Decreto sobre cavernas subterrâneas ameaça áreas intocadas, alerta MPF
De acordo com subprocuradora, decreto editado por Bolsonaro coloca em risco “enorme potencial científico” em cavidades naturais subterrâneas
atualizado
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O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou contrário ao Decreto 10.935/2022, editado pelo presidente Jair Bolsonaro (OL). A legislação libera a exploração de cavidades ou cavernas naturais subterrâneas.
A Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (4CCR/MPF) afirma, em documento assinado pela subprocuradora-geral da República Julieta Albuquerque, que o decreto fragiliza a proteção dos espaços e ameaça áreas intocadas.
A subprocuradora solicita a adoção de “medidas de averiguação cabíveis contra o mencionado ato, inclusive de eventual ajuizamento de ação civil pública, com pedido de liminar, a fim de suspender a sua aplicabilidade”.
O documento também argumenta que o novo decreto fere o princípio do desenvolvimento sustentável da Constituição Federal.
As cavidades naturais subterrâneas representam ainda grande patrimônio espeleológico, como grutas, cavernas e outros.
Albuquerque destaca que os estudos destes espaços revelaram grande potencial científico, “desde a ação de bactérias em grande profundidade corroendo rochas calcárias até o abrigo de registros sedimentares únicos das variações ambientais ocorridas durante as últimas dezenas de milhares de anos, incluindo restos de animais extintos ou vestígios de ocupações pré-históricas”.
Legislação alvo de críticas
Anunciado pelo governo como um “aprimoramento” da legislação que trata dessas cavidades e que permite a “exploração responsável e “garante a preservação ambiental”, o decreto é apontado pela Sociedade Brasileira para o Estudo dos Quirópteros, que estuda e cataloga as espécies de morcegos no país, como uma ameaça.
A entidade afirma que as cavernas em áreas passíveis de licenciamento ambiental devem passar por um processo de classificação de relevância, com as classes máxima, alta, média e baixa relevância. E os impactos irreversíveis, caso de destruição, não eram permitidos nas consideradas de máxima relevância.
Já a Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) afirma que o decreto representa retrocesso à legislação espeleológica nacional. Veja a nota da entidade:
“A SBE reforça que não foi convidada para contribuir ou para integrar grupos de discussão acerca desta modificação substancial da legislação espeleológica brasileira. O Decreto Federal no 10.935/2022 foi produzido a portas fechadas, sem diálogo com a comunidade espeleológica e, claramente, mostra a interferência direta dos Ministérios de Estado de Minas e Energia e de Infraestrutura em uma matéria que é de interesse ambiental.
Esta interferência visa à facilitação de licenciamento de obras e atividades potencialmente lesivas ao patrimônio espeleológico nacional e que, geralmente, estão associadas a atividades de alto impacto social. Assim, a Sociedade Brasileira de Espeleologia considera inconstitucional o Decreto Federal no 10.935, de 12 de janeiro de 2022.
Reforçamos nosso total repúdio a este decreto e esperamos que o Governo Federal ouça a comunidade espeleológica, pesquisadores, pesquisadoras e as diversas instituições científicas que desenvolvem estudos nas cavernas brasileiras e que realmente podem contribuir para uma legislação espeleológica que, verdadeiramente, concilie o uso dos recursos que são essenciais para a nossa sociedade com a proteção deste patrimônio natural”.