MPF quer barrar brancos que se declararam negros em concurso do Itamaraty
Além do impedimento da posse, a medida pede que a Justiça obrigue o Itamaraty a tomar providências para garantir a regularidade das nomeações
atualizado
Compartilhar notícia
Cinco candidatos aprovados na terceira e última fase do concurso para a carreira de diplomata do Itamaraty são alvo de ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF) para que não tomem posse. Os concorrentes brancos são suspeitos de se autodeclararem negros para, via cotas raciais, avançar mais facilmente na seleção.
O MPF apresentou a ação à Justiça nesta segunda-feira (7/12), após constatar que os candidatos não apresentam “cor de pele escura, própria de pretos ou pardos, e nem mesmo traços faciais/cabelos característicos de pessoas negras”. A análise foi feita a partir de fotografias obtidas diretamente de bancos de dados oficiais e também de redes sociais, por meio dos e-mails fornecidos pelos próprios concorrentes no momento da inscrição.
Além do impedimento da posse, a medida pede que a Justiça obrigue o Itamaraty a tomar providências para garantir a regularidade das nomeações. Os cinco candidatos se inscreveram como negros e pardos para tentar ocupar as seis vagas destinadas a cotistas, de um total de 30.Na ampla concorrência, a seleção é duas vezes mais competitiva. Esta é a primeira vez em que a política de cotas é adotada em todas as fases do concurso, devido à lei – sancionada em 2014 – que prevê 20% das vagas federais a candidatos autodeclarados negros ou pardos. A ação resulta de um inquérito civil instaurado em agosto, depois que o MPF foi informado, por meio de duas representações, de que existia participação fraudulenta de brancos no sistema de cotas.
Os procuradores Ana Carolina Alves Araújo Roman, Felipe Fritz Braga e Luciana Loureiro Oliveira, que assinam o documento, tentaram resolver a situação extrajudicialmente, recomendando ao Itamaraty, ainda na primeira fase do certame, que fosse instituído um comitê de verificação das autodeclarações – algo que não estava previsto em edital.
“No entanto, o órgão alegou ser impossível realizar a avaliação das declarações e prosseguiu com as etapas do concurso”, informou o MPF, que decidiu, então, apresentar a ação à Justiça. “A conduta omissiva do Itamaraty representa grave risco aos direitos dos candidatos negros que serão excluídos com a homologação do concurso”, justificam os procuradores. Procurado, o Ministério das Relações Exteriores ainda não se manifestou.
Urgência
Conforme comunicado divulgado sexta-feira, 4, pela organização do concurso, a lista final de aprovados deve ser divulgada ainda nesta segunda – é quando começa a correr o prazo de validade do concurso, apenas de 30 dias. O MPF pede que a ação seja analisada com urgência, tendo em vista que o certame expira “em pouco tempo” e que a convocação dos aprovados é feita tão logo o resultado final é publicado.
“A demora pode excluir de forma permanente e irreversível os candidatos negros preteridos pela nomeação (…), ceifando de modo definitivo o direito desses ao ingresso legítimo na carreira de diplomata”, dizem os procuradores. Para eles, as características físicas dos suspeitos de fraudar o sistema torna improvável que, “considerado o comportamento habitual da sociedade brasileira”, sejam “alvos de preconceito e discriminação raciais em razão da cor da pele que ostentam”.
O comitê de verificação dos traços fisionômicos foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, quando um julgamento ratificou juridicamente a política de cotas na Universidade de Brasília (UnB) e determinou que, em caso de declaração falsa, o candidato deve ser desclassificado.
Para o MPF, caso não sejam tomadas providências em relação ao concurso, haverá um “duplo descumprimento”, tanto pelos candidatos quanto pelo Estado, dos “objetivos fundamentais previstos na Constituição, como o de construção de uma sociedade solidária; de redução das desigualdades sociais e de promoção do bem de todos sem preconceito de raças”.