Em meio à discussão sobre Fundo Amazônia, R$ 1,8 bi está parado
Ricardo Salles manifestou intenção de alterar as regras do Fundo Amazônia para poder usar o recurso para pagar indenizações
atualizado
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O problema da regularização fundiária em unidades de conservação, que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, planeja resolver com mudanças no uso do Fundo Amazônia, já conta com um dispositivo legal para o qual foram destinados nos últimos anos pelo menos R$ 1,8 bilhão.
Trata-se de recurso proveniente de compensação ambiental – valor definido durante o processo de licenciamento ambiental de grandes obras de infraestrutura a ser pago pelo empreendedor para compensar os eventuais danos que elas possam causar.
O mecanismo financeiro foi previsto na lei que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) para apoiar a implantação e a manutenção dessas unidades. E a prioridade de uso desse recurso é a regularização fundiária dos parques e florestas.
O valor, porém, está parado. E a câmara de compensação ambiental, criada para gerir esse recurso, teve seu comitê dissolvido após Salles assumir o ministério.
Em nota, a pasta disse que a câmara foi recomposta recentemente, que já houve uma reunião neste ano e que “ficou decidido que os recursos serão usados, em parte, para a regularização fundiária”. Mas não foi publicada no Diário Oficial esta nova composição nem está disponível a ata desta reunião. A página da câmara de compensação no site do Ministério do Meio Ambiente também está fora do ar.
Em resposta a um pedido de informações feito pelo Observatório do Clima via Lei de Acesso – e repassado ao Estado –, o governo afirmou logo na primeira linha que “não ocorreram reuniões desde novembro de 2018”.
O pedido foi encaminhado ao Ibama, que preside a câmara. O órgão informou que “com a troca de governo federal, por solicitação do Ministério do Meio Ambiente as reuniões foram suspensas para verificação da metodologia aplicada e recomposição do comitê”.
Na sequência disse que houve uma reunião extraordinária em maio, mas que até então (a resposta foi enviada na última sexta-feira, 7), “não existem atas de reuniões validadas para divulgação.” O valor de R$ 1,838 bilhão já destinado também foi informado na resposta.
Na prática, conforme apurou o Estado junto a funcionários do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – órgão que gere as unidades de conservação federais –, o sistema parou.
O fato chama a atenção em um momento em que o ministro Salles vem manifestando intenção de alterar as regras do Fundo Amazônia para poder usar o recurso para pagar indenizações a donos de propriedades privadas que vivam em áreas de unidades de conservação.
O fundo, alimentado essencialmente com recursos da Noruega (R$ 3,2 bilhões) e da Alemanha (R$ 200 milhões), foi criado para financiar, com recursos não reembolsáveis, projetos que produzam redução na emissão de gases do efeito estufa associados ao desmatamento da Amazônia. As regras atuais proíbem a indenização de proprietários de terra.
Além disso, a maior parte dos proprietários de terra que precisam ser indenizados está em unidades de conservação nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. É o caso, por exemplo, do Parque Nacional Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul, que foi palco de uma crise do ministro com servidores do ICMBio e que custou o cargo do então presidente, Adalberto Eberhard. Críticos à mudança apontam que não faz sentido usar dinheiro previsto para conter o desmatamento da Amazônia em outros biomas do País.
Dados do ICMBio obtidos pelo Estado apontam que dos 70 milhões de hectares (mha) de unidades de conservação de domínio público – ou seja, que não podem ter propriedade privada dentro –, menos de 10% (cerca de 6 mha) têm imóveis identificados como privados e que não foram indenizados.
“Na Amazônia, a maior parte das unidades de conservação está em terra pública. Quem está ali é irregular, grileiro ou posseiro, que alegam que não houve regularização fundiária, mas eles não têm título de propriedade. Por isso, alocar recurso para pagar, entre aspas, donos de terra na Amazônia, é pagar grileiro, porque eles não têm a propriedade da terra”, explica Cláudio Maretti, ex-presidente do ICMBio.