Mãe declara amor ao filho adotivo que sobreviveu a um aborto
“Bastou recebê-lo em meus braços para o amor desabrochar, e minha vida tornou-se com ele uma festa”, afirma a mulher em texto tocante
atualizado
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“Adotar não é caridade, é um ato de amor”, define a ex-secretária de assistência social Silvia Prin Grecco. Convidada para dar seu depoimento ao colunista Jairo Marques, da Folha de S. Paulo, ela conta como foi o processo de adoção de Nickollas, seu filho portador de deficiências decorrentes de uma tentativa de aborto. Confira o texto emocionante da mãe:
“Ser mãe, para mim, é dádiva, é mistério, é amor e ao mesmo tempo uma tarefa desafiadora. Como tantas mulheres, experimentei a maternidade gerada no ventre, e tive o privilégio de também gerar no coração. Isso me fez entender que o amor pelo filho é único, não tem distinção.
Dois filhos, duas histórias, Márjori e Nickollas. Márjori, com 30 anos, uma linda filha. Arquiteta de formação, mãe, cúmplice, amiga, irmã dedicada, filha abençoada. Nickollas, com dez anos, um príncipe, lindo, meigo e surpreendente.
Veio ao mundo com apenas cinco meses de gestação, pesando 500g após a prática de um aborto provocado. Adotei o Nickollas com quatro meses de nascimento. O desejo de adotar levou-me aos trâmites legais junto à vara da Infância e da Juventude e entrar na fila de adoção.
Processo durou cerca de sete meses. Uma burocracia necessária; porém, não tão demorada como se pensa. Durante a entrevista com os técnicos do fórum, não fiz nenhuma exigência em relação a cor dos olhos, idade, sexo, nada. Desejava apenas receber em meus braços, aquele que chamaria de filho, gerado em meu coração.
Adotar não é caridade, é um ato de amor! Caridade é algo pontual, adotar é receber um filho para sempre. É ter a responsabilidade na criação, na educação. É enfrentar desafios. Soube desde o início que, por conta da prematuridade, não houve a formação da retina, tendo como sequela uma retinopatia da prematuridade grau 5, ou seja, meu filho tem deficiência visual, é cego completamente.
Isso não foi motivo para não adotá-lo. Embora entendesse que a tarefa não seria fácil, uma experiência nova, desafiadora, bastou recebê-lo em meus braços para o amor desabrochar, e minha vida tornou-se com ele uma festa. Uma euforia tomou conta de mim e da minha família.
Depois de seis anos, identificamos mais uma deficiência: autismo de grau leve. Novo desafio e aprendizado. Estava ele ali, precisando do seu tempo para assimilar todas as informações que circulavam ao seu redor.
Ele vivendo em seu mundo à procura do aconchego, do carinho, da atenção no momento certo, no momento dele. Apenas dele. Esse processo gerou no meu íntimo uma inquietação e muitos questionamentos em relação à deficiência e ao aborto.
Não quero entrar no mérito da religião quanto ao aborto, tampouco no julgamento da mulher que assim decidiu. Fui batizada e criada nos preceitos da Igreja Católica que é contra a prática do aborto. Eu, particularmente, também sou.
Porém a mulher acaba sendo vítima de julgamento e de preconceito perante o olhar de uma sociedade que julga, condena e não costuma perdoar. Não quero incorrer no mesmo equívoco. Pensei sobre as circunstâncias, sobre as razões pessoais daquela mulher que havia optado por dizer “não” a uma vida, a vida do filho que estava sendo gerado em seu ventre.
Razões que, com certeza, ela carregará em seu íntimo e que servirá para justificar ou não o seu ato por toda vida. De coração, não me cabe julgar. A minha única certeza é que aquele “não” transformou-se em duas vitórias. A vida que persistiu, pois o feto sobreviveu, e a nova vida que ganhei, uma vida que me faz a mulher e a mãe mais feliz do mundo.
Muitas mulheres, com certeza, carregam a culpa por entenderem, ainda que intimamente, que praticaram um ato pecaminoso – como rotula parte da sociedade – e que não serão “perdoadas”, o que causa, não raro, muitos transtornos psicológicos.
Muitas dessas mulheres são crucificadas, sim! Creio que necessitam de apoio, amparo, colo e não de julgamento. Sou cristã, defendo a vida em todas as circunstâncias, sou contra o aborto, mas jamais julgaria esse ato, até porque o Deus em que creio é o Deus que representa o amor.
Difícil esse tema; porém, necessário e relevante. É urgente que se coloque luz nesta discussão. Por mais complexa que seja. No caso do meu filho, ele sobreviveu! Sobreviveu e presenteia nossa família com a oportunidade do aprendizado, de humanidade, de amor.
Nickollas, meu filho, nos ensina, dia a dia…
Que o sentimento dele é o mais puro e sincero.
Que a beleza e o belo estão no contexto da bondade.
Que o toque, o abraço, as mãos, nos reconhecem e nos acariciam.
Que a música expressa o sentimento da alma e nos leva à outra dimensão.
Que a presença é marcante, que basta estar para sentir.
Que o sabor identifica a cor. Que o silêncio é necessário para escutar.
Que nossa voz e nosso cheiro nos tornam únicos.
Que todo dia é dia de recomeçar.
Que não devemos ter piedade, que basta oferecer oportunidades.
Que esse pequeno me torna maior, maior na minha coragem de seguir em frente.
Que é preciso enxergar com o coração.
Que a minha mão segura ensinará para ele o caminho a ser seguido para ser independente e feliz.
Que eu não serei eterna e, por isso, preciso ensiná-lo a seguir em frente.
A maior herança que meus filhos receberão de mim será a educação, os valores, os ensinamentos de respeito e amor ao próximo em todas as circunstâncias, a humildade e o agradecimento. Mas, principalmente, o amor.
O amor mais puro e verdadeiro,
O amor de uma mãe pelo seu filho.
Parabéns a todas as mães pelo nosso dia.
O dia de celebrar o amor em sua plenitude”.