Em 8 meses, deputados não aprovam nem um projeto de proteção ambiental
Dados mostram que, apesar de embates entre parlamentares e o governo federal, entendimento de ambos é o mesmo quando assunto é meio ambiente
atualizado
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No centro de uma crise internacional, a conduta brasileira para preservação do meio ambiente não é um problema exclusivo do Palácio do Planalto. Em quase oito meses da atual legislatura, a Câmara dos Deputados não aprovou nem sequer um projeto de lei sobre o tema. Nos últimos cinco anos, os parlamentares chancelaram 35 textos do tipo. Especialistas criticam o que chamaram de “desleixo” com a área, considerada por eles uma das principais mazelas do país.
Os dados mostram que, apesar de embates recorrentes entre deputados e o governo federal, as questões ambientais não estão no centro das preocupações dos dois Poderes. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) desencadeou reações internacionais após declarações sobre o desmatamento na Amazônia. Alemanha e Noruega cortaram investimentos. França, Alemanha, Canadá, Irlanda e Inglaterra manifestaram preocupação.
A falta de prioridade deste Congresso em relação ao tema destoa de legislaturas anteriores. No ano passado, por exemplo, os deputados aprovaram cinco projetos com a temática ambiental. Em 2017, 10. Em 2016, 9. Em 2015, 5. Em 2014, 6. Os dados fazem parte de um levantamento do Metrópoles, com base na plataforma Resultados Legislativos da Câmara dos Deputados.
Nesse período, foram aprovados projetos para a diminuição do consumo da água, a alteração da Lei de Crimes Ambientais, a mudança no tratamento de resíduos de bifenilos policlorados (PCBs) – composto químico de cloro –, entre outros.
Para se ter dimensão dos efeitos das modificações legislativas, os deputados alteraram, por exemplo, o artigo 32 da Lei nº 9.605, de fevereiro de 1998, para aumentar a pena para atos de maus-tratos a animais.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a defender a criação de uma comissão para acompanhar o assunto e disse que uma proposta viável seria dividir recursos do fundo da Petrobras para educação para proteção da Amazônia. “Minha proposta para o combate às queimadas é efetiva”, ressaltou. Na pauta da Câmara, porém, não houve novos encaminhamentos.
O professor de ciências políticas da Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ) Marcus Ianoni acredita que o governo Bolsonaro e o Parlamento estão prejudicando a soberania nacional ao não se posicionarem de forma mais incisiva sobre a Amazônia e o ambiente. “Eles reclamam da ingerência estrangeira, mas não estão defendendo nosso território da degradação ambiental”, critica.
Para o acadêmico, uma das principais funções do Estado é o controle do território, que estaria sendo ignorada atualmente. “A soberania brasileira sobre o território, especialmente da Amazônia, está em risco, o que vem dando espaço de legitimação para a tutela estrangeira sobre a floresta. Hoje, a água e a biodiversidade são recursos estratégicos”, conclui.
O sócio-fundador do Instituto Sociedade, População e Natureza, Donald Sawyer, reclama das práticas públicas para o setor. Ele critica que alguns biomas típicos do Brasil, como o Cerrado, acabam esquecidos em meio aos embates políticos. “Sem Cerrado, por exemplo, temos a preocupação com a falta d’água, com os apagões, que são essenciais para os ciclos da sociedade, como a agricultura”, avalia.
Conforme ele ressalta, “É importantíssimo ter atenção aos biomas. Todos eles. A Amazônia é importante, mas o Cerrado também. Os governos estaduais estão se preocupando mais. É daí que vêm algumas luzes. Mas, de uma forma geral, a situação está ruim”, finaliza.
Crise
Os assuntos relacionados ao meio ambiente centralizam uma série de desgastes recentes do governo Bolsonaro. O entrevero começou após o presidente discordar de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre desmatamento na Amazônia. O caso terminou em demissão do então chefe da entidade, Ricardo Galvão.
Com o agravamento da crise, personalidades e líderes mundiais voltaram suas atenções para a conduta do presidente brasileiro. O pesselista acusa – sem provas – ONGs de queimarem a floresta para “falar mal” do governo.
Bolsonaro subiu o tom com declarações controversas e acabou perdendo investimentos de Alemanha e Noruega. Em menos de uma semana, o país deixou de receber R$ 287,6 milhões em recursos para a preservação do bioma.
O governo brasileiro não vê problemas no endurecimento da postura da Alemanha e da Noruega. O Ministério do Meio Ambiente sustentou, em nota, que os cortes são naturais. “A suspensão das doações é medida compatível com esse período de renegociação das regras de governança do fundo”, resume o texto.
Avanço do desmatamento
O mais recente levantamento do Instituto de Pesquisa Imazon aponta crescimento de 66% do desmatamento da Amazônia Legal em julho de 2019, em comparação com o mesmo mês de 2018. Os dados também mostram um aumento de 15% entre agosto de 2018 e julho de 2019. As queimadas aumentaram 80%, segundo o Inpe.
De acordo com o relatório, o desmate na Amazônia Legal no período de um ano foi de 5.054 quilômetros quadrados. A área equivale à quase totalidade do território do Distrito Federal.
O presidente assinou, nessa sexta-feira (23/08/2019), uma ação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) das Forças Armadas para combater incêndios na Amazônia. O problema, segundo ele, é a falta de recursos.