MST e Pastoral da Terra: decreto de armas criminaliza ações no campo
Para líderes dos movimentos, medida do governo acirra a violência dos ruralistas contra comunidades que defendem o direito à terra
atualizado
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O decreto que flexibiliza a posse de armas no Brasil, assinado nessa terça-feira (15/1) pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), é visto com bastante preocupação por movimentos ligados ao campo e ao trabalhador rural. Instituições como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) não têm dúvida: o documento não só criminaliza suas atividades como acirra ainda mais a violência dos ruralistas contra as comunidades que defendem seus direitos à terra.
O decreto chancelado pelo presidente coloca os residentes em área rural entre as categorias que têm a “efetiva necessidade”, ou seja, a prerrogativa, de possuir armas – de acordo com o texto, quatro armas ou até mais, dado o grau de necessidade.
Por outro lado, o mesmo documento ressalta que manter “vínculo com grupos criminosos” constitui razão para o indeferimento do pedido ou para o cancelamento do registro de armamentos. O próprio Bolsonaro, quando em campanha, já havia atacado movimentos como o MST.
“Queremos colocar um ponto final nas escolinhas do MST. A bandeira que eles hasteiam não é a verde e amarela, é a vermelha com uma foice e um martelo. Lá, eles não aprendem o Hino Nacional, eles aprendem a Internacional Socialista. Eles estão formando uma fábrica de guerrilheiros no Brasil”, afirmou o então candidato, em entrevista à TV Aparecida.
“Isso demonstra uma total ignorância em relação a essas escolas”, observa Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, que explica: as cerca de 2 mil escolas do campo são municipais, gratuitas, regulares e asseguradas pela Constituição. “Não nos preocupamos com esse tipo de falácia, mas sim com o incentivo à violência”, destaca.
Ele vê com bastante preocupação o decreto. Para o ativista, a flexibilização da posse de armas serve apenas à intenção do governo de “pagar a fatura dos patrões que financiaram sua campanha, como a [forjaria] Taurus”.
Acabar com o problema da fome
“Há muito Bolsonaro criminaliza os movimentos sociais, como o MST e as comunidades quilombolas e indígenas”, ressalta Conceição. “Com o decreto, ele continua a incentivar a violência no campo. Violência que só atinge os mais pobres. Não morre latifundiário, só morre trabalhador do campo. O que nós queremos é uma reforma agrária ampla, para produzirmos alimento barato e saudável para acabar com o problema da fome”, destaca.
Um dos coordenadores da Comissão Pastoral da Terra, Paulo César Moreira, faz coro ao líder do MST: “Para as populações do campo, a situação é grave, porque os principais problemas agrários, os que geram mais conflitos e mortes, são chagas abertas”.
De acordo com a avaliação de Moreira, o decreto da flexibilização da posse de armas legaliza a posição de que cidadãs e cidadãos são os principais responsáveis pela própria segurança. “Esta é a proposta e a solução para o nosso problema da segurança pública? É um grande equívoco e retrocesso num país que se quer democrático”, lamenta.
Moreira ainda ressalta que a nova legislação desconsidera todos os estudos e dados sobre a segurança da população – “as avaliações importantes e positivas de diminuição de homicídios” – a partir do período quando passou a vigorar o Estatuto do Desarmamento.
Farra da indústria das armas
“Isso retira do Estado a responsabilidade da segurança e a entrega à população, com uma carga de violência e homicídios entre as mais altas do mundo, de acordo com a ONU [Organização das Nações Unidas]. Será a farra da indústria das armas”, diz o coordenador da CPT.
Para Alexandre Conceição, a medida tomada pelo presidente Bolsonaro é mais um passo para “privatizar” o território nacional. Ele afirma que a flexibilização da posse é uma “liberação tácita para que latifundiários raivosos ataquem famílias de assentados e de sem-terra”.
“Quem financiou a campanha de Bolsonaro está de olho nos 15% do território brasileiro que pertencem aos indígenas e quilombolas, e nos 10% da colonização agrária que estão sob controle do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. As reservas legais têm que ser preservadas ou será a devastação de nosso território”, reage Conceição.
Paulo César Moreira junta suas preocupações às de Conceição ao relembrar que centenas de comunidades e povos esperam pelo direito de acesso à terra via reforma agrária. “O aumento da concentração de terra, da grilagem, do latifúndio e da especulação fundiária tem gerado cada vez mais mortes no campo”, ele calcula.
Impunidade estrutural
“Ao mesmo tempo, a impunidade é estrutural: dos 1.438 casos de conflitos no campo em que ocorreram assassinatos, de 1985 até 2017, envolvendo 1.904 vítimas, apenas 113 foram julgados, o que corresponde a 8% dos casos”, enumera o representante da pastoral, ligada à Igreja Católica.
“Com todo este histórico de violência e impunidade no campo, o que se deve esperar novamente para as populações vulneráveis e mais pobres do campo, com a facilitação para se obter armas?”, questiona Moreira.
Porte de armas no campo
Em relação ao porte de arma em áreas rurais, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, já afirmou que pedirá ao futuro presidente do Senado para pautar projetos já tramitando na Casa capazes de resolver esta questão.
A assessoria de Onyx Lorenzoni informou nessa terça (15/1) que a medida provisória (MP) do recadastramento de armas de fogo será editada até o final deste mês. Havia uma previsão de o texto ser editado no mesmo momento do decreto da posse, mas ficou para um segundo momento.
A medida provisória deve definir um prazo delimitado para os cidadãos que tiverem armas de fogo com cadastro vencido poderem recadastrá-las, desde que não tenham sido usadas para cometer crimes.
Procurada pela reportagem do Metrópoles para comentar as críticas do MST e da CPT, a assessoria do ministro não se manifestou até a publicação desta matéria. O espaço está aberto para manifestações.