Brumadinho: contaminação da água está 20 vezes acima do permitido
Dois meses após a tragédia, ainda existe a possibilidade de rios morrerem em razão da quantidade de dejetos
atualizado
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Quase dois meses depois do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), o Rio Paraopeba ainda registra índices de turbidez (que é a turvação da água) quase 20 vezes acima do limite permitido pela legislação.
Segundo Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), o Paraopeba tornou-se um depósito de rejeitos de minério de ferro. A elevada turbidez reduz a transparência da água por causa das partículas sólidas em suspensão, que impedem a propagação da luz e dificultam a oxigenação.
Nas medições dos últimos dias, a turbidez registrada no Paraopeba, no trecho mais afetado pela descarga de rejeitos, em Brumadinho, foi de 1.800 NTU (do inglês Nephelometric Turbidity Unit), 18 vezes acima do limite de legal: 100 NTU.
Nos 60km seguintes do rio, até o município de Esmeraldas, a turbidez varia de 400 a 1.000 NTU, de quatro a 10 vezes acima do limite permitido. Apesar de altos, os índices já são bem menores do que o pico registrado no dia seguinte ao rompimento da barragem, em 25 de janeiro, que foi superior a 80.000 NTU (800 vezes acima do permitido).
O rompimento da barragem despejou cerca de 12 milhões de metros cúbicos de lama no Córrego Ferro-Carvão (conhecido como Córrego do Feijão entre os moradores da região), que, por sua vez, os esparramou no Paraopeba. Foi tanta lama que trechos do rio, onde a profundidade variava entre 2m e 3m, ficaram completamente soterrados, sobretudo perto da confluência com o córrego.
Segundo Camargo, o Paraopeba provavelmente irá manter índices de 200 a 300 NTU em vários trechos por muito tempo, principalmente nos períodos chuvosos, por causa da massa de rejeitos já despejada nele e pelo fluxo contínuo que ainda desce pelo Córrego Ferro-Carvão.
O estrago no manancial também é gigantesco. Cerca de 10km do Ferro-Carvão foram completamente destruídos e serão de dificílima – se não impossível – recuperação, tal como ocorreu com o Rio Gualaxo do Norte no desastre da barragem da Samarco, em 2015, em Mariana (MG).
Confira imagens da tragédia:
O Gualaxo foi o primeiro rio a receber a carga de rejeitos da Barragem de Fundão (antes do Rio Doce) e, hoje em dia, se assemelha a um valão. No caso do Córrego Ferro-Carvão, a avalanche de lama devastou porções significativas de Mata Atlântica que ocupava suas margens, levando junto a fauna local.
Diferenças
Os peritos já sabem também que os rejeitos de minério de ferro da barragem da Vale têm características distintas do rejeito que estava no reservatório da Samarco. O rejeito da Vale tem capacidade de sedimentação muito mais elevada, o que indica que uma grande quantidade de lama deverá ficar depositada no fundo do rio.
Já o rejeito da Samarco tinha uma fração maior, que praticamente não sedimentava, ficando dispersa como coloide (uma espécie de gelatina) nas águas do Rio Doce e nos demais cursos afetados pelo vazamento.
Uma das hipóteses em estudo pelos peritos é que tal diferença pode ser explicada por variações no processo produtivo da mina e geração dos rejeitos, além do tempo de existência da barragem da Vale (começou a ser construída em 1976 enquanto a da Samarco era de 2008).
Segundo Marcos Camargo, havia em torno de 48% de teor de ferro no rejeito armazenado na barragem da Vale. É considerado um índice tão alto que, antes do desastre, a mineradora tinha planos de fazer um reaproveitamento econômico do material, antes da desativação (ou descomissionamento) da barragem.
O monitoramento da turbidez nos rios está sendo feito com mais precisão neste desastre. A Polícia Federal tem acesso a imagens de satélite com um mecanismo de bandas especiais. Com isso, é possível mapear a distribuição do rejeito ao longo do Rio Paraopeba, diferenciando o sinal emitido pelos sedimentos em relação ao material original presente na água e no fundo do rio.
Os peritos investigam também se a lama já chegou à Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, o último obstáculo antes da usina de Três Marias, ponto de encontro entre os rios Paraopeba – por onde a lama está se deslocando – e o São Francisco.
Eles acreditam que a represa de Retiro Baixo, a cerca de 300km do local do rompimento, deverá reter bastante material, atrasando a propagação da lama por cerca de dois meses, antes de chegar à represa de Três Marias, já no São Francisco.
Quando chegar ao interior da represa, em razão da grande extensão e profundidade do reservatório, o tempo de permanência da lama está estimado em mais de um ano. A partir de então, o restante do Rio São Francisco, a jusante (parte baixa) da represa estaria sob risco de contaminação pelos rejeitos.