Milhares de indígenas voltam ao DF para pressionar governo e Congresso
Acampamento em Brasília reúne 6 mil indígenas, e, além de pressionar o Congresso e o Planalto, visa mobilizar eleitores e candidatos
atualizado
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O 18º Acampamento Terra Livre, que já reúne 6 mil indígenas em Brasília, de acordo com os organizadores, tem como objetivo pressionar Congresso e governo federal contra projetos que os povos originários consideram retrocessos. Em ano eleitoral, porém, outra meta foi estipulada pelas entidades que organizam o evento, com previsão de durar até o dia 14 deste mês: politizar os indígenas e incentivar a participação nas eleições de outubro. A ideia é tentar ampliar bancadas estaduais e federais, além de ajudar na campanha presidencial do pré-candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva.
Indígenas buscam tirar lições de campanhas anteriores para construir uma tática mais efetiva e ampliar uma bancada que, em nível nacional, tem apenas uma representante: a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR). A parlamentar está concluindo seu primeiro mandato e tentará a reeleição.
“Passamos muito tempo resistindo a participar dos pleitos eleitorais. Nos mantínhamos fora da política institucional e focávamos o enfrentamento. Mas chegou o momento em que só ficar na resistência não é mais suficiente para manter nossos direitos e evitar a violência”, afirma a liderança indígena Sonia Guajajara, que é coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e foi candidata a vice-presidente do Brasil em 2018, na chapa de Guilherme Boulos, do PSol.
“Começamos essa mobilização em 2017, convocando candidaturas. Em 2018, fui a primeira indígena a fazer parte de uma chapa presidencial; elegemos Joênia Wapichana 30 anos depois do primeiro indígena no Parlamento, o Mário Juruna. Nas eleições municipais de 2020, lançamos mais de 2 mil candidaturas e tivemos mais de 200 eleitos, sendo 44 mulheres. Agora, em 2022, deixamos um pouco de lado a quantidade para focar candidaturas competitivas”, explica Sonia, que, neste ano, não pretende estar nas urnas e deve atuar na coordenação de postulantes.
Nesse amadurecimento da estratégia eleitoral, os indígenas pretendem investir em candidatos escolhidos em espécies de convenções nas suas comunidades, de modo a construir campanhas que já contem com apoio popular e tenham a contribuição de entidades que representam os povos originários.
Também faz parte da estratégia uma campanha para ajudar os participantes da mobilização em Brasília a regularizar a situação eleitoral ou tirar o Título de Eleitor, no caso dos mais jovens. Há, no espaço do acampamento, uma tenda com computadores, na qual ajudantes treinados auxiliam os interessados a navegar no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O prazo para tirar o documento vai até 4 de maio, ou seja, encerra em menos de um mês. Veja aqui como proceder.
Fechados com Lula
O presidente Jair Bolsonaro (PL) e sua política indigenista (ou a falta dela) são alvo constante de protestos e discursos no acampamento – que foi montado no canteiro central do Eixo Monumental, na capital federal, entre o Centro de Convenções Ulysses Guimarães e a Funarte, na última segunda-feira (4/4). Mobilizados contra o governo e contra o Congresso, onde o Planalto tem ampla maioria, os indígenas descartam a neutralidade e já se empenham para participar da campanha de Lula, segundo Sonia Guajajara.
“Os ataques aos nossos direitos, as ameaças contra a demarcação de terras e a violência que temos sofrido favoreceram muito um apoio mais declarado ao Lula, que se mostra o candidato com mais chances de vencer Bolsonaro”, afirma a dirigente da Apib em entrevista ao Metrópoles.
“Então, temos ouvido em todas as regiões, nas viagens que a gente faz e mesmo nas redes sociais, essas manifestações de apoio ao Lula”, relata. A liderança indígena ressalta, porém, não existir concordância total com as ideias petistas. “Temos críticas e divergências com a política do PT, mas nada se compara ao que vivemos no governo Bolsonaro. Antes, a gente tinha participação nos espaços de construção de políticas públicas. Era um avanço difícil, mas agora é retrocesso, agora acabaram todos os espaços”, critica ela.
Ciente do apoio que conquistou entre os indígenas mobilizados contra Bolsonaro, o petista inclusive planeja visitar o Acampamento Terra Livre na próxima semana.
Motivações pessoais para entrar na política
Alguns dos pré-candidatos indígenas estão no Acampamento Terra Livre participando dos debates e da mobilização. É o caso de Kerexu Yxapyry (foto acima), liderança indígena Mbya Guarani de Morro dos Cavalos, em Santa Catarina.
Em conversa com o Metrópoles, ela contou que sempre foi uma liderança em sua aldeia, mas que resolveu tentar a política institucional depois de uma série de ataques a seu povo em 2017.
“Por minha militância, virei alvo de ameaças, minha família também. Minha mãe foi pega, torturada, perdeu a mão esquerda, e ninguém foi responsabilizado. Buscar ainda mais visibilidade foi a única maneira que achei para defender meu povo dessas agressões”, relatou ela, que já se candidatou a deputada federal em 2018 e tentará de novo neste ano, concorrendo pelo PSol.
“Hoje me sinto mais madura e preparada para a campanha. Em 2018, foi desafiador, porque eu não entendia bem a questão da política partidária. Desta vez, me sinto com mais condições”, afirma.
O acampamento
A 18ª edição do Acampamento Terra Livre tem intensa programação de debates, apresentações culturais e manifestações políticas, que incluem marchas até a Praça dos Três Poderes. Os eventos são divulgados nas redes sociais da Apib e não estão restritos aos indígenas, que se mostram hospitaleiros com os visitantes.
Como atração extra, dezenas de indígenas das mais de 150 etnias presentes montaram bancas para vender artesanato e comidas típicas, a fim de financiar a mobilização e a volta das delegações para casa.
Além da programação oficial, é possível acompanhar a todo momento manifestações espontâneas, como a dança do povo Xukuru, que vive na Serra do Ororubá, em Pernambuco, e pode ser vista no vídeo acima.