“Matar bebês dentro da barriga não é normal”, diz secretário da Saúde
Declaração foi dada durante a audiência pública que discute o manual do Ministério da Saúde para atendimento em casos de aborto
atualizado
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O secretário de Atenção Primária à Saúde do governo federal, Raphael Câmara Parente, afirmou, nesta terça-feira (28/6), que “matar bebês de 7, 8, 9 meses dentro da barriga” não é normal.
A declaração foi dada durante a audiência pública que discute o manual do Ministério da Saúde para atendimento e conduta de profissionais em casos de aborto.
O tema ganhou repercussão na última semana, após a publicação do documento elaborado pela equipe de Câmara. O texto recebeu críticas de grupos de ativistas e defensores da saúde materna, por anunciar que “todo aborto é um crime” e por enfatizar, em diferentes trechos, a posição “pró-vida” do governo federal.
Nesta terça, o secretário criticou os comentários negativos sobre o documento. Ele citou um artigo que lista benefícios legais, éticos e emocionais da assistolia fetal (procedimento que induz o óbito do feto) em situações especiais.
“Peguei algumas críticas feita em relação ao nosso manual – algumas interessantes, outras não. Isso, como obstetra, não dá. Essa sociedade que acha que é normal matar bebês na barriga com 7, 8, 9 meses. Não quero fazer parte dessa sociedade. Em nenhum momento a gente falou em benefício de saúde. Sabe por quê? Não tem. Mostrei diversos artigos dizendo que há o ‘feticídio’, o termo que a gente utiliza. Ele não melhora a progressão do procedimento de interrupção da gravidez”, pontuou Câmara.
De acordo com o médico, “não há justificativa médica” para a realização do procedimento. “Em relação aos benefícios emocionais, não há. Legais, não consigo nem dizer o que seria um benefício legal. Dizer que há benefícios éticos em se matar um bebê viável dentro da barriga, não consigo entender”, disse.
Questão de saúde pública
O secretário contestou a teoria de que o aborto constitui um problema de saúde pública no Brasil. Ele mencionou outros problemas que motivam mortes maternas, como hemorragias e infecções — que podem ou não ocorrer em procedimentos de interrupção da gravidez.
“A gente precisa discutir o que é um grave problema de saúde pública. Se você interpretar qualquer doença que provoca morte como um grave problema de saúde pública, ok. Há milhares e milhares de doenças que entrariam nessa classificação”, argumentou.
Câmara continuou: “Muitas das mulheres que morrem por aborto morrem por hemorragia, por não ter acesso adequado a uma maternidade. Com isso, a gente vai resolver – não como foi durante anos, que só se falava sobre aborto, aborto, aborto, e não sobre infecção, hipertensão, que é o que realmente mata as mulheres no nosso país”, disse.
Conhecido por suas opiniões antiaborto, o médico defende que, a depender da idade gestacional, o procedimento ideal seria um parto, a fim de que a criança fosse encaminhada para a adoção. Segundo Câmara, levar a gravidez indesejada a termo não faria diferença para a mulher vítima de violência. O secretário afirma ainda que o aborto ilegal não deve ser considerado um problema de saúde pública.
Entenda o caso
A publicação Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento recomenda o acolhimento e a orientação de gestantes sob a assistência de equipe multidisciplinar. O guia foi elaborado pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Saps), comandada pelo ginecologista Raphael Câmara Medeiros Parente.
O texto defende a premissa de que “todo aborto é um crime”, e as situações previstas em lei que permitem a adoção do procedimento são “excludentes de ilicitude”, em que a punição não é aplicada.
No entendimento da pasta, além de gestações e partos sem risco, destaca-se, na página 12, a importância da “maximização da obtenção de crianças saudáveis, sem a promoção da interrupção da gravidez como instrumento de planejamento familiar”.
O capítulo 3, intitulado Aspectos ético-profissionais e jurídicos do abortamento, pontua que o Estado brasileiro firmou, há mais de 30 anos, acordos globais que recomendam a “prevenção de abortos de qualquer forma com o intuito de fortalecer famílias e crianças, protegendo a saúde de mulheres e meninas”.
“No âmbito do direito civil, até mesmo os direitos patrimoniais do nascituro são assegurados. Não haveria lógica em garantir o direito ao patrimônio sem assegurar o direito pressuposto, qual seja o direito a nascer”, segue o manual, que define a legislação brasileira sobre o tema como “moderada”.
A argumentação reforça o posicionamento contrário à prática, reafirmado continuamente pelo governo federal e utilizado como bandeira de campanha. Um dos mais frequentes porta-vozes da posição é o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
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