Malária tem número recorde entre indígenas e não há prazo para vacina
Casos aumentam 12%. Maioria é em crianças e adolescentes. Terra Yanomami tem pior cenário. Brasil elabora vacina, mas sem data de conclusão
atualizado
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A quantidade de casos de malária entre os indígenas no país está aumentando e atinge números alarmantes. Nos sete primeiros meses deste ano foram registrados mais de 33 mil casos, um aumento de 12% em relação ao mesmo período do ano passado. É o maior número de infectados na última década.
Enquanto isso, cientistas brasileiros desenvolvem uma vacina inédita que vai combater o tipo de malária predominante na América e Ásia. No entanto, não existe um prazo para quando esse imunizante vai estar disponível.
O cenário mais crítico ocorre no território Yanomami, em Roraima, onde quase 19 mil foram diagnosticados com malária entre janeiro e julho. Para se ter uma noção da gravidade, em cada 10 indígenas da região, seis testaram positivo para a doença.
Foi justamente o povo Yanomami que se tornou prioridade no discurso do governo Lula, logo no começo do ano passado. Os indígenas dessa etnia são de recente contato e sofrem com o avanço do garimpo ilegal na região. Mais da metade dos casos são em crianças e adolescentes.
Para piorar, o atual período de seca extrema diminui o nível dos rios, dificultando o acesso das equipes de saúde até algumas comunidades por barco. Além disso, são formadas lagoas de água parada que se tornam criadouros do mosquito transmissor.
Os dados usados pela reportagem foram enviados pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, após solicitação via Lei de Acesso à Informação (LAI). A pasta afirma que aumentou as quantidades de testes e tem intensificado as ações de controle da malária.
Isolados da saúde
A malária é causada pela picada do mosquito infectado e causa sintomas como febre, dores pelo corpo e pele amarelada. Se não tratada, ela pode evoluir para formas graves. Nas terras indígenas, a situação fica mais complicada porque muitas comunidades estão em locais de difícil acesso.
Os sintomas da malária comprometem até a produção de alimentos nas aldeias indígenas, pois, debilitados pela doença, muitos ficam impossibilitados de cultivar suas roças.
“Tenho mais de 10 anos de experiência e nunca tinha visto o que acontece hoje em dia. São os piores indicadores da história da saúde indígena. Quem sofre mesmo é quem está na aldeia”, relatou ao Metrópoles um servidor da Sesai do distrito de saúde indígena Médio Rio Solimões e Afluentes.
Esse distrito Médio Rio Solimões (arte acima), composto por 14 municípios no Amazonas, apresentou um aumento expressivo de 74% nos casos de malária neste ano. O número de ocorrências subiu de 1,5 mil nos primeiros sete meses de 2023 para 2,6 mil no mesmo período deste ano.
Servidores da saúde desse distrito dizem que as más condições de trabalho prejudicam o combate à malária. Duas embarcações utilizadas para o atendimento de indígenas explodiram em acidentes envolvendo combustível neste ano.
No mês de abril, um agente de endemias ficou gravemente ferido e teve que ser resgatado de avião. Já no caso de agosto, o servidor teve queimaduras de 1º grau no rosto e braços.
Esperança sem prazo
Uma parceria entre a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) está desenvolvendo uma vacina contra a malária, que pode melhorar o cenário nos territórios indígenas da Amazônia, os mais atingidos pela doença.
A pesquisadora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, Irene Soares, trabalha há mais de 20 anos desenvolvendo uma vacina contra a malária vivax, o tipo mais comum no Brasil.
Hoje em dia há dois tipos de vacina contra a malária no mundo. No entanto, esses imunizantes existentes são contra a malária falciparum, mais comum no continente africano. Segundo o Ministério da Saúde, 81% da malária identificada em terras indígenas é do tipo vivax.
Os cientistas brasileiros até usam a mesma proteína das vacinas já existentes, mas esses imunizantes que já estão no mercado não teriam eficiência se aplicados no Brasil.
“A aplicação dessas vacinas já existentes não causa nenhum efeito contra o vivax (malária mais comum do Brasil). Isso é preciso ficar bem claro. A base é a mesma proteína, mas são vacinas completamente diferentes”, explica a pesquisadora. O novo imunizante deve combater todas as três variantes da malária vivax que circulam no mundo.
Um dossiê com as informações sobre essa vacina brasileira está sendo preparado e deve ser enviado para a Anvisa até o final do ano. O órgão de vigilância é responsável por autorizar a pesquisa clínica em humanos, próxima etapa da produção da vacina. Não há prazo para a conclusão.
Governo fala que aumentou testes
Em duas notas enviadas para a reportagem, o Ministério da Saúde defendeu que o garimpo ilegal em territórios indígenas entre 2018 e 2022 aumentou os criadouros do mosquito transmissor da doença e fortaleceu o ciclo de transmissão
Além dos atendimentos dos doentes, agentes da Sesai são responsáveis pela prevenção com mosquiteiros e o borrifamento de veneno contra os transmissores da malária.
De acordo com o Ministério da Saúde, houve um aumento do volume de testes em terra Yanomami, de 37,5 mil no primeiro trimestre de 2023, para 68,7 mil no mesmo período deste ano.
Ainda segundo o ministério, também houve um aumento de testes de 16,4% entre 2022 e 2023.
Já sobre as condições de trabalho do distrito Médio Rio Solimões, a Sesai informou que deu suporte médico e psicológico aos funcionários envolvidos e colabora com a apuração dos casos.