MPF em Goiás divulga nota em apoio a tratamento precoce e cloroquina
Estudo tem apoio do procurador bolsonarista Ailton Benedito, figura bastante conhecida entre simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro
atualizado
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Goiânia – O Ministério Público Federal em Goiás (MPFGO) divulgou nota técnica em que apoia o uso de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina no tratamento precoce contra Covid-19, apesar de não haver comprovação científica sobre a eficácia dessa terapia e do uso dessas drogas no tratamento de pacientes com a doença.
O documento, publicado nessa terça-feira (2/3), tem 117 páginas e leva o título As evidências científicas acerca do atendimento integral das pessoas acometidas com a Covid-19: o estado da arte atual, com ênfase no tratamento na fase inicial (replicação viral) da doença.
O estudo foi solicitado pelo procurador da República Ailton Benedito, ex-secretário de Direitos Humanos e Defesa Coletiva do MPF. Ele é defensor fervoroso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e conhecido pelo seu perfil ultraconservador.
Encaminhado a diversos órgãos e instituições que têm alguma responsabilidade no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, o documento é assinado pelo médicos infectologistas Ricardo Ariel Zimerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves; pela biomédica Rute Alves Pereira e Costa; e pelo psicólogo Bruno Campello de Souza.
Redução da carga viral
De acordo com o documento, haveria evidências científicas que possibilitam a indicação de terapia farmacológica segura e eficaz para a Covid-19, com vistas à rápida redução da carga viral e dos marcadores inflamatórios, o que é, segundo a nota, o principal objetivo do tratamento inicial. Segundo a nota, essas medidas reduzem a duração de sintomas, dias de internação e mortalidade.
“A cloroquina e a hidroxicloroquina, usadas para tratar a malária e algumas doenças autoimunes, inibem potentemente a infecção viral do coronavírus SARS (SARS-CoV-1) e SARS-CoV-2 em estudos de cultura de células”, diz um trecho.
A nota continua: “No entanto, os ensaios clínicos em humanos de hidroxicloroquina ainda tem dificuldade em estabelecer em definitivo sua utilidade como tratamento para Covid-19, porém, já existem diversos estudos mostrando evidência de benefício em diversos graus, o que não significa comprovação de eficácia, porém, está muito longe de significar ausência de evidência científica”.
Segundo o procurador, a necessidade de atualização e adequação das medidas de enfrentamento à doença é primordial. Ele disse que medidas farmacológicas e não farmacológicas no tratamento devem passar por processos sistemáticos de revisão e atualização para que se adaptem à própria evolução da pandemia.
Benedito afirmou que não existe conflito entre tratamento inicial, intermediário ou retardatário. O ideal, conforme acrescentou, é que o paciente receba dos serviços de saúde, públicos ou privados, em qualquer estágio da doença, o tratamento adequado de acordo com o “estado atual da arte”, isto é, conforme o conhecimento médico-científico sobre o vírus, as doenças que ele causa e as possibilidades terapêuticas.
A nota técnica traz, inclusive, estudos feitos no Brasil e no mundo sobre a dinâmica de protocolos de tratamento inicial da doença por meio de recursos farmacológicos já conhecidos pela sua eficácia no tratamento de outras enfermidades e que podem contribuir, se usados adequadamente, no combate aos sintomas iniciais da Covid-19.
De acordo com o documento, “aplicação de políticas de ‘tratamento inicial’ em larga escala já foi realizada em outros países do mundo” e que “há diversos protocolos de sucesso na temática do tratamento inicial no Brasil e no âmbito internacional”.
Sem comprovação científica
No entanto, não há comprovação científica sobre a eficácia do chamado tratamento precoce contra a Covid-19, assim como do uso dos medicamentos sugeridos na nota para o combate à doença. A eficácia de um tratamento é comprovada com estudos científicos que usam metodologia rigorosa.
Dessa forma, de acordo com os cientistas, são necessárias duas características principais: randomização (escolha aleatória dos pacientes) e ser duplo-cego (nem os médicos nem os pacientes podem saber quem está recebendo o remédio ou o placebo).
Além disso, os resultados devem ser publicados em revista científica, após revisão e análise dos dados por profissionais especialista no assunto. As pesquisas que seguiram essas regras não mostraram benefício na aplicação de tratamento precoce para pacientes infectados pelo coronavírus.
Estudo global da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em outubro, concluiu que os resultados do uso de hidroxicloroquina e três antivirais no tratamento contra a Covid-19 “pareceram ter pouco ou nenhum efeito no [paciente com] Covid-19 hospitalizado”.