Moradores de Paquetá criticam Paes por sugerir micareta após vacinação
“É preciso respeitar tempo de maturação da pesquisa. Ele [o prefeito] está colocando o carro na frente dos bois”, diz diretor de associação
atualizado
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Rio de Janeiro – A Ilha de Paquetá, que fica no meio da Baía de Guanabara, prepara-se para um evento histórico. Nesta quinta-feira (17/6), começa o experimento de vacinação em massa que pretende imunizar contra a Covid-19, no mesmo dia, todos os moradores insulanos em idade adulta (acima dos 18 anos) para acompanhamento epidemiológico.
O anúncio do evento, no entanto, resultou em críticas de moradores por causa de uma sugestão do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD): organizar um carnaval fora de época para comemorar a imunização na ilha. A data da festa, segundo o político, seria em setembro, antes da aplicação da segunda dose do imunizante nos participantes do estudo.
“Falar em carnaval fora de época é duplamente fora de época, ainda mais na fase em que estamos da pesquisa. É uma bobagem isso. É preciso passar as etapas de coleta, de vacinação e da segunda dose. Depois do prazo de segunda dose, podemos discutir evento-teste. É preciso respeitar o tempo de maturação da pesquisa. Ele [o prefeito Eduardo Paes] está colocando o carro na frente dos bois”, avalia o diretor-geral da Morena, associação de moradores de Paquetá, Guto Pires.
A ação de vacinação em massa faz parte do projeto PaqueTá vacinada, promovido pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), com apoio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e que permitirá o monitoramento epidemiológico por um período a ser estabelecido.
“Estamos em contato com o pesquisador da Fiocruz que desenhou o experimento e com o representante da fundação no comitê científico. A surpresa não é ter um evento-teste, mas isso não pode ser algo para agora, e sim para alguns meses”, completa Guto.
Exemplo de Serrana
O experimento de imunização em massa será semelhante ao realizado em Serrana, no interior de São Paulo. Lá, foi possível constatar que, após atingir o percentual de 75% da população vacinada, o município, de 45 mil habitantes, apresentou uma redução significativa na identificação de novos casos de Covid-19 e no número de óbitos relacionados à doença.
“A expectativa é de uma curva de contágio despencando, como em Serrana, que teve queda de mortes de 97% e de internação de 86%, e aí, num cenário desses, podemos programar o evento, tal como, só agora, respeitados esses prazos, querem fazer por lá [em Serrana]”, explica o líder comunitário, que sugere ainda um evento-teste menos atrativo que o Carnaval, uma vez que, ele diz, a ilha não tem infraestrutura adequada para receber tantas pessoas.
“Estamos vivendo uma situação de meio milhão de mortos. O momento não é de celebração e nem de festividades. E, em Paquetá, Carnaval significa a vinda de duas ou três vezes a população da ilha. Num Carnaval normal [fora da pandemia], vêm pelo menos 10 mil pessoas pra cá. Há inúmeras possibilidades de evento-teste. Em Serrana estão pensando num show musical, ao ar livre. Uma exibição de filme, quem sabe?”, sugere Guto.
Procurada pelo Metrópoles, a Prefeitura do Rio não respondeu sobre a reação dos moradores da ilha após o anúncio do Carnaval fora de época feito pelo prefeito Eduardo Paes.
Charrete elétrica
A possibilidade de uma terceira onda de casos, aliada a uma micareta na ilha, assustou tanto os moradores que, nessa segunda-feira (14/6), foi necessária uma reunião virtual entre os habitantes e a Morena (houve 220 pessoas participando quando, em geral, apenas 50 participam desde o início da pandemia).
“Colocamos uma charrete elétrica para informar a todos sobre os planos e as próximas etapas. E isso é a pauta da hora: motivar os moradores. A antecipação do evento, decisão tomada como um trator passando na minha cabeça, só faz atrapalhar”, disse o diretor.
Segundo ele, além da coleta de sangue dos participantes do estudo, que foi antecipada e começa nesta quinta, haverá a testagem de crianças na sexta-feira (18/6) e no sábado (19/6), para, no domingo (20/6), ser realizada a vacinação em diversos pontos da ilha, entre eles o Parque Darke de Mattos, onde será aplicada a primeira dose do dia, em um morador já escolhido.
“Só não posso antecipar quem é. Não vou fazer feito o prefeito, que atropelou a gente com o evento-teste, e contar antes da hora, né”, brinca Guto.
Ilha vacinada
Paquetá tem uma população de 4.180 moradores, dos quais 3.530 têm acima de 18 anos, de acordo com a relação de cadastrados na Estratégia Saúde da Família. Quem não estiver cadastrado deve buscar a única unidade de saúde na ilha, o CMS Manoel Villaboim, com comprovante de residência e documentos pessoais com foto para informar sua condição de morador.
Não serão vacinados turistas, parentes de moradores que não residam em Paquetá ou qualquer outro que não tenha a ilha como residência oficial.
Até 31 de maio, foram aplicadas 2.923 doses da vacina contra a Covid-19 pelo calendário do município, sendo 1.853 primeiras doses (D1) e 1.070 segundas doses (D2). No dia 20, todo o restante da população elegível será vacinado. Mas antes os moradores da ilha passarão por exame de sangue sorológico, que será repetido enquanto a pesquisa durar.
Não há, no entanto, qualquer planejamento para a realização deste carnaval fora de época e nem como serão feitos os controles de acesso à ilha. A Associação de Moradores da Ilha de Paquetá apoia a pesquisa, mas considera um desrespeito saber pela imprensa da possibilidade de realização do evento-teste.