Brasil não está pronto para mercado de carbono, avaliam especialistas
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles dizem que decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) pode causar insegurança jurídica
atualizado
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O presidente Jair Bolsonaro (PL) editou, em maio, um decreto federal com medidas básicas para regulamentar o sistema de carbono no Brasil. No entanto, especialistas ouvidos pelo Metrópoles avaliam que a medida unilateral pode não favorecer o mercado e acabar tendo o efeito contrário ao desejado – gerando mais insegurança jurídica.
O mercado de carbono foi estabelecido em 1997, durante reuniões em Kyoto, cidade japonesa. Na ocasião, os países países signatários da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) assinaram um acordo com metas de redução das emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa em 5,2%.
O decreto publicado no Diário Oficial da União (DOU) define normas do mercado de crédito de carbono no país. O objetivo é estabelecer métodos para a criação de planos setoriais de mitigação de mudanças climáticas para diferentes setores da economia. A medida visa atender os países e as empresas que necessitam compensar emissões de gases com compromissos de neutralidade de carbono.
O crédito de carbono é a moeda do mercado de carbono. Cada uma tonelada não emitida gera um crédito. Dessa forma, quando um país consegue reduzir a emissão dessa tonelada, recebe uma certificação emitida pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
Após o certificado, o país fica livre para comercializar os seus créditos com países que não alcançaram suas metas de redução das emissões.
Em 2010, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sancionou a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), a qual determina por meio do artigo terceiro o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), que estimula o desenvolvimento desse setor.
Durante a live semanal do presidente Jair Bolsonaro (PL), a secretária especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia, Daniella Marques, afirmou que o Brasil poderá lucrar mais de US$ 100 bilhões com o mercado de carbono até 2030.
Contudo, a especialista em política climática do Observatório do Clima, Stela Herschmann, afirma que o Brasil fala em números super inflacionados. “Então, hoje, o Brasil não está em rota para ser esse maior fornecedor mundial de créditos. Ele está em rota para comprar créditos”, diz Herschmann.
Dados do Observatório do Clima indicam que a emissão de gases do efeito estufa cresceu 9,5% em 2020 na comparação com o ano anterior. O desmatamento na Amazônia é o principal responsável por esse aumento.
Em nota, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) afirmou que a regulamentação do mercado de carbono por meio de um decreto presidencial poderá provocar insegurança jurídica. “Um marco regulatório por decreto não possui a previsibilidade e estabilidade necessárias para incentivar os investimentos de longo prazo necessários ao processo de descarbonização e pode, inclusive, inibir as ações que
já estão sendo feitas pelo setor produtivo”, declarou o colegiado.
A presidente do CEBDS, Marina Grossi, afirma que o Brasil tem um grande potencial para ser fornecedor de crédito de carbono do mundo, contudo, deve investir primeiro nesse meio. “O movimento do setor empresarial a favor do mercado de carbono é muito relevante porque são as próprias entidades que serão reguladas dizendo que querem ser reguladas. As empresas identificam uma oportunidade para ter mais competitividade”.
Herschmann acredita que o país precisa, antes de tudo, investir em atividades que possam combater o desmatamento ilegal e conter os ataques a terras indigenas.
“A gente tem visto realmente mudanças e retrocessos muito importantes, com garimpo nas terras indígenas e a credibilidade do Brasil, principalmente com o ataque dos direitos humanos, dos povos tradicionais, ela pode, inclusive, ser uma barreira, um entrave para o Brasil participar desse mercado regulado que está sendo desenhado no âmbito da ONU”, explica a especialista do Observatório do Clima.
Segundo dados do Imazon, o desmatamento no Brasil cresceu 29% em 2021, com 10.362 km². Em uma onda de aumentos, 2020 já havia registrado a maior área já desmatada desde 2012, com 8.096 km² de floresta destruídos.
Dados do IHS Markit Global Carbon indicam que no final de 2020 os três maiores mercados futuros globais de carbono, Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul, já valiam cerca de US$ 260 bilhões. Em 2021, estima-se que essa iniciativa movimentou US$ 25 milhões no Brasil, o equivalente a 17 milhões de toneladas de carbono convertidos em créditos.
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