Para especialistas, churrasco de domingo é vilão do aquecimento global
É que a carne, desde a criação do gado até a mesa do brasileiro, é responsável pela liberação de grande quantidade de gases
atualizado
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A picanha, a fraldinha e a maminha, bem salgadas, feitas na brasa, símbolos de um bom churrasco, estão se tornando inimigas do clima. É que a carne, desde a criação do gado até a mesa do brasileiro, é responsável pela liberação de grande quantidade de gases que causam o aquecimento global, segundo o Observatório do Clima (OC) – rede que reúne 40 organizações da sociedade civil. A recomendação é que o consumo de carne de boi seja menor e a produção mais eficiente.
Os impactos causados pela agropecuária são responsáveis por 69% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Estão incluídos na conta poluentes decorrentes do processo digestivo e dejetos de rebanhos, o uso de fertilizantes e o desmatamento (43% das emissões nacionais).
Os números são do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima, divulgados no Rio de Janeiro.
Gado de corte
De acordo com a coordenadora de Clima e Agropecuária do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Marian Piatto, que integra a rede do observatório, somente o gado de corte é responsável por 65% das emissões de gases de efeito estufa na agropecuária.
Marina lembra que o país tem um dos maiores rebanhos do mundo, cerca de 200 milhões de animais, o que agrava o problema. “É quase um por pessoa”, comparou.
Para chegar aos 69% das emissões nacionais do setor agropecuário, o coordenador do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa, Tasso Azevedo, acrescenta que, além dos problemas com o gado, entram na conta o transporte da carga, que, na maioria das vezes, usa diesel, o mais poluente dos combustíveis e o desmatamento para criação de pasto. Na Amazônia, onde avança o uso de terras para a atividade, é comum a ocupação de áreas derrubadas com o gado, denunciou Eron Martins, do Instituto Imazon.
“A relação entre a pecuária e o desmatamento é muito estreita porque a pecuária tem uma fluidez econômica muito rápida, o que facilita colocar a pecuária nos locais de expansão (desmatadas) para ter o direito daquela área mais tarde”, disse Martins. Ele contou que é comum a extração de madeira deixar áreas degradadas que, em seguida, acabam revertidas em pasto.
Soluções visam reduzir emissões
Segundo os especialistas, às vésperas de o acordo de Paris entrar em vigor em 2017, com metas para limitar o aumento da temperatura no planeta, há espaço na agropecuária para redução das emissões, como melhor manejo de pastagens e menor uso de fertilizantes. O governo, por sua vez, deve atrelar a concessão de subsídios, como o Plano Safra, às contrapartidas ambientais. Os ambientalistas, porém, são unânimes em recomendar menor consumo de carne.
“Cada bife que a gente come é responsável por impacto ambiental. Não comemos camarão e lagosta todo o dia, por que temos a necessidade de comer uma quantidade diária de carne bovina?”, questionou Marina. Uma meta internacional para tornar a carne brasileira mais sustentável foi descartada porque o destino de 80% do gado do país é a mesa do brasileiro, disse.
Para quem pensar em adiar uma mudança de hábitos à mesa, Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, alerta que o aquecimento global é responsável por ondas de calor, com sensação térmica de 50º, como no verão, no Rio de Janeiro, falta de chuvas, como em São Paulo, e desastres ambientais. “A gente está falando de qualidade de vida e de economia, mudanças climáticas são um risco para um país que depende da agricultura e da pecuária”, afirmou.
CNA questiona números
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) questionou os dados e disse que a conta do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa é uma “visão parcial” da produção.
“Se a gente for levar em conta que o Brasil emite menos de 4% das emissões globais, que o sistema leva em conta as emissões e não o balanço, se a gente considerar os esforços empreendidos para redução das emissões no Brasil – que vêm diminuindo – e o comprometimento da propriedade rural na conservação da biodiversidade, no estoque de carbono e na recuperação de áreas degradas, [poderá constatar] que a agropecuária é uma atividade muito menos impactante do que se pintou no relatório”, afirmou o coordenador de Sustentabilidade, Nelson Ananias Filho.
“Precisamos promover políticas de recuperação de pastagens em degradação para aumentar produtividade e emitir menos gases, produzindo comida e o nosso churrasco de fim de semana”. Nelson confirma que uma pastagem bem manejada sequestra até 90% de toda emissão da pecuária.
Para incentivar o setor, o Ministério da Fazenda, por meio do Plano Safra, apresenta aos produtores técnicas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de produção sustentável.
“Para o governo, é inviável financiar toda mudança tecnológica do setor. O que fazemos é mostrar as coisas que estão na prateleira e que são viáveis”, disse o coordenador-geral de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Aloisio Lopes Pereira de Melo.