Manaus soou alerta a Pazuello sobre colapso já em dezembro de 2020
Capital do Amazonas apontou necessidade de “emprego urgente de medidas de prevenção”. Dias depois, sistema de saúde colapsou
atualizado
Compartilhar notícia
Em ofício enviado ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em 30 de dezembro do ano passado, a Prefeitura Municipal de Manaus, no Amazonas, já havia relatado ao governo federal uma situação “que demanda o emprego urgente de medidas de prevenção” para evitar, à época, o agravamento da pandemia do novo coronavírus. Alguns dias depois, o sistema de saúde do estado entrou em colapso: faltaram leitos, medicamentos e até oxigênio.
O aviso reforça a tese do Ministério Público Federal (MPF), que denunciou, em 13 de abril, o ex-ministro da Saúde – além de outras cinco autoridades públicas – por improbidade administrativa. A Procuradoria da República do Amazonas entende que Pazuello esperou as mortes por falta de oxigênio ocorrerem para agir no estado.
O ofício, ao qual o Metrópoles teve acesso, faz parte de uma série de documentos enviados à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, que apura ações e omissões do governo do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia.
O pedido de resposta foi feito pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM). Ele solicitou “cópias de todas as correspondências, ofícios e demais comunicações que façam referência, ainda que indireta, a pedidos de auxílio material ou humano, bem como envio de suprimentos, insumos e equipamentos médicos e hospitalares”.
Segundo os registros, no penúltimo dia de 2020, o então subsecretário de Saúde de Manaus, Marcelo Magaldi Alves, escreveu a Pazuello solicitando apoio federal. Ele pediu que o ministério disponibilizasse profissionais da saúde.
Ao relatar a situação epidemiológica na capital, Magaldi destacou alta significativa no número de novos casos de Covid-19, “observados por meio do aumento da taxa de ocupação hospitalar da rede pública e privada, em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), passando de 30,7% em 1º de setembro de 2020 para 86,84% em 28 de dezembro de 2020”. Na ocasião, o Amazonas tinha 5.206 vítimas da Covid-19. Hoje, após o colapso, o número de óbitos é bem maior que o dobro: 12.951.
Em seguida, o secretário sinalizou o agravamento da pandemia, que, na avaliação dele, exigia “manutenção rigorosa das medidas de controle de propagação do novo coronavírus”. “Situação que demanda o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública”, prosseguiu.
Em outro ofício ao general do Exército Brasileiro (EB), este enviado no dia 2 de janeiro de 2021, portanto, já sob a nova gestão da Prefeitura de Manaus, a secretária municipal de Saúde Shadia Fraxe expõe, em negrito, que a pandemia apresenta “destaque crítico” na capital e que as demandas se ampliaram de forma importante.
Fraxe conta também a respeito da escassez de medicamentos contra a Covid-19.
“Senhor ministro, asseveramos nosso compromisso com a saúde pública, mas diante das nossas dificuldades financeiras para manter bons serviços e adequados ao cenário de pandemia ativos e acessíveis, especialmente pelo que se apresenta, diariamente, na gestão da crise, notadamente no quadro sob comandando do ente estadual, faz-se necessária a participação e fortalecimento financeiro, por parte do governo federal, nas ações engendradas e em curso, pelo município de Manaus, pois a situação se agrava, dia a dia, sendo enormes e urgentes os desafios a serem enfrentados e superados”, assinala.
Ao denunciar Pazuello, o MPF aponta que o ex-ministro se omitiu em adotar de modo célere, no âmbito de suas competências, medidas para diagnosticar a situação da pandemia no Amazonas ainda em dezembro de 2020.
“Esse atraso retardou a avaliação da situação e a adoção de medidas a fim de preparar o sistema de saúde no Amazonas para o novo pico, especialmente com a instalação de novos leitos clínicos e de UTI com os insumos necessários. Em outros termos, a demora do ex-ministro em enviar a comitiva ao Amazonas, apesar de todas as evidências de iminente colapso, diminuiu em uma semana o tempo de resposta à pandemia, ampliando o risco sanitário ao qual a população amazonense estava submetida”, relata.
Segundo o MPF, a fila de pacientes com Covid-19 à espera de leitos de UTI começou a se formar em 5 de janeiro de 2021. Na época, as curvas de contaminação, hospitalização e óbitos estavam em aclive. Ou seja, já se esperava o agravamento da situação nos dias seguintes, com possível pico entre 14 e 15 de janeiro.
“Em resumo, já entre 5 e 8 de janeiro desenhava-se situação extremamente trágica: formavam-se filas para transferências para leitos clínicos e de UTIs, havia perspectiva de crescimento contínuo e exponencial das hospitalizações até 15 de janeiro, e não havia condições de disponibilização de leitos suficientes, pois um dos insumos mais básicos – oxigênio – já rareava”, assinalou.
Os governos federal e estadual, no entanto, teriam ficado inertes. Eles não determinaram de imediato a elaboração de plano para transferência dos pacientes excedentes de Manaus a outros estados – o que só ocorreu em 15 de janeiro, após as mortes por falta de oxigênio. A possibilidade de transferir pacientes tinha sido aventada já no dia 12 de janeiro, mostram documentos do Comitê de Crise.
Na ocasião, foi expressa a possibilidade de transferir pacientes a outros estados, mas se optou por esperar o agravamento da situação. Veja trecho da ata da reunião:
“Planejamento de Evacuação de Pacientes para Goiás – via aérea. (…) A empresa aérea já aceitou e está se estruturando para realizar a transferência dos pacientes moderados para outros estados, estado de primeira escolha Goiás, município Goiânia, observadas a segurança da empresa aérea e as barreiras sanitárias. (…) Essa decisão só será tomada em situação extremamente crítica.”
Além disso, o MPF aponta também que, após 15 de janeiro, quando a operação foi deflagrada, a transferência de pacientes foi vagarosa. “Resultado da falta de planejamento e da omissão em antecipar medidas, como as acima indicadas, para tornar a transferência mais aceitável aos pacientes e eficaz”, prossegue o Ministério Público.
Além disso, como revelou o Metrópoles, no ápice da crise de oxigênio em Manaus, o Ministério da Saúde levou ao estado do Amazonas mais hidroxicloroquina do que medicamentos que compõem o chamado kit intubação.
Informações prestadas pelo próprio Ministério da Saúde revelam que a pasta entregou, em 14 de janeiro, 120 mil doses de hidroxicloroquina à Secretaria Estadual do Amazonas (Sesam). O fármaco não tem eficácia cientificamente comprovada contra a Covid-19.
Por outro lado, o governo enviou 40,5 mil unidades de Midazolam, Fentanila, Propofol, Suxametônio, Rocurônio e Atracúrio. Esses remédios são usados para intubar pacientes em UTIs.
Outro lado
Procurado, o Ministério da Saúde informou que uma equipe da Força Nacional do SUS (FN-SUS) foi enviada ao Amazonas para o diagnóstico in loco dos principais pontos de fragilidade da rede de saúde do estado e, especialmente, de Manaus.