Marco Temporal: após aval do Senado, indígenas apostam em veto de Lula
Senado aprovou às pressas o Marco Temporal. Mas o STF já julgou o tema como inconstitucional. Associações indígenas querem o “veto total”
atualizado
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Depois de o Senado Federal aprovar às pressas o projeto de lei que estabelece o Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas nessa quarta-feira (27/9), numa clara demonstração de força ao Supremo Tribunal Federal (STF), que já havia declarado o tema como inconstitucional, associações que representam os indígenas cobram o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à lei.
“Seguimos na luta e cobramos para que o Lula vete esse projeto e concretize seu compromisso com os povos indígenas”, reforçou o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna.
No entanto, mesmo sem o veto do presidente, o projeto de lei aprovado pela Casa Alta pode não ter vida longa e tende a ser derrubado pelo STF. Isso porque a Suprema Corte julgou a tese como inconstitucional na última quinta (21/9).
Porém, a anulação não seria automática e precisaria que uma ação fosse apresentada ao STF contra a legislação aprovada pelo Congresso. Com mais uma extensão no processo que dura há anos, o possível veto de Lula poderia dar um fim à longa espera dos povos originários – isso se o Congresso não exercer a prerrogativa que tem de derrubar o veto presidencial. Ou seja: a novela ainda terá novos capítulos.
Aprovado no Senado, o Marco Temporal das terras indígenas já era
A tese do Marco estabelece que apenas as terras indígenas ocupadas até 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição, poderão ser demarcadas. No entanto, lideranças dos povos originários declaram que a questão vai contra a Carta Magna.
Veto total
Em nota publicada logo após a decisão favorável ao Marco Temporal no Senado, a Apib informou que a partir de agora vai cobrar que Lula barre o PL nº 2.903/2023. O petista tem 15 dias úteis para sancioná-lo ou vetá-lo.
Em entrevista ao Metrópoles, Dinaman Tuxá, coordenador executivo da Apib, afirmou que, além de cobrar o petista, a entidade vai encabeçar um “veto total” do texto do projeto de lei que estabelece a demarcação de terras dos povos originários.
Ainda segundo ele, a Apib deseja levantar o coro do “veta tudo” com ajuda de Lula e seus ministros. O objetivo é “tentar incidir sobre essa pauta e vencê-la, no sentido de vetar todo o texto do projeto de lei”.
A “atropelada” do Senado
Tuxá relata que, mesmo sabendo que poderia acontecer, eles ainda foram pegos de surpresa com a “atropelada” do Senado ao Marco. “A gente é surpreendido com o projeto de lei, ‘a atropelada’, que passou e agora vai à sanção do presidente Lula”.
Marco temporal indígena: veja como votou cada senador e partido
O comunicado da entidade indígena ressalta que o PL é “inconstitucional”, colocando em evidência a decisão do STF, que derrubou a tese do Marco Temporal indígena. O placar na Suprema Corte ficou em 9 a 2.
Porém, oas associações indígenas não estão satisfeitas com a decisão do STF. Ainda nesta quarta, a Corte validou a indenização a particulares que adquiriram terras indígenas de “boa-fé”: a indenização por benfeitorias e pela terra nua – paga em dinheiro ou em títulos de dívida agrária – valerá para proprietários que receberam dos governos federal e estadual terras que deveriam ser consideradas como áreas indígenas.
Cabo de guerra
Em nota conjunta, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns, a Apib, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Brasileira de Antropologia (Aba) manifestaramm sua preocupação com as teses jurídicas apresentadas durante o julgamento do Marco Temporal no STF.
Para as entidades, as hipóteses de indenização, mineração e permuta de terras indígenas são problemáticas e podem colocar em risco os direitos dos povos originários. O texto pede ao STF que, diante dos riscos expostos sobre esses três aspectos, se mantenha “firme no exercício do seu papel maior de guardião da Constituição e protetor dos direitos fundamentais” dos povos indígenas brasileiros.
“O Supremo enterrou o Marco Temporal e o Senado tenta ressuscitar a tese com essa PEC 48. É uma movimentação que afronta a Constituição Federal e a democracia do Brasil. Os ruralistas tentam fazer dos direitos uma disputa em um cabo de guerra com o Supremo para tentar mostrar quem tem mais força. Seguiremos reforçando que direitos não se negociam e que as vidas indígenas não podem seguir sendo massacradas pelos interesses econômicos e políticos de quem quer que seja”, disse Tuxá.
Uma das entidades que assinaram a nota sobre a preocupação com as teses jurídicas apresentadas durante o julgamento do marco temporal no STF, a Comissão Arns sinalizou ao Metrópoles que “por enquanto vai acompanhar os desdobramentos, mas segue contrária a tese do Marco Temporal”.