“Minha mãe morreu de Covid na Prevent Senior, após ser cobaia de remédio para próstata”, diz filho
A mãe de Luiz morreu há três meses e foi tratada com flutamida. “Pediram para assinar uma autorização. Assinei porque acreditei no médico”
atualizado
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As denúncias de que a Prevent Senior estaria fazendo testes em humanos para tratar a Covid-19 entraram na casa do publicitário Luiz Cézar Oliveira Pereira, 45 anos, por meio de matérias jornalísticas. Mas o que parecia ficção e estava na TV, na boca de senadores na CPI da Covid-19, tornou-se realidade para ele quando a mãe, Sueli Oliveira Pereira, 70 anos, foi infectada com o vírus.
Há 12 anos, Luiz pagava para a mãe o convênio de uma das maiores operadoras de saúde do país. Mesmo assim, o publicitário ficou ressabiado ao entrar no Hospital Sancta Maggiore, no Tatuapé, em São Paulo. Já em cadeira de rodas, dona Sueli precisava de atendimento urgente. A paciente apresentava falta de ar e não tinha força nas pernas.
“Eu cheguei na defensiva. Passamos pela triagem e ela foi para o oxigênio. Perguntei tudo. Falei que não queria kit Covid para a minha mãe”, contou à reportagem.
Depois disso, Sueli – nascida na cidade Martinópolis, interior de SP, e moradora do Parque Edu Chaves há 50 anos, na periferia da zona norte da capital paulista – não voltou mais para casa.
Ela foi transferida três vezes para unidades diferentes da Prevent Senior.
Prontuário
Na primeira transferência, Luiz pediu o prontuário da mãe para saber quais fármacos havia sido prescritos para ela. Na ocasião, conversou com os médicos e viu que a mãe estava recebendo apenas oxigênio. “Minha mãe é idosa, hipertensa, teve enfisema pulmonar. Como ela será tratada?”, questionou aos profissionais.
Nesse momento, recebeu a informação de que a Prevent Senior realizava um “tratamento diferenciado” com os pacientes. “Eles me trouxeram um documento de autorização para aplicar flutamida na minha mãe. Eu perguntei: ‘Ela vai ficar boa com esse remédio?’. O médico disse: ‘Sim’. Então, eu assinei sem questionar. Eu não sou médico. Se o médico diz que minha mãe vai se curar, eu acredito”, lamentou Luiz.
A partir de então, a mãe de Luiz só piorou. “Eu perguntei: ‘Isso é remédio para câncer de próstata. É isso mesmo? O médico disse que os resultados eram muito bons. E era julho de 2021. Não era 2020, nada disso. Foi neste ano. Além disso, minha mãe ficou amarrada à cama enquanto estava internada”, completa o publicitário.
Veja o termo que era entregue aos pacientes:
Com a piora no quadro clínico, Sueli foi transferida para outra unidade da Prevent Senior, na Rua Maestro Cardim, onde foi intubada. Em seguida, foi para um hospital de campanha localizado na Vila Olímpia. “Os médicos de lá disseram que ela não estava sendo tratada e que aqueles medicamentos não eram para Covid-19. Tentaram salvar a vida dela, mas, entre quatro e cinco dias depois, ela foi a óbito. Morreu no dia 3 de agosto”, contou Luiz.
Dúvida eterna
Os relatos de Luiz e de sua família, o prontuário da mãe e o atestado de óbito estão hoje sob análise do Ministério Público de São Paulo (MPSP). Junto a outros pacientes, Luiz denunciou o caso para que o órgão estadual investigue.
As apurações vão apontar culpados ou inocentes. A mãe de Luiz, porém, não voltará.
“A grande questão é: usaram na minha mãe medicação que não tinha nenhuma comprovação científica. Eu nunca vou ter uma resposta sobre o que aconteceria com ela se fizessem o tratamento normal. Aplicaram flutamida na minha mãe e ela morreu tomando remédio para próstata, enquanto estava com Covid”, lamentou o publicitário.
Para ele, não houve ciência no tratamento de Sueli: “Fizeram um teste com minha mãe. A Prevent Senior virou um laboratório. Gente humilde, que não tem recurso para processar. Eu só vi isso em filme: O Pianista, A Lista de Schindler. Soube de casos assim com o Mengele e os demais médicos nazistas que faziam testes com judeus”, comparou.
Procurada pela reportagem do Metrópoles, a Prevent Senior negou as acusações. “Todas as informações serão prestadas ao Ministério Público para que a verdade possa ser restabelecida”, manifestou a empresa, por meio de nota.
CPI da Covid
Por meio da denúncia de 12 médicos representados pela advogada Bruna Morato, a CPI da Pandemia revelou suspeitas relacionadas ao tratamento contra Covid-19 promovido pela operadora de saúde Prevent Senior.
Segundo relato de Bruna Morato, o paciente que não se curasse na primeira vez com o kit Covid, composto de hidroxicloroquina, ivermectina, vitaminas e prednisona, era submetido a mais dois combos, todos sem eficácia.
A maioria das “cobaias” da Prevent Senior era de pacientes idosos, muitas vezes bastante fragilizados pela Covid-19 e pela agressividade com que o primeiro procedimento do kit agia no organismo. Se a cloroquina falhasse, na segunda experiência eram aplicados a flutamida, o etanercepte e o metotrexato.
O primeiro fármaco é usado para o tratamento do câncer avançado de próstata. Os outros dois, para artrite. Esse protocolo foi batizado de “tratamento com nanopartículas”. Se o paciente não morresse, a última tentativa consistia na polêmica ozonioterapia retal, no uso de células-tronco e no que mais pudesse ser testado.
Conforme narrou Morato, os 12 médicos que denunciaram a prática começaram a ser orientados a se valerem de tais protocolos em 25 de março de 2020. Transformar pacientes com Covid-19 em cobaias é uma das denúncias contra a Prevent Senior, plano de saúde que fechou 2020 com faturamento líquido de R$ 4,3 bilhões e 505 mil beneficiários.
Há ainda a suspeita de ocultação de óbitos e adulteração da causa de mortes por Covid-19. A advogada prestou depoimento à CPI em 28 de setembro. O ex-médico da Prevent Senior Walter Correa de Souza Neto e o paciente da operadora de saúde Tadeu Frederico de Andrade foram depor à CPI em 7 de outubro.