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Brasil vira terra livre para agrotóxicos proibidos na Europa e nos EUA

Um dos agrotóxicos autorizados pelo Ministério da Agricultura é suspeito de causar malformações em fetos. Anvisa recomendou o banimento

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Atividade agrícola no Brasil (agronegócio)
1 de 1 Atividade agrícola no Brasil (agronegócio) - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Muitos agrotóxicos proibidos em países da União Europeia (UE), nos Estados Unidos (EUA), e no Reino Unido são liberados no Brasil. Somente no último dia 26, ato do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) autorizou o registro de 26 novas marcas dos químicos. Um deles, inclusive, passa por reavaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que pode proibir seu uso. O fungicida se chama carbendazim e é suspeito de provocar malformações em fetos e está associado ao desenvolvimento de câncer.

Além do carbendazim, muito usado em plantações como as de soja, feijão e arroz, os agroquímicos imidacloprido e tiametoxam estão liberados no Brasil. Os três são proibidos na UE. O imidacloprido é vedado nos EUA desde 2010. O governo ainda concedeu registro a marcas de agrotóxicos à base de acetamiprido, banido na França, e de epoxiconazol, vetado na França e no Reino Unido.

Desses princípios ativos, o imidacloprido, o tiametoxam e o acetamiprido foram banidos por esses países por prejudicarem a atividade de insetos polinizadores, como as abelhas. Os dois primeiros foram proibidos na UE, em 27 de abril de 2018, e o último, na França, em 1º de setembro de 2018. Já o fungicida epoxiconazol está relacionado com problemas hormonais nos humanos e foi vetado na França, em 28 de maio de 2019.

A agrônoma Marina Lacôrte enxerga um lobby “pesadíssimo” dos ruralistas. Ela afirma que a Anvisa tem liberado números exorbitantes de agroquímicos desde a nomeação da ministra Tereza Cristina (PP-MS) para o Mapa, em 2019. Naquele ano, 474 novos pesticidas foram registrados, número recorde até aquele momento. Esse total, porém, foi superado nos dois anos seguintes: 493 (2020) e 562 (2021).

Um relatório da ONU critica a indústria e aponta “táticas agressivas e antiéticas” das grandes empresas químicas que produzem e vendem as substâncias tóxicas. Segundo publicado em revista da Unesp, a comercialização de defensivos agrícolas movimenta cerca de US$ 10 bilhões por ano no Brasil, algo em torno de 20% do mercado global. 

O Ministério da Agricultura afirma que “as decisões em relação aos registros de agrotóxicos estão em concordância com a Lei 7.802/89 e não seguem necessariamente as mesmas decisões tomadas por países terceiros”. Pontua ainda que “todos os produtos citados foram avaliados e aprovados pelos três órgãos competentes ao tema (Mapa, Anvisa e Ibama), de forma que são considerados seguros”. 

A pasta salienta que recebe as aprovações referentes à saúde, da Anvisa, e ao meio ambiente, do Ibama, e frisa que “não pode indeferir o registro de um produto que foi avaliado como seguro pelos órgãos participantes do processo de registro”, como no caso do carbendazim.

Agrotóxicos são produtos de ação física, química ou biológica que servem para alterar a composição química da flora e da fauna, a fim de preservar a cultura implantada na área cultivada, além de atuarem no armazenamento do que foi colhido. 

Engenheira agrônoma e professora da Universidade Católica de Brasília, Fabiana Fonseca explica que a natureza do plantio em larga escala brasileiro, principalmente em monocultura (uma única espécie implantada na área por vez), facilita o surgimento de pragas. Daí, faz-se necessária a adoção de métodos para combate. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 40% da produção de alimentos é perdida, anualmente, por causa de pragas.

Apesar de os agroquímicos terem o objetivo de melhorar o aproveitamento da produção, eles deixam resíduos que podem ser tóxicos, em maior ou menor grau, nos alimentos. Os efeitos podem ser agudos e crônicos. 

O primeiro tipo aparece mais rapidamente, e costuma causar sintomas como irritação na pele, ardência no nariz e boca, tosses, dor no peito, dificuldade para respirar, até mesmo náuseas, vômitos e diarreia.

Os efeitos crônicos envolvem desde dificuldades para dormir e esquecimento até anormalidades em órgãos, sistema reprodutor e hormonal (caso do epoxiconazol), malformação em fetos (como no caso do carbendazim) e problemas de desenvolvimento físico e intelectual em crianças.

No ponto ambiental, a agrônoma e porta-voz da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace, Marina Lacôrte, explica que o uso de defensivos agrícolas causa contaminação da água, do solo e do ar, o que degrada o solo e acaba matando, além das pragas, outros animais do ecossistema. Muitas vezes, predadores naturais de outras espécies, o que gera desequilíbrio e pode causar mais problemas com pragas novas. 

Outro exemplo em que o uso de agrotóxicos é um “tiro no pé” do setor produtivo do agro, segundo a agrônoma, é a morte de abelhas. Inseticidas aplicados para combate a outros insetos matam abelhas, animais primordiais para a polinização da própria plantação, motivo de banimento do imidacloprido, tiametoxam e acetamiprido da UE.

Omissão do governo

Marina aponta que os governos brasileiros sempre foram omissos e coniventes com o agronegócio – e aqui ela enfatiza que não se deve confundir a agricultura familiar, a agroecológica e a de pequenos produtores com a monocultura de latifúndios, que concentra a maior parte do capital e da produção das commodities.

A profissional avalia, porém, que desde 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, houve desmonte no Ministério do Meio Ambiente muito mais acentuado, bem como emparelhamento dos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e da Saúde com os interesses do agronegócio.

Outra agricultura

A agrônoma do Greenpeace Marina Lacôrte avalia que o modelo atual de agricultura, de grandes propriedades, concentração de terras e uso intensivo defensivos, foi intencionalmente definido. “O Brasil escolheu ser o celeiro do mundo. Não para alimentar o mundo, mas para dar lucro.” Com isso, o governo dá alguns fomentos, como crédito, incentivos fiscais e subsídios. 

Ela explica que há modelos alternativos interessantes, como os adotados em pequena escala pela agricultura familiar e pela agroecologia. Nesses casos, o manejo evita os insumos industrializados e prioriza os naturais. 

Marina defende que uma reforma agrária é pauta interessante para o capitalismo, pois ela garante a segurança alimentar da população. Isso porque a maior parte dos alimentos que são servidos à mesa das pessoas advém de pequenos produtores rurais. Parcela significativa das grandes lavouras brasileiras cultiva a rotação das monoculturas de soja e milho, que são exportados em grãos ou têm destino na alimentação animal.

A professora Fabiana Fonseca aponta que métodos alternativos de cultivo mais sustentável são pouco adotados por terem custo maior, exigirem mais tempo e produzirem menor volume, como é o exemplo dos produtos orgânicos, bem comuns nos cultivos de hortaliças.

A agrônoma do Greenpeace reconhece, apesar de tudo, que uma mudança para um modo de cultivo econômico, ambiental e socialmente sustentável deve ser gradual, com transição que, aos poucos, vai deixando de adotar agroquímicos.

A reportagem solicitou posicionamento do Ministério do Meio Ambiente sobre o assunto, mas, até o momento, não obteve resposta. O espaço segue aberto.

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