Mãe de jovem assassinada por amigos em Goiânia enfrenta medo e ameaças
“Não saio de casa sozinha. Tenho medo”, diz Eliane Laureano, 36, mãe de Ariane Bárbara, 18, vítima de emboscada armada por “amigos” há 1 ano
atualizado
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Goiânia – A vida da cabeleireira Eliane Laureano, de 36 anos, parece ter parado no tempo desde o dia 24 de agosto de 2021. Há exatamente 1 ano, quando a filha única dela, Ariane Bárbara, 18, saiu de casa sorridente, na capital goiana, dizendo em um áudio de WhatsApp que iria encontrar uns amigos e que logo voltaria, tudo foi revirado e nunca mais voltou a ser como era, até então.
A garota foi vítima de uma emboscada armada por quatro jovens – três meninas e um rapaz -, que se diziam “amigos” e que a convidaram, naquela noite, para tomar um lanche. Ariane foi morta com oito facadas, dentro de um carro em movimento pelas ruas de Goiânia, e com uma música alta tocando, conforme o que havia sido planejado pelo grupo. O corpo dela foi abandonado em uma área de mata do Setor Jaó e só foi encontrado uma semana depois.
Conforme as investigações sobre o fato, o crime foi cometido para que uma das amigas de Ariane testasse se era psicopata. A ideia era saber se a jovem sentiria remorso ou não após a morte da outra.
Até hoje, a mãe guarda na memória o sentimento de desespero daqueles dias de procura e busca de informações sobre o paradeiro da filha. “Eu andei essa cidade inteira”, relata. Desde que soube da confirmação do assassinato, Eliane carrega consigo uma marca que resiste em não cicatrizar. A dor só aumenta, segundo ela, e isso se deve, em muito, ao medo, às ameaças, perseguições e ataques que ela passou a receber.
Mensagens intimidadoras
A cabeleireira falou com a reportagem do Metrópoles em sua casa, na tarde dessa terça-feira (23/8). A morte de Ariane teve repercussão nacional. O crime foi motivado, a princípio, segundo os envolvidos, porque uma das assassinas desejava matar alguém para se testar e ver se era psicopata. Os demais embarcaram na ideia e não hesitaram em participar. Isso chocou a sociedade.
Os contatos e os dados de Eliane ficaram expostos, em razão dos dias de procura pela filha. Qualquer informação era bem-vinda. Da mesma forma que a cabeleireira recebeu inúmeras mensagens de condolência, desde a notícia da morte, ela passou a receber, também, mensagens intimidadoras. Esta é uma prática que se repete, principalmente, pelo Instagram.
“As pessoas me procuram, ficam perguntando coisas da minha vida, sobre o que eu desejo para os assassinos, se eu consigo perdoá-los. Um chegou a dizer que me mandaria as fotos da minha filha morta, sendo que eu não tive vontade nem de ler o laudo do cadáver, quando ele ficou pronto. Não li o relatório do inquérito. Eu não quis ver como ela estava, quando foi encontrada”, revela.
Sempre que isso acontece, Eliane diz que bloqueia de imediato os perfis que a procuram. A frequência das mensagens, no entanto, a incomodou ao ponto de ela desenvolver um medo de sair sozinha de casa ou de fazer qualquer coisa na rua. No portão da casa, havia uma placa com a identificação do salão de beleza que ela possui, mas ela preferiu retirar para minimizar os transtornos.
Veja o último áudio de Ariane enviado para a mãe:
Um ano sem entrar no quarto da filha
O abalo psicológico que já era imensurável pela perda precoce da filha ficou ainda maior, diante dessas circunstâncias. “Minha vida parece que parou. Eu tenho medo. Não consigo sair de casa sozinha. Qualquer coisa para fazer na rua, eu preciso que alguém vá comigo, já não trabalho da mesma forma que antes e até hoje não tive forças para entrar no quarto que era da Ariane”, conta a mãe.
O espaço e os objetos estão mantidos da mesma forma que foram deixados pela jovem, em agosto do ano passado. O cômodo fica, geralmente, trancado e é o motivo da permanência da cabeleireira na mesma casa alugada, onde viveu na companhia da filha. Ela diz que até poderia se mudar para um lugar menor, mas ainda não se sente preparada para desmontar o quarto, doar ou encaixotar os pertences de Ariane.
Eliane teve acompanhamento psicológico por um tempo, mas durou pouco. Ela conta que procurou ajuda em um grupo de mães que perderam filhos assassinados, – entre elas, a mãe da jovem Ana Lídia Gomes, 14, uma das vítimas de Thiago Henrique Rocha, o serial killer de Goiânia, em 2014 – e que tem sido bom para se fortalecer.
Túmulo de Ariane sofreu ataque no início do ano
O último baque vivenciado, nesse processo de luto, foi um ataque cometido contra o túmulo de Ariane, na cidade de Goiás, antiga capital do estado, onde a jovem foi sepultada. Ela foi enterrada no jazigo da família, ao lado da avó materna. O caso ocorreu no início deste ano.
Alguém, ainda sem identificação, foi até o local e vandalizou a placa com o nome e foto da garota, e ainda quebrou o concreto, a ponto de deixar o caixão da jovem aparente. Eliane foi avisada por um conhecido da cidade, ficou revoltada com a situação, mas pediu que ele não enviasse fotos mostrando o buraco feito no túmulo. “Eu não quis ver”, diz.
Ela chegou a fazer uma vaquinha on-line para consertar o estrago feito, e só este mês conseguiu o dinheiro suficiente para fazer a reforma. O buraco foi fechado, mas a mãe optou por não colocar uma nova placa com o nome da filha. No jazigo, agora, consta apenas a identificação da avó de Ariane. Foi o jeito que Eliane encontrou para evitar novos ataques.
Acusados seguem presos
Os quatro acusados de envolvimento no assassinato da jovem seguem presos. Eles chegaram a passar por exames psiquiátricos, numa tentativa de provar algum traço psicopata ou de alegar que eles não tinham noção da realidade no momento do crime, mas os laudos comprovaram o oposto. Eles sabiam o que estavam fazendo.
Raíssa Nunes Borges, de 20 anos, Enzo Jacomini Carneiro Matos, que se apresenta como Freya, de 19, e Jeferson Cavalcante Rodrigues, 23, seguem detidos. Além deles, existe, ainda, uma menor de 17 anos, tida como a idealizadora do crime, e que segue apreendida. Ela foi uma das pessoas que chegaram a mandar mensagens de preocupação para a mãe de Ariane, nos dias em que garota era dada como desaparecida.
“Não desejo o mesmo que fizeram com a minha filha para eles, porque parece que, assim, eu estaria me igualando. Eu desejo justiça e entrego para Deus. Minha revolta é, também, contra os pais desses jovens, que não perceberam, não tomaram conta”, afirma Eliane.