“Monstros do novo tempo”: música de 81 alertava sobre tragédias em MG
O músico Sérgio Moreira afirma que a situação no estado, após as chuvas fortes, era “uma questão de tempo”
atualizado
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“Os monstros do novo tempo vão te roendo por dentro”, afirma a música Confidência Maneira, do compositor mineiro Sérgio Moreira, gravada em 1981.
O autor, que já utilizava naquela época suas canções para denunciar o descaso com as causas ambientais em Minas Gerais, escreveu a letra nos anos 1970 para alertar a população sobre possíveis tragédias no estado.
A música, entretanto, passou a ser compartilhada nas redes sociais por apresentar muitas semelhanças com a situação atual da região, apesar da distância temporal.
“A natureza cobra o seu preço, mais cedo ou mais tarde”, afirma Moreira sobre os estragos causados pelas chuvas que atingiram Minas Gerais nas últimas semanas.
Escute a música:
O estado já conta com 380 municípios em situação de emergência e 25 mortos. Além disso, 7.336 pessoas estão desabrigadas e 47.912 estão desalojadas. Todas vítimas de uma tragédia causada pelo clima. “Era tudo uma questão de tempo”, diz o músico.
Segundo Sérgio Moreira, a inspiração da letra surgiu durante uma de suas viagens pelo estado mineiro, mas foi acumulada durante anos de revolta com o tratamento que as cidades mineiras recebiam.
“Eu estava no ônibus, voltando de um show na cidade de Patos de Minas. Ouvia, no walkman, a canção Triste Bahia, de Caetano Veloso, que me relembrou uma série de fatores. Em Belo Horizonte, quando cheguei da viagem, já corri para o papel e escrevi Confidência Maneira. Ela é, simplesmente, um desabafo meu e de muitas pessoas que sabem a importância que tem o patrimônio histórico, a cultura e a educação”, conta ele.
O compositor relata que as cidades do interior “eram tomadas, de vez em quando, por uma ordem de pessoas que não tinha compromisso com o patrimônio histórico, com a cultura e com a educação”.
Moreira afirma que a falta de cuidado se ligava “como uma rede”. Segundo ele, se não existia cuidado com a cultura e a educação, a questão do meio ambiente também ficava de lado.
O músico faz questão de citar o casarão que foi derrubado na cidade Ouro Preto após um deslizamento de terra na semana passada. “Quando eu fiz a letra, outros casarões já haviam sido derrubados. É tudo uma questão de tempo. As pessoas que conhecem Ouro Preto já relatavam que isso poderia se tornar uma tragédia há muito tempo”, aponta.
“Cai uma chuva forte e acaba com tudo. E, mais uma vez, as pessoas não têm para onde correr.”
Artista como denunciador
Para Sérgio Moreira, denunciar e alertar situações cotidianas através de seus trabalhos é algo inerente ao trabalho artístico. “O artista é um denunciador, mesmo quando ele não quer. E essa questão traz receio e medo, principalmente entre os políticos”, pontua.
Ele ainda avalia que essa forma de trabalho ajuda na transformação da realidade atual.
“Artistas do meu convívio, da região do Vale do Jequitinhonha e do Vale do Mucuri, são muito engajados nessa luta, principalmente por ser um lugar extremamente carente. Enquanto o discurso político permanece como uma forma de enganação, os outros artistas lutam pela população”, explica Moreira.
É preciso, segundo ele, perceber que a questão não é só ambiental. “Eu acho que está na hora de as pessoas perceberem que essa é uma questão política.”
Os estragos na região, registrados em vídeos e fotos, mostram o efeito devastador de um fenômeno climático que poderia ser evitado com políticas públicas adequadas. Um morador do estado conseguiu registrar a situação e criticou: “Depois, põe a culpa na chuva”.
Veja a situação: