Mercado vê como insuficiente “pente-fino” de R$ 25,9 bi em benefícios
Apesar de saudar corte de R$ 25,9 bilhões em benefícios, mercado demanda medidas adicionais
atualizado
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Após uma série de reuniões com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na noite de quarta-feira (3/7), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informou que o presidente da República autorizou um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias para cumprir o Marco Fiscal, a nova regra de controle dos gastos públicos, no próximo ano. A tesoura será passada por meio de um pente-fino em benefícios sociais.
“Isso foi feito com as equipes dos ministérios. Não é um número arbitrário. É o número que foi levantado linha a linha do orçamento daquilo que não se coaduna com o espírito dos programas sociais que foram criados”, destacou Haddad.
As mudanças já devem ser incorporadas ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2025, a ser enviado ao Congresso Nacional até 31 de agosto.
Embora o corte esteja programado para o orçamento de 2025, Haddad afirmou que as medidas podem ser antecipadas, a depender do relatório de despesas e receitas do governo deste mês, que também deverá apontar a necessidade de um contingenciamento neste ano para cumprir a meta fiscal.
Ainda não se sabe exatamente de onde virão os cortes anunciados. Esse pente-fino, em que pese o fato de ter sido bem-visto e acalmado os ânimos do mercado, é considerado insuficiente por economistas.
Alta do dólar levou a resposta
Após uma escalada do dólar e dias de turbulência no mercado financeiro, o presidente foi informado sobre o impacto de seus comentários e falas em tom crítico ao Banco Central (BC) e passou a adotar uma postura diferente desde meados da semana.
O petista chegou a dizer que “responsabilidade fiscal não é palavra, é compromisso fiscal deste governo desde 2003”, primeiro ano de seu primeiro mandato.
Nesta semana, a moeda norte-americana chegou a bater R$ 5,70 e fechou em R$ 5,64, maior cotação desde 10 de janeiro 2022. Depois de um dia mais calmo, o dólar encerrou a quinta-feira em forte queda, cotado a R$ 5,49. Após o governo falar no corte de despesas, a moeda dos EUA recuou 3,15% em dois pregões.
Para o consultor em finanças Fábio Murad, sócio da Ipê Avaliações, a medida anunciada nesta semana é uma tentativa clara de reafirmar o compromisso com a responsabilidade fiscal e controlar a alta do dólar.
“Este corte é um passo importante para mostrar ao mercado que o governo está disposto a tomar ações concretas para equilibrar as contas públicas e reduzir o déficit orçamentário. Ao reduzir despesas, o governo sinaliza que está comprometido com a meta fiscal e com o arcabouço estabelecido, o que pode ajudar a restaurar a confiança dos investidores e a estabilizar a moeda”, salientou Murad.
No entanto, ele ponderou, será importante que essas medidas sejam acompanhadas por uma comunicação clara e consistente para evitar ruídos que possam gerar incerteza no mercado. “Os próximos passos devem incluir um monitoramento rigoroso das receitas e despesas e manter um diálogo aberto e transparente com o mercado, reforçando seu compromisso com a estabilidade fiscal e a sustentabilidade das contas públicas. Essas ações combinadas podem ajudar a criar um ambiente mais previsível e estável, essencial para atrair investimentos e fortalecer a economia.”
A medida também foi vista como “uma postura firme de fiscalização sobre as despesas” pelo economista Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike. De acordo com ele, essa foi “uma medida fundamental para equilibrar as contas públicas e ter compromisso com o arcabouço fiscal do país, e assim também acalmar o mercado”.
O estresse, porém, poderá voltar ao mercado caso medidas concretas não sejam anunciadas em breve e o compromisso com o corte de gastos fique pelo caminho.
Na mesma linha, André Colares, CEO da Smart House Investments, recebeu o anúncio como “um esforço significativo” para tentar controlar a alta do dólar e demonstrar um compromisso com a responsabilidade fiscal.
“No entanto, o sucesso dessa medida dependerá de sua execução eficaz e de outras ações complementares. Os próximos passos para o governo incluem a implementação de reformas estruturais que possam garantir um crescimento sustentável e a revisão de políticas que possam contribuir para um ambiente econômico mais previsível e confiável”, ponderou.
“O ajuste fiscal proposto via revisão cadastral dos benefícios e programas assistenciais do governo ajuda, mas o problema demanda mais do que um mero pente-fino”, avaliou José Alfaix, economista da Rio Bravo.
Ele explicou que a nova postura do presidente deixa de atrapalhar, mas frisou que o movimento de baixa do dólar é devido à perspectiva de desaceleração econômica nos Estados Unidos, evidenciada pelos dados de emprego e atividade divulgados na quarta-feira.
Outro ponto necessário apontado pelo mercado é a garantia de atingimento das metas de inflação, sem comprometer o crescimento econômico.
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Meta fiscal
Para este ano e para o próximo, a meta de resultado primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida) estabelecida é de déficit zero. Como há um intervalo de tolerância (banda) de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), a meta será atingida mesmo se for registrado um rombo de até R$ 28,8 bilhões.
Para 2025, inicialmente estava previsto um superávit de 0,5%, mas o governo adotou cautela e mudou a meta em abril, no envio do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) ao Congresso Nacional.
A equipe econômica sofre pressão do presidente Lula e da ala política do governo, que desejam elevar os gastos públicos e fazer mais investimentos para melhorar a popularidade, concomitantemente à realidade da inflação e queda da economia.