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Governo usou pandemia para “passar boiada” na área ambiental, mostra estudo

Além de aumentar a edição de atos para enfraquecer a legislação ambiental, número de multas caiu cerca de 70%

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1 de 1 desmatamento - Foto: Arquivo/Agência Brasil

De março a setembro de 2020, o governo federal reduziu a aplicação de multas ambientais, promoveu troca de equipe em posições de chefia e assinou uma série de atos infralegais – que não dependem de aprovação do Congresso Nacional – para promover desregulamentações e flexibilizações na área ambiental.

Os resultados foram encontrados por um grupo de pesquisadores de Brasil, Reino Unido e Estados Unidos liderado pelas ecólogas Mariana M. Vale e Rita de Cássia Q. Portela, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo mostra que o governo brasileiro se aproveitou da pandemia de Covid-19 para desregulamentar a legislação ambiental ao longo de 2020.

Os pesquisadores apontam que o enfraquecimento da proteção ambiental está acontecendo desde o começo da gestão Jair Bolsonaro (sem partido), mas há indícios de que a ação foi intensificada a partir de março, mês considerado marco do início da pandemia no Brasil, quando medidas de fechamento do comércio começaram a ser adotadas no país.

“Passar a boiada”

A professora Rita Portela, do Departamento de Ecologia da UFRJ, explicou ao Metrópoles que a pesquisa foi motivada pela fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião ministerial de 22 de abril de 2020, que defendeu mudanças no regramento ambiental durante a pandemia.

“Pelos dados, a gente vê evidências de que a pandemia teve um efeito. O ministro [do Meio Ambiente] deixou bastante clara qual era a intenção dele. Se essa reunião não tivesse vazado, talvez a gente não estivesse nem prestando atenção”, disse a professora.

Na ocasião, Salles afirmou que era preciso aproveitar a “oportunidade” que o governo federal ganhava com a pandemia do novo coronavírus para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.

Segundo o ministro, a cobertura da imprensa, focada na pandemia de Covid-19, daria “um pouco de alívio” para a adoção de reformas infralegais de desregulamentação e simplificação que poderiam ser questionadas se observadas com mais atenção. “Estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa. Só se fala de Covid.”

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O material foi assunto em todas as emissoras, mas ele criticou a Globo

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Vídeo da reunião ministerial foi divulgado na sexta-feira (22/05)

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O estudo, intitulado A pandemia de Covid-19 como uma oportunidade para enfraquecer a proteção ambiental no Brasil, será publicado na revista científica americana Biological Conservation. Os dados foram levantados considerando o período de janeiro de 2019 a setembro de 2020 e tendo como base planilhas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e informações publicadas no Diário Oficial da União.

Foi encontrada uma redução de 72% em multas ambientais entre março e agosto de 2020, apesar do aumento no desmatamento no período. A pesquisa aponta que a redução na aplicação de multas decorre dos cortes no orçamento do Ibama e ICMBio, que necessitam de ampla infraestrutura e uma logística complexa para suas operações.

“A redução de multas ambientais, combinada com anistia para áreas desmatadas ilegalmente na Mata Atlântica, pode fazer com que os proprietários se sintam empoderados para continuar a desmatar”, diz o estudo.

No que se refere a atos infralegais, que não precisam do aval do Legislativo e são assinados pelos ministérios, a atual administração editou 57 atos enfraquecendo a proteção ambiental ou as instituições de controle no Brasil. Desse total, 49% foram promulgados nos sete meses desde o início do pandemia.

Setembro de 2020 foi o mês com o maior número de atos legislativos publicados (16). São desregulamentações ambientais que enfraquecem a gestão ambiental por meio de padrões e procedimentos menos rigorosos.

Um desses atos foi assinado no início da pandemia, em março, para prolongar o prazo para empresas fornecerem seus relatórios anuais sobre poluição e impactos nos recursos naturais.

Outro exemplo é a resolução que libera atividade de mineração em áreas que ainda aguardam autorização final, publicada em junho de 2020. Em julho do ano passado, o governo também reviu 47 pesticidas, reclassificando-os como menos danosos. As medidas são criticadas por ambientalistas e parte da comunidade científica.

Troca de equipe em posições de chefia

O estudo aponta ainda que as áreas protegidas foram enfraquecidas com a exoneração de funcionários em cargos de chefia durante a pandemia.

“Tem uma série de mudanças nas chefias de unidades de conservação que anteriormente eram funcionários de carreira”, afirmou Rita. Houve trocas de técnicos por policiais civis e militares e bombeiros.

Movimento global

Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que, ao longo da pandemia, o desmatamento em ambientes tropicais aumentou numa escala global entre 63% e 136%, considerando países da América, África e Ásia.

“O que acontece no Brasil é que, além disso, as legislações estão sendo enfraquecidas. Então, a gente vê que, junto com o aumento do desmatamento, existe uma flexibilização da legislação, um enfraquecimento das instituições de controle de meio ambiente e gestão”, explicou a professora Rita.

Essas desregulações, flexibilizações e enfraquecimento dos órgãos ambientais podem levar a danos ambientais sem precedentes e perdurar por décadas, mostram os pesquisadores.

“A gente está para ver exatamente como a conservação da biodiversidade brasileira vai se comportar nos próximos anos com esses órgãos enfraquecidos.” Segundo a professora, além do aumento no desmatamento, outras consequências poderão ser observadas nos próximos anos em termos de espécies ameaças e comportamento das unidades de conservação.

“Certamente a gente ainda vai ver muita mudança na conservação da biodiversidade brasileira por conta dessa flexibilização da legislação”, concluiu.

O Ministério do Meio Ambiente foi procurado, mas até o momento a pasta não emitiu posicionamento. O espaço segue aberto.

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