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Ministra do STM aponta “visível manipulação de provas” no caso dos 80 tiros

Ela afirma que militares “apresentaram 3 fotografias de veículos blindados alvejados como se fossem os veículos que eles estavam dirigindo”

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1 de 1 evaldo-dos-santos-rosa_músico-morto-com-80-tiros1 - Foto: Facebook/Reprodução

Única a votar para manter presos os noves militares envolvidos na morte do músico Evaldo dos Santos Rosa, que estava em um carro alvo de 80 tiros — 63 acertaram — e do catador de recicláveis Luciano Macedo, no Rio, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, do Superior Tribunal Militar (STM), apontou “uma tentativa visível de manipulação de provas”.

No julgamento, realizado na sessão de quinta-feira (23/05/2019), a ministra afirmou que no auto de prisão em flagrante os militares apresentaram fotos de veículos alvejados como se fossem os blindados que eles ocupavam no momento da morte do músico.

A defesa dos militares nega enfaticamente e afirma que jamais houve manipulação. O advogado Paulo Henrique Pinto de Mello declarou ao Estadão que as fotos já estavam no Auto de Prisão em Flagrante, “provavelmente, inseridas pelo delegado da Polícia Judiciária Militar que é o condutor do procedimento”.

Na sessão de quinta, por maioria de votos, o STM decidiu libertar nove dos 12 militares que participaram da ação em 7 de abril, em Guadalupe, na zona norte do Rio. Todos foram soltos nessa sexta (24/05/2019).

Os outros três militares do pelotão envolvido na fuzilaria — foram 257 tiros ao todo — já haviam sido libertados e respondem ao processo em liberdade.

Do total, 11 ministros votaram pela soltura dos militares. Maria Elizabeth votou pela manutenção da prisão e indicou a suposta manipulação de provas como “mais um motivo hábil a indicar que a soltura dos pacientes possa perturbar e impedir a produção correta de provas”.

“Durante o auto de prisão em flagrante, ao utilizarem-se da mentira, que inclusive comprometeu o Comando Militar do Leste, comprometeu a própria credibilidade do Exército, eles influíram para que viessem aos autos três fotos de viaturas atingidas”, afirmou a ministra.

“Tais viaturas de fato possuem marca de tiro, no entanto, tais fotografias que são parte de veículos, se percebe nitidamente que se tratam de automóveis completamente diferentes daquele que estava sendo utilizado na ação. Os militares que engendraram esse esquema ardiloso para enganar o Comando do Leste apresentaram na APF fotos de blindados que foram de fato alvejados por tiros.”

A ministra prosseguiu. “Só que os militares não trafegavam nesses blindados. Eles trafegavam numa viatura em que não se constatou tiro algum. Os militares forjaram em três fotografias inidôneas que haviam sido alvejados durante a ação quando, na verdade, o veículo que dirigiam era outro e que a perícia não constatou nenhum disparo ou nenhum tiro.”

Maria Elizabeth insistiu que “o réu não pode prejudicar a instrução processual”. A ministra mostrou fotos dos veículos aos outros ministros.

“Neste caso, em concerto múltiplo, os réus apresentaram 3 fotografias de veículos blindados alvejados por alguma razão como se fossem os veículos que eles estavam dirigindo no momento. Sendo que o veículo que eles dirigiam no momento da ação não foi atingido por disparo algum”, apontou.

A ministra havia votado na sessão de 8 de maio. O julgamento, no entanto, foi interrompido por um pedido de vista e retomado na quinta.

“Talvez este fato não tivesse ocorrido em Ipanema”
Evaldo Rosa dirigia seu carro, um Ford Ka sedan branco, rumo a um chá de bebê, no dia 7 de abril, e transportava a mulher, um filho, o sogro e uma adolescente.

Ao passar por uma patrulha do Exército na Estrada do Camboatá, o veículo foi alvejado com 80 disparos pelos militares. O motorista morreu no local.

O sogro ficou ferido, mas sobreviveu. O catador Luciano Macedo, que passava a pé pelo local, também foi atingido e morreu dias depois.

Inicialmente, o Comando Militar do Leste (CML) emitiu nota dizendo que a ação havia sido uma resposta a um assalto e sugeriu que os militares haviam sido alvo de uma ‘agressão’ por parte dos ocupantes do carro.

A família contestou a versão e só então o Exército recuou e mandou prender dez dos 12 militares envolvidos na ação. Um deles foi solto após alegar que não fez nenhum disparo.

Os militares teriam confundido o carro do músico com o de criminosos que, minutos antes, havia praticado um assalto perto dali. Esse crime foi flagrado por uma patrulha do Exército. Havia sido roubado um carro da mesma cor, mas de outra marca e modelo — um Honda City.

Foram presos o tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, o sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva e soldados Gabriel Christian Honorato, Matheus Santanna Claudino, Marlon Conceição da Silva, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo Oliveira de Souza, Gabriel da Silva de Barros Lins e Vítor Borges de Oliveira. Todos atuam no 1º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Vila Militar, na zona oeste do Rio.

Luciano Macedo morreu no dia 18 de abril no Hospital Carlos Chagas, na zona norte, onde estava internado desde o dia 7 daquele mês. Macedo foi atingido por três tiros nas costas por militares do Exército ao tentar socorrer a família de Evaldo.

A viúva de Macedo, Daiane Horrara, de 27 anos, que está grávida e estava no local no dia do crime, contou que, quando o marido viu que havia uma criança no banco de trás do carro, correu para salvá-la e conseguiu tirá-la de dentro do veículo.

Durante o julgamento de quinta, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha afirmou que os militares dos 80 tiros ‘colocaram em risco a população local’ e citou a “desproporcionalidade da ação”.

“Ainda que os supostos assaltantes estivessem no carro branco suspeito, não poderiam os militares supor que ali pararam, munidos de duas pistolas, com intuito de enfrentar uma tropa armada”, declarou.

“Como pontuaram as testemunhas, os pacientes já chegaram ao local atirando, sendo que ninguém viu ou ouviu qualquer tiro ser disparado em direção à tropa, ao contrário do que alegaram.”

A ministra argumentou que a perícia identificou “cartuchos e marcas de disparos em uma direção”.

“Isso denota que não houve troca de tiros, porque os disparos e os cartuchos encontrados foram todos localizados numa direção e não houve, então, direções opostas que pudessem, então, de alguma maneira ensejar que houve uma troca de tiros, como esses militares que participaram da ação alegaram”, disse.

Na avaliação da ministra, a ordem pública “foi brutalmente arrebatada pela teratológica ação”. Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha rechaçou “os argumentos de que a segregação cautelar encontra-se em meros atos de clamor público ou de repercussão midiática”.

“Das condutas dos réus, eles se valeram de um excesso injustificável. Pré-julgaram as vítimas com base em suas características étnicas-sociais”, afirmou. “Um fato desse ocorreu num subúrbio do Rio de Janeiro com um hipossuficiente negro.”

Maria Elizabeth disse. “Talvez este fato não tivesse ocorrido em Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro.”

De acordo com ela, “lamentavelmente no nosso país a discriminação racial ainda é levada em conta, os estereótipos ainda são levados em conta para se ferir dignidades, ou seja, para se verificar pelo menos presumivelmente quem pode ou quem não pode ser bandido”.

“Lamentavelmente, as minorias ainda são estigmatizadas em um país feito o nosso. Quando um negro, pobre, no subúrbio do Rio de Janeiro é confundido com um assaltante, eu tenho dúvida se isso ocorreria com um loiro de olho azul em Ipanema, vestindo uma camisa Hugo Boss”, disse.

“Acho que exista, sim, ainda um determinante racial, um determinante socioeconômico que confere identidades equivocadas no nosso País a determinados indivíduos. Isso, lamentavelmente, interpretei eu, aconteceu nessa tragédia em Guadalupe. Não é o Exército, especificamente, que tem essa visão. Lamentavelmente, é uma visão estigmatizadora das minorias da nossa sociedade brasileira.”

Com a palavra, o advogado Paulo Henrique Pinto de Mello, que defende os nove militares:

“A constituição daquele auto de prisão em flagrante jamais recebeu qualquer interferência dos militares. Aquele é um procedimento formado e investigatório, inicialmente, pelo Comando da 1ª Divisão de Exército. Aquilo é assinado, formado por um general. A defesa pegou o procedimento na Justiça, fez a cópia, baixou integral e juntou ao Habeas Corpus para evitar algum tipo de alegação que não tinha o procedimento inteiro. Ela falou uma grande besteira, porque as fotos que ela exibe são do evento da manhã, de uma das viaturas que os militares se utilizavam. Existe um IPM (Inquérito Policial Militar) referente ao incidente da manhã. Não houve nenhum tipo de manipulação, de tentativa, de nada disso. A ministra pré-julgou o caso, já condenou os militares sem que o processo tenha seu curso normal, aliás como vários outros ministros apontaram para ela essa situação. Eu acho que isso a torna suspeita para julgar eventual apelação deste processo. Ela materializa coisas que não aconteceram, não está provado que aconteceram. Não houve qualquer manipulação. Ela tentou usar este argumento para justificar uma prisão preventiva que era injustificável e o Tribunal recebeu. Essas fotos estavam no APF, provavelmente, inseridas pelo delegado da Polícia Judiciária Militar que é o condutor do procedimento. Provavelmente, eles avaliaram todo o uso do equipamento do dia inteiro desses militares. Jamais manipulação dos meus clientes.”

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