comunista” mundial: das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) a Cuba e da China até a Venezuela. “Há intensa doutrinação ideológica marxista [nos acampamentos do MST] sobre adultos e crianças”, aponta um dos trechos do relatório.

Confira as conclusões do relator:

  • O Incra é o maior latifundiário improdutivo do país;
  • o pretexto da reforma agrária sustenta a “indústria de invasões de terras” em todo o Brasil;
  • o MST e as demais siglas em nada se diferenciam, senão pelas divergências políticas;
  • a invasão de propriedade é apenas a ponta do iceberg;
  • diversos outros crimes graves são praticados contra os produtores rurais;
  • dentro das facções, os crimes mais graves recaem sobre os próprios integrantes;
  • lideranças e militantes abusam e prosperam à custa dos liderados;
  • há evidente trabalho escravo nos acampamentos e assentamentos;
  • facções aparelharam o MDA e o Incra;
  • práticas condenadas no passado estão voltando com força neste governo;
  • cooperativas e associações são usadas como fachada;
  • programas governamentais (Pronaf, PAA, Pronera etc) alimentam o sistema;
  • há estreita ligação com Farc, Cuba, China, Venezuela e outros;
  • na Bahia há o caso mais grave, pela conivência do governo local;
  • lideranças não querem que os assentados sejam titulados;
  • a titulação definitiva representa liberdade e emancipação dos integrantes;
  • a reforma agrária é anacrônica, cara e ineficiente;
  • há intensa doutrinação ideológica marxista sobre adultos e crianças; e
  • não há preocupação em ensinar crianças a produzir.

Ou seja: o relatório de Salles, de 88 páginas, classifica o MST como uma “organização criminosa, [com] desperdício de dinheiro e acobertamento estatal”. De acordo com o relator, medidas que eram aplicadas pelo governo Bolsonaro — como tolerância zero às invasões e redução de recursos públicos ao movimento — teriam sido deixadas de lado pelo presidente Lula.

“Tais medidas, entretanto, foram sendo desencorajadas, revogadas, suspensas e tendo seus efeitos anulados ou mitigados pela eleição de um governo que emite sinais contraditórios ao campo e às cidades. Em franca dissimulação, o governo ora diz condenar as invasões, fazendo-o a contragosto, ao que tudo indica, pois não poderia ignorar a indignação da maioria da sociedade que assiste estarrecida ao recrudescimento das invasões de terras no Brasil”, diz o bolsonarista Salles em trecho.

“Os produtores e profissionais do setor agropecuário voltaram a viver sob risco permanente de ocorrência de esbulho/invasão, furto, roubo, sequestro, apropriação indébita, estelionato, ameaças e extorsões, bem como da depredação de patrimônio, desde que o atual governo assumiu, restabelecendo seu apoio, ainda que dissimulado, às inúmeras ações criminosas praticadas pelas diversas facções sem-terra em todo o país.”.

Em outro trechos, o relator também cita uma visita feita às invasões e a descoberta de comidas. Salles considera “falacioso” o “discurso de alimentação saudável”: “Por outro lado, além da inexistência de produção agrícola, a CPI também constatou muitas embalagens descartadas de cerveja e outras bebidas alcoólicas no local, ao mesmo tempo em que diversos bares improvisados e até uma lanchonete, com hamburgueres, refrigerantes, salgadinhos industrializados e demais comidas processadas, demonstravam a falácia do discurso de alimentação saudável e orgânica nas invasões e assentamentos sem-terra”.

Indiciamentos

O documento de Salles excluiu o pedido anterior de indiciamento do deputado federal Valmir Assunção (PT-BA), mas mantém nomes como o ex-ministro do Gabinete Institucional de Segurança (GSI) Gonçalves Dias, do líder da Frente Nacional de Luta (FNL), José Rainha, e do diretor-superintendente do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iterra-AL), Jaime Messias Silva.

A retirada de Assunção do relatório foi objeto de acordo entre governistas e oposição. No parecer preliminar, o deputado baiano seria apontado como “mandante e principal beneficiário de todas as ações criminosas praticadas pelo MST naquele extremo sul da Bahia”. Em contrapartida à retirada do pedido de indiciamento do petista, Salles recebeu a garantia de que terá seu texto aprovado em votação que acontecerá na próxima terça-feira (26/9).

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Deputados Ricardo Salles e Zucco, da CPI do MST
Sâmia Bomfim conseguiu aprovação de relatório favorável à PEC na CCJ da Câmara em 2023
Deputado federal Ricardo Salles, relator do CPI do MST
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Sâmia Bomfim conseguiu aprovação de relatório favorável à PEC na CCJ da Câmara em 2023

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Deputado federal Zucco, presidente da CPI do MST

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Deputada federal Samia Bomfim (PSOL-SP)

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O deputado bolsonarista Messias Donato (Republicanos-ES), em provocação ao General G Dias, comem melancia no plenário CPI MST

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Kim Kataguiri (União Brasil-SP), 1° vice-presidente da CPI, faz uso da palavra

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Deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), relator da CPI do MST

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Deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), relator da CPI do MST

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Deputada federal Caroline de Toni (PL-SC)

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Ronaldo Caiado

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Parlamentares vistoriaram fazenda que foi ocupada por sem-terra

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Sob a presidência do deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) e relatoria de Ricardo Salles (PL-SP), a comissão também é motivo de preocupação do governo

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Deputados que integram a CPI do MST na Câmara

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CPI do MST

Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Ao todo, 11 pessoas foram indiciadas no relatório de Ricardo Salles. São elas:

  • General Gonçalves Dias, ex-ministro do GSI;
  • José Rainha, líder da FNL;
  • Paulo Cesar Souza, integrante do MST;
  • Diego Dutra Borges, integrante do MST;
  • Juliana Lopes, integrante do MST;
  • Cirlene Barros, integrante do MST;
  • Welton Souza Pires, integrante do MST;
  • Debora Nunes, integrante do MST;
  • Lucinéia Durans, assessora parlamentar;
  • Oronildo Lores Costa, assessor parlamentar; e
  • Jaime Silva, diretor presidente do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral).

Terra sem lei

A respeito da Bahia, o relator também teceu críticas ao ministro da Casa Civil Rui Costa, ex-governador do estado.

“Dados públicos dão conta de que houve mais mortes – 1.464 pessoas – em confronto da PM da Bahia, no ano de 2022, [estado] com 15 milhões de habitantes, do que todo os Estados Unidos da América, com 330 milhões de habitantes, com 1.200 pessoas mortas pela totalidade de suas polícias em todo o país, também no ano de 2022. Ou seja, as ações enérgicas da Polícia Militar da Bahia resultaram, proporcionalmente, em 54 vezes mais mortes do que todas as polícias americanas”, escreve.

“Ocorre que, mesmo com tal rigidez e combatividade daquela instituição, não tem havido efetividade no controle, prevenção e reversão das invasões de propriedade, furtos, apropriações, extorsões e de diversos crimes praticados, impunemente, no sul da Bahia. Aquela região do estado, conforme constatado e documentado pela posterior diligência dessa CPI, tornou-se ‘terra sem lei’”.

A relação entre o ministro Rui Costa e o Movimento Sem Terra é marcada por atritos, por isso foi explorada ao longo da comissão dominada pela oposição. Em 2016, houve um protesto contra Costa, então governador do estado, e membros do MST invadiram a sede do governo baiano. O grupo reivindicava as promessas que não estariam sendo cumpridas. Já neste ano, em maio, o movimento denunciou que o ministro vetou a participação dos membros em evento com Lula em Salvador.

Relatório desqualificado

“Não houve nenhuma surpresa: é um relatório mal escrito, sem provas robustas”, atacou a deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP), citada por Salles pelo apoio recebido dos sem-terra. “Esse relatório será derrotado porque parte expressiva dos parlamentares não topará colocar sua digital em algo tão desqualificado”, acredita a parlamentar, que protoagonizou inúmeros embates com Salles, a quem chamou de “réulator”, no decorrer da CPI.

Já Valmir Assunção disse que o texto de Salles foi feito para atacar o governo da Bahia, os movimentos sociais e suas lideranças. “Tal relatório não representa nem o agronegócio, nem a agricultura familiar. Atende apenas a um setor minoritário, extremista, derrotado nas eleições que quer criminalizar a luta pela terra e a reforma agrária enquanto política pública”, criticou o deputado baiano em nota.

Texto paralelo

Com um pedido de vista que jogou a votação para a próxima terça, a base do governo espera conseguir rejeitar o relatório escrito por Salles. A deputada Sâmia Bomfim montou um relatório paralelo, assinado por outros nomes governistas como Talíria Petrone (PSol-RJ), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Gervásio Maia (PSB-PB) e Daiana Santos (PCdoB-RS).

O documento afirma que a comissão foi instaurada “sem um objeto determinado, com o único objetivo de criminalizar os movimentos sociais que atuam no campo brasileiro” e que “não se encontrou qualquer evidência de crime por parte destes movimentos”.

O relatório define o MST como legítimo, sem evidência de desvios de recursos entre a União, estados, municípios e organizações ou entidades de reforma e desenvolvimento agrários.

“É patente a insuficiência das dotações orçamentárias e a falta de pessoal e instrumentos em quantidade suficiente para implementar as diversas ações previstas no Programa Nacional de Reforma Agrária, em decorrência do desmonte a que foi submetido o Incra a partir de 2017”, argumenta o texto apresentado por governistas.

Os parlamentares recomendam que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) aprimorem os métodos de auditoria para acompanhar e avaliar o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA).

Há ainda uma série de indicações ao governo federal, sem indiciamentos, como a recomposição do orçamento e pessoal do Incra, a revisão do modelo atual de titulação das áreas de assentamento e a regularização de lotes ocupados em áreas de assentamento, entre outras.

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