Minas Gerais tem 28 barragens sem estabilidade atestada
Dentre elas, nove pertencem à Vale. Responsáveis não teriam apresentado documento com informações técnicas sobre estado das estruturas
atualizado
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Uma lista oficial das 699 barragens instaladas em Minas Gerais em 2017 revela que pelo menos 28 delas não tinham a estabilidade atestada por auditor ou não tinham apresentado documentação nem informações técnicas para que a estabilidade fosse atestada. Nove delas são da Vale. Um caso chama atenção: o do município de Nazareno, no sul de Minas. Lá, cinco barragens da Vale Manganês não têm a estabilidade atestada desde 2012. Tanto a barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, quanto a de Mariana, que romperam, tinham a suposta estabilidade reconhecida por auditores.
“Na minha análise, todas estão em risco porque há um conflito de interesse claro nessa autofiscalização”, afirma o coordenador do Núcleo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez. Ele fez um levantamento sobre as barragens reincidentes. “Mas o que dizer daquelas em que o próprio auditor, contratado pela empresa, não garante a estabilidade da barragem?”
A Vale explicou que as barragens de Nazareno foram “descomissionadas”, ou seja, deixaram receber rejeitos. Segundo a empresa, elas foram “devolvidas ao meio ambiente”: ganharam uma camada de solo orgânico por cima, em 2017. Especialistas lembram que a barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, não recebia material havia três anos e, mesmo assim, se rompeu. Para eles, o monitoramento da estabilidade é necessário mesmo quando as barragens deixam de ser utilizadas.
A empresa explicou que, depois do colapso da barragem do Fundão, em Mariana, em 2015, que deixou 19 mortos, decidiu descomissionar todas as suas barragens de rejeitos feitas pelo método a montante. Nele, os rejeitos vão se acumulando em camadas. Segundo a empresa, ao fim do ano passado dez das 19 barragens desse tipo já haviam sido “aposentadas”. Entre elas estão as de Nazareno. O descomissionamento não ocorreu a tempo de evitar a explosão do Córrego do Feijão no último dia 25.
“A situação era muito ruim entre 2012 e 2013, melhorou um pouco em 2014, mas eram muitas barragens sem estabilidade atestada ou sem documentos de forma recorrente, durante anos seguidos”, contou Milanez. “E temos ainda essas barragens órfãs, que não pertencem a ninguém, em que as operações foram encerradas e ninguém sabe o que está acontecendo.”
Outras quatro barragens da Vale apareciam na listagem de 2017 com “estabilidade não garantida pelo auditor”. São elas a das bacias de contenção de sedimentos 1, 2 e 3, em Conselheiro Lafaiete; a Barragem B, em Pato de Minas; e as de Prata 1 e Lagoa Principal, em Ouro Preto. As duas últimas estão sem garantias também desde 2012. Segundo a Vale, a Barragem B não pertence mais à empresa. A empresa não se posicionou sobre as outras três.
“Toda barragem que tem um atestado de estabilidade tem também um estudo importante sobre a área imediatamente sob risco, que é o chamado “dam break”, que traz um mapa da área que pode ser atingida pelos rejeitos em caso de um rompimento”, explicou o especialista em geomorfologia da UFJF Miguel Fernandes Felippe. “Esse estudo é fundamental para a elaboração do plano de emergência, para o estabelecimento do sistema de alerta e alarme. Sem o atestado de estabilidade, o “dam break” não é público.”
Para Felippe, a falta de fiscalização não é o único problema. “Existe também a questão normativa, de termos normas técnicas específicas, tipos de mineração permitidos, modelos de barragem que não podem ser usados”, exemplifica. “Mas aumentar o rigor dessas normas técnicas é muito difícil por conta do forte lobby das empresas mineradoras no parlamento brasileiro; as pressões são muito grandes.”
Documento
Por nota, a Vale informou que em 24 de fevereiro de 2017 a Vale obteve a Declaração de Condição de Estabilidade da barragem Prata emitida por auditor externo.
“Pelo fato dessa barragem não se enquadrar na Política Nacional de Segurança de Barragens e ser classificada como Classe I na Deliberação Normativa da Copam Nº 87/2005, não era obrigatória a realização da auditoria externa em setembro de 2017. Em setembro 2018, a estrutura foi auditada por auditor externo e teve a emissão da Declaração de Condição de Estabilidade em 03/09/2018 para o COPAM e 20/09/2018 para a ANM” (Agência Nacional de Mineração), informou a empresa no texto.