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Paracatu: traumatizados por ataque, moradores temem rompimento de barragem

O Metrópoles visitou os dois bairros mais afetados pela mineração: Santo Eduardo e Alto da Colina. Habitantes são receosos ao fazer críticas

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André Borges/Esp. Metrópoles
Paracatu Barragem vista
1 de 1 Paracatu Barragem vista - Foto: André Borges/Esp. Metrópoles

Enviado especial a Paracatu (MG) – A casa estremece. O lustre no teto balança e o barulho é ensurdecedor. Estamos no bairro Santo Eduardo, em Paracatu, município mineiro distante 234 km de Brasília. Esse é um dos locais urbanizados mais próximos da barragem de rejeitos da Kinross – empresa canadense que explora o minério de ouro na região.

A maior mina de extração do metal a céu aberto no Brasil fica a menos de 1 km das casas. A convivência não é harmônica. Os moradores temem ser vítimas de desastres como os que aconteceram em Mariana e Brumadinho, cidades onde estruturas do tipo se romperam e deixaram um rastro de morte e devastação social, econômica e ambiental.

A cidade mineira de pouco mais de 92 mil habitantes foi abatida esta semana por um crime brutal: o empresário Rudson Aragão Guimarães, 39 anos, matou a ex-namorada com um golpe de canivete no pescoço e abriu fogo contra fiéis de uma igreja evangélica. Paracatu centralizou as manchetes policiais e se tornou destino de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas.

Apesar do choque provocado pelo crime, os moradores, sempre que conversavam com a imprensa, traziam o assunto “mineradora”. “E a barragem, vocês [jornalistas] estão sabendo de alguma coisa?” O questionamento se repetia um sem-número de vezes.

Os traumas de Mariana e Brumadinho deixaram o clima ainda mais tensionado em Paracatu, após o risco de parte da estrutura da Mina de Gongo Soco, em Barão de Cocais (MG), romper. Essa barragem ganhou a atenção de ambientalistas e governo depois de a situação se agravar rapidamente, nos últimos meses.

O Metrópoles visitou os dois bairros mais afetados pela mineração: Santo Eduardo e Alto da Colina. Apesar do medo, os moradores são receosos ao fazer críticas abertas ao funcionamento da barragem. Direta ou indiretamente, eles dependem da existência da estrutura às margens da BR-040, pelo volume de empregos gerados na região.

A dona de casa Maria Aparecida José de Oliveira, 45 anos, abriu as portas de sua residência para mostrar os efeitos da mineradora. O sobrado recém-reformado já apresenta rachaduras, trincas e “problemas por causa do balanço das bombas”. Na última quinta-feira (23/05/2019), quando a reportagem esteve no local, a família tinha em mãos o mais recente prejuízo: parte de um lustre da cozinha desabou.

“A gente não sabe mais o que fazer. A casa, por mais que a gente ajeite tudo, sempre tem algo a ser feito. Se a mineradora sair daqui, ficamos sem uma força importante para a geração de empregos. Se a barragem rompe, corremos o risco de morrer. É uma situação angustiante”, descreve Maria Aparecida, moradora daquela casa há três anos.

André Borges/Esp.Metrópoles

 

Explosões diárias de bombas
Para a técnica em enfermagem Joice Oliveira da Silva, 26, o ponto mais difícil da convivência são os estrondos das bombas. Diariamente, entre 15h30 e 16h30, a Kinross estoura explosivos para desmoronar rochas. “O barulho é muito alto, tudo treme”, conta Joice.

No início do ano, Joice percebeu como as explosões afetam a rotina. “Eu recebi alguns parentes aqui. Tive que sair para trabalhar e um deles me ligou desesperado, dizendo que a casa iria cair. Fiquei muito nervosa na hora. Mas, quando ele falou do ‘barulho de bomba’, eu me lembrei do que se tratava e avisei que era ‘normal’”, lembra.

Paracatu tem duas barragens de rejeitos, sendo a primeira de Santo Antônio, construída em 1987, com capacidade máxima de 483 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Atualmente, a estrutura acumula 399 milhões de metros cúbicos e está desativada. A segunda é a Eustáquio, que está em funcionamento. A estrutura tem capacidade para 750 milhões de metros cúbicos de rejeitos. A barragem tem hoje, acumulados, 148 milhões de metros cúbicos de rejeitos.

As estruturas são construídas pelo método “a jusante”, mais caro, mas considerado mais seguro. Já o “linha de centro” é um sistema intermediário em termos de custo. Um dreno acompanha o alteamento da construção. Ambas as formas usam solo compactado.

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As barragens são alvo de duas investigações. Em fevereiro deste ano, o Ministério Público de Minas Gerais instaurou um procedimento para investigar a estabilidade e a segurança do complexo de barragens de rejeitos em Paracatu. Antes, em 2015, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu abrir inquérito civil público para apurar a situação das estruturas.

Lama mais danosa que as de Mariana e de Brumadinho
O temor de um rompimento é que a extração do ouro utiliza metais pesados, como arsênio, que é cancerígeno. O material é descartado com os demais rejeitos. Com isso, a lama de Paracatu é mais tóxica que as de Mariana e de Brumadinho.

Esse é o medo da camareira Lívia Martins, 32. Ela é mãe de duas crianças e teme que um rompimento afete sua família, no bairro Alto da Colina. “Não tem como não pensar num desastre. Fico com medo de morrer. Dizer que é bom morar aqui, não é. Mas temos que nos adequar à nossa realidade”, reclama.

Ela cobra mais fiscalização no local. “O pessoal da mineradora fala que não há nada de errado, que, caso ocorra qualquer problema, seremos avisados – mas sabemos que não é assim. Teve lá as outras duas [Mariana e Brumadinho] com o mesmo papo”, encerra.

Nem mesmo quem trabalha na mineradora confia no que é feito para a segurança. “Eles falam que é seguro, que não tem risco, que engenheiros acompanham a barragem diariamente. Mostram vídeos, falam que têm sistema de alerta, mas a gente nunca confia 100%. Também não tem como questionar muito, não se pode pôr o emprego em risco”, conta um funcionário terceirizado da mineradora.

André Borges/Esp.Metrópoles

 

Outro lado
O Metrópoles entrou em contato com a Kinross, mas, até a última atualização desta reportagem, a empresa não havia respondido. O espaço continua aberto a manifestações. Em seu site, a companhia diz que “mantém as rodas de diálogo, com lideranças comunitárias e moradores das comunidades, e promove palestras nas escolas e faculdades locais sobre a operação, meio ambiente e diferentes temas”.

“Para completar, a empresa desenvolve o programa de visitas, Por Dentro da Kinross, que abre as portas para grupos comunitários, escolas e universitários, que têm a oportunidade de conhecer melhor a operação e esclarecer dúvidas”, destaca. A empresa defende que, caso haja um rompimento, o rejeito não atingirá a cidade, porque as barragens estão na direção oposta da área urbana.

A reportagem entrou em contato com a Agência Nacional de Mineração (ANM), responsável pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), e com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Paracatu, mas nenhum dos órgãos comentou o caso. O espaço permanece aberto a manifestações.

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