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Presidente do Ibama muda orientação e dificulta punição de infratores

Orientação repassada a todo o Ibama revisa, de objetiva para subjetiva, a responsabilidade administrativa das infrações ambientais

atualizado

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Wilson Dias/Agência Brasil
Desmatamento ilegal na Amazônia
1 de 1 Desmatamento ilegal na Amazônia - Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Despacho publicado na quinta-feira (14/7) pelo presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim (foto em destaque), pode dificultar a responsabilização de infratores em meio ao avanço do desmatamento e de queimadas no país.

Enquanto advogados especialistas em direito ambiental afirmam que o ato traz mais segurança jurídica, servidores, ex-servidores e ambientalistas temem consequências negativas e apontam para um desmonte do órgão.

O despacho (leia aqui) atribui efeito vinculante para todo o Ibama da Orientação Jurídica Normativa nº 53/2020, que estabelece o caráter subjetivo (antes era objetivo) da responsabilidade administrativa ambiental mediante comprovação de dolo ou culpa. Na prática, isso significa que os agentes deverão também demonstrar necessariamente a culpa do infrator sobre determinada ação, assim como acontece na esfera criminal. Até então, a responsabilização dependia apenas de um nexo de causalidade.

Eduardo Bim, atual presidente do Ibama

Dois agentes do Ibama conversaram com o Metrópoles em caráter reservado. Ambos argumentaram que a medida representa mais um passo do desmonte promovido por Bim sobre o órgão ambiental.

Eles preveem que a quantidade de autuações ambientais deverá cair mais ainda com a medida, que “fragiliza as operações” e acaba “burocratizando e dificultando” o processo sancionador. As multas caíram 39% nos primeiros três anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), segundo levantamento do Fakebook Eco. Já o desmatamento na Amazônia nos 12 meses entre agosto de 2020 e julho de 2021 foi o maior para esse intervalo de tempo desde 2006.

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De acordo com a pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), mais da metade (51%) do desmatamento do último triênio ocorreu em terras públicas, principalmente (83%) em locais de domínio federal
Dois anos após o Dia do Fogo, as queimadas na região voltaram a quebrar recordes anuais. Em 2020, a Amazônia Legal registrou o maior índice dos últimos nove anos (150.783 focos de fogo), um valor 20% maior que no ano anterior e 18% maior que nos últimos cinco anos
Em 2019, Bolsonaro se envolveu em algumas polêmicas ao ser pressionado sobre as medidas para controlar a situação das queimadas na Amazônia. Na época, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou que o mês de julho havia registrado aumento de 88% nos incêndios, em comparação com o mesmo período do ano anterior
O presidente da República questionou a veracidade das informações e chegou a afirmar que se o relatório fosse verdadeiro a floresta já estaria extinta. O diretor do instituto, Ricardo Galvão, acabou exonerado por causa da qualidade das informações divulgadas pelo órgão
Bolsonaro chegou a culpar as organizações não governamentais (ONGs) pela situação na floresta. Segundo o presidente, o objetivo era enviar as imagens para o exterior e prejudicar o governo
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A destruição de florestas na Amazônia alcançou um novo e alarmante patamar durante o governo Bolsonaro. O desmatamento no bioma aumentou 56,6% entre agosto de 2018 e julho de 2021, em comparação ao mesmo período de 2016 a 2018

Igo Estrela/Metrópoles
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De acordo com a pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), mais da metade (51%) do desmatamento do último triênio ocorreu em terras públicas, principalmente (83%) em locais de domínio federal

Igo Estrela/Metrópoles
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Dois anos após o Dia do Fogo, as queimadas na região voltaram a quebrar recordes anuais. Em 2020, a Amazônia Legal registrou o maior índice dos últimos nove anos (150.783 focos de fogo), um valor 20% maior que no ano anterior e 18% maior que nos últimos cinco anos

Igo Estrela/Metrópoles
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Em 2019, Bolsonaro se envolveu em algumas polêmicas ao ser pressionado sobre as medidas para controlar a situação das queimadas na Amazônia. Na época, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou que o mês de julho havia registrado aumento de 88% nos incêndios, em comparação com o mesmo período do ano anterior

Fábio Vieira/Metrópoles
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O presidente da República questionou a veracidade das informações e chegou a afirmar que se o relatório fosse verdadeiro a floresta já estaria extinta. O diretor do instituto, Ricardo Galvão, acabou exonerado por causa da qualidade das informações divulgadas pelo órgão

Ricardo Fonseca/ASCOM-MCTIC
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Bolsonaro chegou a culpar as organizações não governamentais (ONGs) pela situação na floresta. Segundo o presidente, o objetivo era enviar as imagens para o exterior e prejudicar o governo

Fábio Vieira/Metrópoles
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Diante da polêmica, o governo lançou edital com o intuito de contratar uma equipe privada para monitorar o desmatamento na Amazônia. O presidente também convocou um gabinete de crise para tratar das queimadas e prometeu tolerância zero com os incêndios florestais

Fotos Igo Estrela/Metrópoles
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Porém, durante os três anos de governo de Jair Bolsonaro, as políticas ambientais foram alvo de críticas devido aos cortes orçamentários, desmonte de políticas de proteção ambiental e enfraquecimento de órgãos ambientais

Reprodução
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Em 2020, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o chefe do Executivo voltou a criar polêmicas ao declarar que os incêndios florestais eram atribuídos a "índios e caboclos" e disse que eles aconteceram em áreas já desmatadas. Além disso, Bolsonaro alegou que o Brasil é vítima de desinformação sobre o meio ambiente

Agência Brasil
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No ano seguinte, Bolsonaro elogiou a legislação ambiental brasileira e o Código Florestal e enalteceu a Amazônia durante a assembleia. Além disso, disse que o futuro do emprego verde estava no Brasil

Agência Brasil
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Em novembro de 2021, o presidente classificou as notícias negativas sobre a Amazônia como “xaropada”. Contudo, de acordo com o Inpe, a área sob risco tem 877 km², um recorde em relação à série histórica

Lourival Sant’Anna/Agência Estado
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Durante um evento de investidores em Dubai, Jair disse que a Amazônia não pega fogo por ser uma floresta úmida e que estava exatamente igual quando foi descoberta, em 1500

Agência Brasil
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Bolsonaro costuma falar com apoiadores no Palácio da Alvorada todos os dias

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Desmatamento na Amazônia

Ernesto Carriço/NurPhoto via Getty Images

A ex-presidente do Ibama Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, também relata preocupação com os possíveis efeitos do ato. Ela teme que sejam afetadas, sobretudo, operações de rastreamento de cadeias produtivas (quando se fiscaliza todo o percurso e responsabiliza diferentes elos dessa rota, como o financiador, o desmatador e o comprador, por exemplo) e operações remotas.

“Vai depender de como se vai interpretar essa ordem”, afirma Araújo, em conversa com o Metrópoles.

“O auto de infração, na minha opinião, não é afetado. Mas é uma análise jurídica mais sofisticada, em que os agentes ambientais vão ter dificuldade de completar esse processo sancionador ambiental, pois vão ter que indicar ao menos a culpa. Então o processo pode ficar mais demorado”, complementa. Suely Araújo foi presidente do Ibama entre junho de 2016 e janeiro de 2019.

Especialista em direito ambiental, o advogado Thiago Pastor, sócio do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, destaca, por sua vez, que a orientação tem como base o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que trará maior segurança jurídica.

“Os órgãos têm que se adequar às decisões dos tribunais superiores. Houve parecer de 2020, da PFE [Procuradoria Federal Especializada do Ibama], tentando se adequar ao entendimento do STJ. A dúvida era se seria aplicado somente na procuradoria. Agora, com esse despacho, passa a ter a obrigação de todos os funcionários do Ibama”, diz.

A advogada Renata Franco, especialista em direito ambiental e regulatório, avalia que a manifestação do Ibama é “importante”. Segundo ela, a orientação tem efeito vinculante também para processos em andamento.

“O Ibama agora consolida, de fato, o entendimento de que a responsabilidade administrativa tem, sim, uma natureza subjetiva. Então o agente do Ibama vai ter que analisar a culpa, analisar o dolo e caracterizar como foi realizada essa infração ambiental”, afirma.

Procurado pela reportagem, o Ibama não quis conceder entrevista. Em nota, o órgão assegurou que o sensoriamento remoto continua permitido, e que, inclusive, “foram ampliadas suas hipóteses”.

“A tese da responsabilidade subjetiva no processo administrativo sancionador segue jurisprudência do STJ, PGR [Procuradoria-Geral da República] e recomendação do TCU [Tribunal de Contas da União]”, afirmou o instituto.

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