Cerrado vê destruição avançar em meio à “priorização” da Amazônia
Especialistas avaliam com preocupação o aumento alarmante do desmatamento no Cerrado, e questionam legislação mais permissiva na savana
atualizado
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Apesar da recente redução nos índices de desmatamento na Amazônia, o mesmo não tem acontecido em outros biomas. O Cerrado, por exemplo, bateu recordes de destruição nos primeiros meses de 2023. O contraste entre as taxas acendeu um importante alerta sobre as atividades de fiscalização e políticas públicas voltadas para a preservação da vegetação nativa em território brasileiro.
Em maio deste ano, o índice de desmatamento na Floresta Amazônica teve uma queda de 10% em comparação ao mesmo período de 2022, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A mudança é resultado de esforços do atual governo voltados para o combate à derrubada da floresta, queimadas, garimpo ilegal e outras atividades criminosas na região da floresta.
Por outro lado, o Cerrado teve um aumento de 83% nos focos de destruição no mesmo período analisado. Foram mais de 87 mil hectares devastados somente no mês de maio, a maior área perdida no bioma nos últimos dois anos. No acumulado de 2023, o desmatamento chegou a 376 mil hectares, área que representa duas vezes e meia a cidade de São Paulo.
O desmatamento no Cerrado ultrapassou 118 mil hectares no mês de maio, um aumento de 35,2% em relação ao mesmo período em 2022, quando foram desmatados 87,7 mil hectares. Essa é a maior área de desmatamento registrada pelo sistema nos últimos 2 anos.
Veja o avanço no gráfico:
Especialistas consultados pelo Metrópoles avaliam que, além de retórica global focada na proteção da Floresta Amazônica, uma concentração de esforços federais na região durante o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e leis mais permissivas na savana brasileira podem explicar o contraste nos dados de destruição dos biomas.
Savana brasileira
O fundador e diretor-executivo do Instituto Cerrados, Yuri Botelho Salmona, destaca que apesar de um avanço em políticas ambientais no novo governo, ainda há um longo caminho a ser percorrido. É fundamental estabelecer medidas de enfrentamento para os demais biomas, além de compreender que a biodiversidade brasileira precisa ser preservada em todas as frentes.
“A Amazônia é a floresta tropical mais biodiversa do mundo, produz uma umidade super importante, ela é importantíssima, isso não deve ser esquecido ou ignorado. Mas, o Brasil e o mundo não se deram conta que o Cerrado não está atrás. Não dá para dar passos priorizando apenas um”, ressalta Salmona.
O Cerrado é fundamental para o equilíbrio hidrológico do país, e ganhou a alcunha de “berço das águas”. Apesar do clima semiárido e períodos de deficiência hídrica, as águas das chuvas penetram no solo e abastecem aquíferos e nascentes. Em menos da metade do tamanho da Amazônia, o segundo maior bioma brasileiro é composto por quase o mesmo número de regiões ecológicas.
“Todo o cuidado que for dado à Amazônia tem que ser dado em mesmo peso para o Cerrado. A água que corre pelo rio Amazonas nasce em cabeceiras do Cerrado. Não é inteligente, não é adequado, você não dar a mesma atenção para o Cerrado do que você dá para a Amazônia”, reforça o diretor do Instituto Cerrados.
O bioma é considerado a savana mais biodiversa do mundo, tendo sido duramente impactado pela expansão da fronteira agrícola. A destruição acelerada desse bioma ameaça espécies endêmicas – naturais dessa região, além de comprometer os serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação do clima e o abastecimento de água de diversas regiões do país.
“No Cerrado, por exemplo, a gente tem nascentes de várias principais bacias do Brasil que são importantes tanto para a parte de irrigação da agricultura, mas também para abastecimento de água nas cidades. Então, das 12 principais a bacias hidrográficas do Brasil oito estão no Cerrado”, declara Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Segundo os especialistas, o aumento do desmatamento no Cerrado em comparação com a destruição da Amazônia pode ser explicado porque a região savânica possui leis de combate e controle mais flexíveis.
Neste ponto, Yuri Salmona destaca a distinção da área de reserva legal em cada bioma. No Cerrado, o Código Florestal determina que 35% do imóvel privado seja destinado para manutenção da fauna nativa, já na Amazônia esse percentual chega a 80%.
O professor da Universidade de Brasília (UnB) Jorge Madeira Nogueira destaca que além de analisar imagens de satélites, o governo federal precisa adotar medidas compensatórias para produtores rurais que mantiverem a área de reserva legal além do mínimo legal.
“Há uma completa falta de criatividade em termos de pensar o que fazer para controlar o desmatamento. É necessário o pagamento por serviços ambientais, quem mantiver a vegetação nativa, vai ter um mercado para poder receber uma compensação por esses serviços ambientais, crédito rural para você recuperar áreas degradadas, em particular áreas de pastagem”, destaca Jorge Nogueira.
Plano de preservação
O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi criado em 2004 e teve grande sucesso na redução na destruição da vegetação nativa da Amazônia brasileira. O projeto foi relançado em 2023 com a promessa de repetir os mesmos feitos da primeira gestão Lula e Marina Silva (Rede), no comando do Ministério do Meio Ambiente.
A ministra declarou que também irá desenvolver um plano de ação para os demais biomas brasileiros e um dos primeiros a ser beneficiado será o Cerrado. Contudo, ainda não há um texto final para tal projeto. De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o PPCerrado teve a sua primeira reunião em 14 de junho a expectativa é lançar o programa em setembro deste ano.
O Ministério do Meio Ambiente informou que a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) trabalhou para desmontar a política ambiental brasileira e que está tentando reestruturar a pasta e a expectativa é de que novos planos de ação e controle tanto do desmatamento como também das queimadas.
A expectativa da equipe técnica da ministra Marina Silva é lançar ainda este ano o Plano de Ação para o Manejo Integrado do Fogo no Bioma Pantanal. Entretanto, o Ministério do Meio Ambiente não informou que a alguma ação relacionada para conter o desmatamento na região.
O professor Jorge Nogueira ressalta que faltam iniciativas para impedir o avanço do desmatamento em todo o Brasil. “Continuamos fazendo mais do mesmo e o atual governo tem mostrado até agora criatividade zero para apresentar alternativas interessantes para que seres humanos não desmatem.”
Fiscalização
O Ibama informou ao Metrópoles que tem intensificado a fiscalização contra o desmatamento ilegal no Cerrado nos cinco primeiros meses deste ano. Além disso, tem intensificado medidas de controle, como multas e apreensão de equipamentos.
“A fiscalização no Cerrado de janeiro a maio resultou em alta de 16% dos autos de infração, de 37% dos embargos, de 29% das apreensões e de 38% da destruição de equipamentos usados em crimes ambientais na comparação com a média para o mesmo período nos últimos quatro anos”, afirmou o órgão por meio de nota.
Confira explicação do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, sobre a atuação do órgão:
Além disso, o Ibama destacou que enviou notificação para os estados para que enviassem os dados de todas as autorizações de supressão de vegetação nativa emitidas nos últimos quatro anos.
Avanço do agro
Segundo o Ipam, a região mais afetada pelo desmatamento no Cerrado é o Matopiba, formado pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, área apontada também como responsável pelo avanço da fronteira agrícola do bioma.
Com a necessidade de abertura de novas áreas para plantio, o Matopiba recebe autorização dos órgãos estaduais ambientais para o chamado desmatamento legal, que favorece a manutenção de um cenário negativo.
“Mais da metade do desmatamento no Cerrado hoje acontece na região do Matopiba, região onde intensificou a expansão agrícola nas últimas duas décadas, pelas características climáticas de solo e também pela expansão dessa agricultura intensiva para plantio principalmente para soja, milho e algodão”, explica Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas e pesquisadora do Ipam.
Para Julia Shimbo, além do governo federal, as gestões estaduais e municipais devem intensificar o trabalho para combater o avanço do desmatamento nessas áreas.