Altamira (PA) é a cidade que mais desmata na Amazônia. Veja ranking
Área desmatada detectada entre os anos de 2013 e 2018 da cidade paraense foi de 1,9 mil quilômetros quadrados
atualizado
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Altamira, no Pará, é o município brasileiro que registrou as maiores áreas de desmatamento da Amazônia Legal nos últimos sete anos. Neste ano, a situação se mantém igual, com o município ostentando as maiores áreas de derrubada de florestas tropicais no país. Os dados fazem parte de estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações.
A cidade, situada no sul do estado, tem se destacado nos noticiários ao longo das últimas semanas. Além do massacre, que resultou na morte de 62 pessoas em um presídio, Altamira figurou como a segunda cidade mais perigosa do país, segundo estudo Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com uma taxa estimada de 133,7 assassinatos a cada 100 mil habitantes.
“Altamira é o exemplo clássico de tudo que pode dar errado em uma cidade”, avalia Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas da Violência. O economista ainda estabelece, com base em estudos, uma possível relação entre desmates e assassinatos: “Nas cidades brasileiras onde têm mais desmatamentos são onde têm maiores níveis de homicídios”, relatou.
A área desmatada detectada entre os anos de 2013 e 2018 na cidade paraense foi de 1,9 mil quilômetros quadrados, ou seja, 5,43% de todo o desmatamento que ocorreu na Amazônia no período. Porto Velho, capital de Rondônia, aparece logo em seguida, com cerca de 1,8 mil quilômetros quadrados (5,09%).
Confira o ranking:
Como comparação, a área desmatada em Altamira é superior ao tamanho da cidade de São Paulo. A capital paulista, segundo dados do IBGE, tem uma extensão territorial de 1,5 mil quilômetros quadrados.
Em 2019, inclusive, os números seguem em alta. Dados do Deter-B, sistema de observação por satélite em tempo real do Inpe, revelam que Altamira já teve uma área de desmate de 353,5 quilômetros quadrados de janeiro a julho deste ano. O número, no entanto, não representa um dado definitivo, como ressalta o próprio instituto. Há outros componentes que entram na avaliação final do Inpe.
Apesar de parcial, a área detectada pelo instituto nos primeiros sete meses deste ano é próxima ao registrado em todo o ano de 2018, quando a cidade teve o maior nível de desmatamento: 433,3 quilômetros quadrados. Um ano antes, o número foi praticamente a metade, ou seja, 219,1 quilômetros quadrados.
As áreas com alerta de desmatamento em toda a Amazônia Legal, que inclui nove estados, tiveram 4,6 mil quilômetros quadrados desmatados nos primeiros meses de 2019. O destaque é para o mês de julho, quando houve um aumento de 278% na comparação com o mesmo mês de 2018. Altamira também registrou uma alta de 255% ao comparar os dois meses.
Polêmicas no Inpe
A cúpula do atual governo teceu duras críticas aos dados do Inpe. Além do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), e do vice, Hamilton Mourão (PRTB), os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, já atacaram a forma como o instituto identifica o nível de desmate.
Na semana passada, o ex-diretor do instituto, Ricardo Galvão, foi exonerado – com aval de Bolsonaro – pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes. O líder do Executivo desaprovou Galvão por diversas vezes e chegou a dizer que o diretor agia a “serviço de alguma ONG”. A confusão teve início com a publicação de um estudo da entidade que apontava aumento de 88% no desmatamento na região neste ano.
Professor de Sensoriamento Remoto da UnB, Gustavo Baptista avalia que o aumento no nível de desmate na Amazônia Legal é fruto, sobretudo, da política ambiental propagada pelo governo. O especialista explica que o problema do desmatamento sempre existiu, mas agora a situação teve uma piora, que ficou demonstrada pelo aumento em relação a 2018.
“Desmatamento sempre existiu, mas o que os dados do Deter-B do Inpe vem destacando é um aumento das taxas em relação ao ano passado. Isso era de se esperar, pois com uma política ambiental mais voltada para o agronegócio e para a mineração e com menos enfoque na fiscalização, os desmatadores não se sentem intimidados e ampliam sua atuação”, avalia.
O Deter-B, relatado pelo professor, é um dos sistemas de monitoramento do Inpe que vigiam a Amazônia Legal. Os alertas são concedidos em tempo real e orientam ações mais urgentes de fiscalização. Outro sistema do instituto é o Prodes. Este é divulgado uma vez ao ano e serve de suporte para o planejamento de políticas de longo prazo na floresta. Segundo Baptista, o alarme deverá ser ainda maior.
“Quando saírem os dados do Prodes, esses números deverão ser de 20 a 30% maiores. Ou seja, não é da noite para o dia que os índices crescem, mas é reflexo de uma postura governamental que quase extinguiu o Ministério do Meio Ambiente”, avalia o professor, que é mestre em tecnologia ambiental e doutor em geologia.
Além de desmatada, violenta
O segundo município mais violento do Brasil é o mesmo que tem os maiores números de desmate da Amazônia. Altamira registrou 149 homicídios em 2017. Com isso, o município teve uma taxa estimada de 133,7 assassinatos por 100 mil habitantes. A cidade paraense perde apenas para Maracanaú, no Ceará, com taxa de 145,7/100 mil.
Dentro de um período de seis anos, Altamira quase que dobrou o número de homicídios, ao mesmo tempo em que a população permaneceu praticamente a mesma. Se em 2012, a cidade de 102 mil habitantes registrou 79 homicídios, em 2017, com apenas nove mil habitantes a mais, foram registrados 149 assassinatos, um recorde.
Em comparação com o país, os números de Altamira são absurdos. Não muito significativa, a taxa de homicídios a nível nacional quase não aumentou. Em 2012, o Brasil registrava 29,4 homicídios por 100 mil habitantes. Em 2017, foram 31,6/100 mil.
Assim, Altamira está entre os 2,1% das cidades que concentram 50% de todos os assassinatos do país. Isso quer dizer que 32.801 mortes ocorridas em 2017 se aglomeraram em 120 municípios. Cidades das regiões Norte e Nordeste tiveram um crescimento considerável no número de mortes. As duas regiões comportam 18 das 20 cidades mais violentas do país.
Os números são do Atlas da Violência – Retrato dos Municípios Brasileiros 2019, divulgados no início da semana. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) analisou, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 310 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes em 2017 e fez um recorte regionalizado da violência no país.
Coordenador do Atlas da Violência, Daniel Cerqueira descreve Altamira como o “exemplo clássico de tudo que pode dar errado em uma cidade”. O economista do Ipea indica ao menos quatro pontos que podem explicar o elevado número de assassinatos na região. São eles:
- Estrutura etária: cidades da região Norte, como Altamira, não passaram pelo processo de envelhecimento que passa o restante da população. Logo, dados do Atlas mostram que jovens entre 15 e 19 anos são, ao mesmo tempo, os que mais morrem e que mais matam.
- Desenvolvimento humano: baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) resultam em alta taxa de homicídio. Segundo IBGE, Altamira tem IDH de 0,665. Já São Paulo (SP), cidade que registrou a menor taxa entre as capitais (13,2/100 mil), tem IDH de 0,805.
- Rota do tráfico: a partir do ano 2000, explica Cerqueira, houve uma mudança no padrão do narcotráfico no país. Traficantes sul-americanos passam pelo Brasil para transportar as drogas até a Europa. Altamira está dentro dessa rota, onde ocorre uma série de brigas entre facções criminosas.
- Política pública: situações desagradáveis podem ser resolvidas com boas políticas públicas. Caso contrário, os índices podem piorar. É o caso de Altamira. A cidade foi palco de grandes obras, como a construção da Usina de Belo Monte, que causou impactos ambientais e uma revolta na população local.
Menos de uma semana antes da divulgação do Atlas da Violência, Altamira foi palco de massacre que deixou 58 detentos mortos. A rebelião foi resultado de uma disputa entre duas facções criminosas: Comando Classe A (CCA) de um lado e filiados do Comando Vermelho (CV) de outro. No dia seguinte, outros quatro presos foram assassinados quando estavam sendo transferidos.