Marco Temporal: e se STF e Congresso divergirem em suas decisões?
Enquanto é julgado no STF, o tema também tramita no Congresso. Entenda o que pode acontecer caso os dois Poderes tomem decisões diferentes
atualizado
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O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na semana passada o julgamento sobre o Marco Temporal. O mesmo tema é discutido no Senado Federal, onde tramita o Projeto de Lei (PL) 2.903/23, que trata sobre a demarcação de terras indígenas e será analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa.
Na última quinta-feira (31/8), os ministros da Suprema Corte voltaram a analisar o Marco Temporal, tese jurídica de que apenas as terras indígenas ocupadas até a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, poderão ser demarcadas.
Com o tema tramitando em dois Poderes diferentes, fica a dúvida: o que acontece no caso de o STF e o Congresso aprovarem entendimentos distintos?
O advogado e professor de direito constitucional, mestre em direito pela Universidade de São Paulo (USP), Antonio Carlos de Freitas Junior explica que, caso o texto seja aprovado no Senado antes do julgamento no STF, “a lei passará a valer plenamente para todos”.
“Se aprovada antes da finalização do julgamento pelo STF, a discussão na Corte se tornaria inócua, pois se baseia justamente na falta de lei sobre o tema”, diz o especialista.
Segundo Freitas, mesmo após uma decisão do STF, o Legislativo ainda pode aprovar uma lei sobre o tema, concordando ou não com a decisão da Suprema Corte.
“Assim, pode haver o movimento chamado ‘recalcitrância’, quando o Congresso aprova lei contrariando o entendimento do Supremo, fazendo com que o tribunal se manifeste novamente sobre o tema, desta vez sobre a constitucionalidade da lei”.
O doutor em direito constitucional pelo IDP/DF, Acacio Miranda da Silva Filho, vai na mesma linha e diz: “Caso os senadores proponham e apresentem algo diverso daquilo que é discutido no STF, portanto uma solução jurídica distinta, valerá o que se estabelece no Senado”.
No entanto, o advogado acredita que a tendência seja outra: “Diante do cenário atual, a tendência é de que o Supremo não aplique o Marco Temporal e consequentemente o projeto do Senado se tornará natimorto”.
Freitas ainda explica outra possibilidade: no caso de o projeto de lei ser aprovado no Senado, a Suprema Corte ainda pode ter a última decisão sobre o Marco Temporal. “É possível que o STF volte a analisar a questão, mantendo sua decisão do julgamento atual quanto ao tema, tendo a palavra final sobre o critério temporal para a caracterização de área indígena”.
No STF, a tese do Marco Temporal está, por ora, em desvantagem. Após o pedido de vista do ministro André Mendonça, em junho, quando o placar estava em 2 a 2, na quinta dois ministros se posicionaram contra o Marco: Luís Roberto Barroso e Cristiano Zanin. Com os novos votos, o placar está em 4 a 2 contra o provimento da ação.
Confira o placar:
Contra
- Edson Fachin
- Alexandre de Moraes
- Cristiano Zanin
- Luís Roberto Barroso
A favor
- André Mendonça
- Kássio Nunes Marques
O processo, que se arrasta desde 2021 no STF, voltará a ser julgado no dia 20 de setembro. Na Corte, os ministros analisam o caso da terra indígena Ibirama LaKlãnõ, onde vivem os povos Guarani, Xokleng e Kaingang, em Santa Catarina.
“Congênito e originário”
O entendimento do Marco Temporal foi usado pelo Instituto do Meio Ambiente catarinense, que solicitou a reintegração de posse de uma área localizada na Reserva Biológica do Sassafrás, onde se encontra o território originário. A tese é rechaçada pelo Ministério Público Federal (MPF).
Ao defender que o STF deve aceitar o recurso do povo Xokleng, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que o direito dos povos indígenas sobre seus territórios é “congênito e originário”, não dependendo de titulação ou reconhecimento formal para tal.
Aras também ponderou que o processo de demarcação do território está de acordo com a legislação vigente, passou por todas as etapas necessárias e que não há conflito entre a ocupação indígena e a preservação ambiental.
Projeto de lei no Senado
A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) defende a aprovação do PL 2.903/23 e concentra grande parte dos parlamentares: 50 dos 81 senadores e 324 dos 513 deputados federais.
Na última semana, o texto foi aprovado pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e agora tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), sob relatoria do senador Marcos Rogério (PL-RO), que já disse ser favorável à aprovação do Marco Temporal.
No entanto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já declarou publicamente que o PL 2.903/23 não tramitará em regime de urgência, ao contrário do que ocorreu na Câmara dos Deputados.