Entenda a investigação que levou à prisão de brigadistas no Pará
Os investigadores acreditam que eles orquestravam os incêndios em Alter do Chão, mas há poucas provas para sustentar a tese policial
atualizado
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A Polícia Civil prendeu nessa quarta-feira (26/11/2019) quatro pessoas ligadas a organizações não governamentais que desenvolvem atividades em Alter do Chão, no Pará. Para os investigadores, essas pessoas são suspeitas de iniciarem incêndios no mês de setembro para depois arrecadar verbas para combatê-los.
O primeiro foco de incêndio na área teve início no dia 14 de setembro em uma área de mata conhecida como Capadócia, localizada entre Ponta de Pedras e a vila de Alter do Chão, área de proteção ambiental (APA) e um dos principais destinos turísticos paraenses. O fogo avançou para a rodovia Everaldo Martins, mas foi controlado no dia seguinte.
Poucas horas depois de o incêndio ter sido controlado, um novo foco de fogo foi identificado, desta vez numa ilha próxima a Ponta de Pedras, também em Santarém. O local é de mata fechada e de difícil acesso.
Os ventos no local facilitaram a propagação das chamas. O clima seco e a falta de sinal de telefone celular no local dificultaram ainda mais os trabalhos. Cerca de 100 militares, brigadistas e homens do Exército atuaram no momento na região para combater as chamas. O governador paraense, Helder Barbalho, chegou a acionar o governo federal na oportunidade.
Entenda a seguir as principais questões do caso.
Quem foi preso?
Foram presos na Operação Fogo Sairé Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner. Eles são ligados aos brigadistas de Alter do Chão e ao Instituto Aquífero Alter do Chão e ao Projeto Saúde e Alegria.
Quais são os indícios da polícia?
Uma conversa que envolve um diretor de uma ONG é considerada pela polícia como principal elemento que liga ambientalistas e brigadistas a incêndios. Nenhum elemento ligado a perícia, testemunhas ou imagens conclusivas é apresentado no documento que embasa o pedido deferido pela Justiça, ao qual o Estado teve acesso.
Para a polícia, o aúdio representou uma guinada nas investigações. No pedido de prisão, os delegados responsáveis escrevem que as interceptações telefônicas realizadas “indicavam apenas que o grupo de brigadistas estava se aproveitando da repercussão internacional tomada pelo incêndio ocorrido na APA Alter do Chão, buscava beneficiar financeiramente a ONG Instituto Aquífero Alter do Chão”.
A conversa, para os investigadores, deixa perceptível a referência a “queimadas orquestradas”, “uma vez que não é possível prever, mesmo nessa época do ano, data e local onde ocorrerão os incêndios”.
Há outras suspeitas?
O delegado da Polícia Civil no Pará, José Humberto de Melo, afirmou que a Polícia Civil tem “farto material” investigativo sobre a suposta atuação irregular de organizações não governamentais do estado paraense.
Parte dos recursos doado pela WWF teria sido desviado. As empresas locais, aponta a investigação, teriam utilizado documentos falsos para superfaturar valores e, contabilmente, sinalizar que todo recurso teria sido utilizado. A operação cumpriu sete mandados de busca e apreensão em diversos endereços.
Qual a posição do MPF sobre a investigação estadual?
O Ministério Público Federal (MPF) em Santarém informou ter enviado ofício à Polícia Civil do Pará requisitando acesso integral ao inquérito que acusa brigadistas por incêndios florestais em área de proteção ambiental em Alter do Chão.
“Desde setembro, já estava em andamento na Polícia Federal um inquérito com o mesmo tema. Na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil. Ao contrário, a linha das investigações federais, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter.”
O que diz a defesa dos suspeitos?
De acordo com o advogado José Ronaldo Dias Campos, que defende dois dos acusados, ele e o colega que defende os outros dois optaram pelo pedido de habeas corpus por entenderem que as prisões não se sustentam.
“Tivemos acesso aos inquérito hoje [quarta-feira] e não há nada de substancial que possa amparar o decreto prisional. Eles são claramente inocentes”, disse. “A investigação é furada. A conclusão do delegado é temerária. O Gustavo, inclusive, comprovadamente não estava na região nos dias em que teriam se dado os fatos supostamente criminosos. São quatro jovens de São Paulo que largaram tudo para se dedicar à defesa da Amazônia. Eles são guardiões da floresta e deveriam ser tratados como heróis, não como criminosos”, afirmou.
Qual a posição da WWF no caso?
Conforme a WWF, foi assinado em outubro de 2019 um contrato de parceria técnico-financeira com o Instituto Aquífero Alter do Chão, com o repasse integral de R$ 70,6 mil para a compra de equipamentos para a brigada de combate aos incêndios.
“A primeira prestação de contas com a apresentação de relatórios técnico e financeiro pelo Instituto está prevista para o próximo mês”, informou. Ainda segundo a entidade, a brigada foi selecionada porque tem atuado no apoio ao combate a incêndios florestais, em parceria com o Corpo de Bombeiros, desde 2018.
O WWF manifestou indignação com a manutenção da prisão dos quatro brigadistas ligados às ONGs. Segundo a instituição, os integrantes da queimada fizeram denúncias contra os grileiros e os loteamentos que ameaçavam áreas de proteção ambiental de Alter do Chão, fornecendo para os investigadores informações e imagens das queimadas.
O WWF negou a compra de fotos vinculada a uma doação do ator Leonardo DiCaprio. “O fornecimento de fotos por qualquer parceiro da organização é inerente à comprovação das ações realizadas, essenciais à prestação de contas dos recursos recebidos e a destinação no âmbito dos contratos de parceria técnico-financeira”, informou.