Marielle: avanço inicia nova era de combate ao crime organizado no Rio
Inquérito da Polícia Federal (PF) aponta ligação de irmãos Brazão, presos nesse domingo (24/3), com grilagem no Rio de Janeiro
atualizado
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A Polícia Federal (PF) cumpriu três mandados de prisão preventiva nesse domingo (24/3), no Rio de Janeiro, relacionados à morte da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ) e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018. Além dos assassinatos, a investigação aponta que Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa teriam envolvimento com o crime organizado na capital fluminense.
Domingos Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), Chiquinho Brazão é deputado federal (foi expulso por unanimidade pelo União Brasil na noite deste domingo) e Rivaldo Barbosa era chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro. O Ministério Público Federal (MPF) indica que os três são autores intelectuais do crime.
O grupo foi preso após Ronnie Lessa, ex-policial militar do Rio, apontar Domingos e Chiquinho Brazão como idealizadores da morte da vereadora. Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a delação premiada do militar, que desdobrou na operação deste domingo.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou, em coletiva no domingo, que o fim da investigação da morte de Marielle e Anderson poderá auxiliar a desvendar outros crimes.
“Tenho a impressão de que, a partir desse caso, nós podemos talvez desvendar outros casos, ou pelo menos seguir o fio da meada de um novelo cuja dimensão ainda não temos clara, mas essa investigação é a espécie de uma radiografia de como operam as milícias e o crime organizado no Rio de Janeiro, e como há um entrelaçamento inclusive com alguns órgãos políticos e alguns órgãos públicos”, frisou Lewandowski.
Ainda no domingo, os três presos passaram por audiências de custódia conduzidas pelo magistrado instrutor do gabinete do ministro, desembargador Airton Vieira, na Superintendência da Polícia Federal no Rio.
Os três estão presos em Brasília. Mas já foi decidido que cada um vai ficar em um presídio: Brasília, Campo Grande e Porto Velho.
Caso Marielle ajudou na investigação de outros crimes
A investigação dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes já ajudou a desvendar casos relacionados a outros crimes no Rio de Janeiro. A expectativa é que haja desdobramentos a partir de agora.
Em um caso já desvendado, Laerte Silva, infiltrado dos irmãos Brazão no PSol, foi condenado a 7 anos e 6 meses de prisão por envolvimento com organização criminosa que atuava em Muzema e Rio das Pedras. Ele foi alvo da Operação Intocáveis, um desdobramento do Caso Marielle em 2019.
O Ministério Público do Rio (MPRJ) também apresentou denúncia contra o ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Adriano da Nóbrega. Conhecido como capitão Adriano, ele era responsável por comandar o grupo paramilitar “Escritório do Crime”.
Adriano também chegou a ser suspeito da morte de Marielle. No entanto, no mesmo dia da execução da vereadora, o ex-capitão do Bope assassinou Marcelo Diotti da Matta, na Barra da Tijuca.
Milícia
O inquérito da Polícia Federal aponta o interesse de Chiquinho na aprovação do Projeto de Lei Complementar (PCL) nº 174/2016, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, mas o texto sofria represália por parte da bancada do PSol na Casa, em especial de Marielle Franco.
Chiquinho era vereador do Rio pelo MDB e Avante entre 2015 e 2019. O PLC de sua autoria tinha como objetivo regular terras em áreas dominadas pela milícia, como em Vargem Grande, Vargem Pequena, Itanhangá e Jacarepaguá. A redação, no entanto, foi aprovada pela Câmara em primeiro turno, em 26 de maio de 2017.
No mesmo ano, os irmãos Brazão infiltraram Laerte Silva de Lima no PSol para monitorar Marielle Franco. De acordo com a PF, a vereadora pediu para a população não aderir a novos loteamentos localizados em áreas de milícia.
A ideia de infiltrar Laerte na sigla de Marielle teria partido de Rivaldo Barbosa, então diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil e membro do grupo criminoso.
Jogo do bicho
A Procuradoria-Geral da República (PGR) indicou que Rivaldo Barbosa teria montado um esquema dentro da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro para fechar acordos ilegais com grandes contraventores a fim de encobrir crimes violentos ligados aos jogos ilegais.
O esquema criminoso de Barbosa foi confirmado pelo miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica. Enquanto estava à frente da Polícia Civil do Rio, o delegado Rivaldo Barbosa teria tentado colocar Curicica no centro do caso Marielle Franco.
Ainda de acordo com a PF, Rivaldo recebia dinheiro dos contraventores para não investigar homicídios praticados por eles. Com esse dinheiro, o ex-chefe da Polícia Civil teve aumento significativo no patrimônio, com a aquisição de vários imóveis.
O inquérito destaca ainda que as empresas da esposa de Rivaldo, Erika Araújo, eram utilizadas para lavagem de dinheiro do marido.
Outro ponto que indica a ligação de Rivaldo com o jogo do bicho é o assassinato de Marcos Vieira de Souza, o Falcon, em setembro de 2016. O delegado Brenno Carnevale afirmou em depoimento ter encontrado “dificuldades anormais para esclarecimento dos fatos”. Marcelle Souza, filha da vítima, acusa Rivaldo Barbosa de desaparecer com o processo.
Falcon era presidente da Escola de Samba Portela. A suspeita era a de que o crime teria sido encomendado em decorrência da disputa por espaço nas regiões dominadas pelo jogo do bicho.