Mãe de Hipster da Federal detalha surto antes de morte do filho
Policial federal Lucas Valença teve surto durante viagem de família e estopim foi briga entre cachorros. Mãe relatou histórico da família
atualizado
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Goiânia – A mãe do policial federal Lucas Valença, o Hipster da Federal, morto aos 36 anos, defende que houve legítima defesa por parte do auxiliar de almoxarifado que o matou na noite de 2 de março deste ano, na zona rural de Buritinópolis, no nordeste de Goiás.
O episódio da morte do policial foi noticiado em primeira mão pela coluna de Guilherme Amado no Metrópoles.
A pastora Maurícia Valença contou o que sabia sobre a história e morte do filho em depoimento para a Polícia Civil, ao qual o portal teve acesso. Lucas morreu com um único tiro abaixo do peito, quando tentou invadir uma casa, em um aparente surto psicótico.
“Foi em legítima defesa. Esse rapaz é inocente. Eu não tenho nenhuma dúvida disso. Ele agiu porque não era fácil sustentar uma situação dessa. Ele agiu em legítima defesa. Ele não é culpado”, disse a mãe do Hipster da Federal em depoimento gravado.
A Polícia Civil indiciou o auxiliar de almoxarifado que matou Lucas por posse ilegal de arma, já que ele possuía uma arma de cano longo modificada e sem documentação. No entanto, o delegado Alex Rodrigues concluiu que houve legítima defesa ao atirar no policial federal. O inquérito foi remetido ao Judiciário na última terça-feira (12/4).
Histórico
Lucas Valença ficou conhecido nacionalmente depois de participar da prisão do ex-deputado federal Eduardo Cunha. Segundo a família, ele tinha uma vida normal e o surto que teve no período da sua morte foi sem precedentes.
“Dois anos atrás, ele teve um surto, mas não chegou perto do que aconteceu. Ele iniciou tratamento, mas o psiquiatra achou que ele estava muito bem, que poderia ser um episódio isolado. O médico teria dito que não era necessário (continuar o tratamento). Ele não tinha chegado em diagnóstico nenhum de patologia psíquica”, resumiu a pastora Maurícia.
A família de Lucas tem uma história de tragédias e perdas. O policial estava sendo acompanhado por uma psicóloga por causa disso. O pai biológico dele morreu quando Lucas tinha três anos de idade. Um irmão morreu aos 19, quando Lucas era adolescente. Outro irmão ficou paraplégico.
“Era muito peso na cabeça dele”, disse a pastora. Em outro depoimento, um amigo da PF disse que “ocorreu um turbilhão de emoções na cabeça de Lucas”, após ficar famoso por causa da prisão de Eduardo Cunha, o que teria ocasionado um quadro de depressão.
Uso de substâncias
Lucas teria aumentado o consumo de bebida alcoólica pouco antes do surto, segundo a mãe. “Ele começou a beber o tempo todo, [era] cerveja que ele bebia, e aquilo foi potencializando”. O jovem não estaria tomando remédio controlado, segundo testemunhas.
Além disso, na análise de urina do policial foi encontrada a presença de THC, princípio ativo da maconha. No exame toxicológico é descrito que a maconha dá sensação de relaxamento e bem-estar, sem a imprudência e agressividade associadas, ao contrário do álcool.
No entanto, a substância “pode precipitar ou exacerbar a psicose em indivíduos com esquizofrenia ou transtorno bipolar”, segundo texto do exame toxicológico.
Viagem para o lago
Lucas, seu irmão e seus pais foram até uma chácara da família, em um condomínio de Buritinópolis, na beira do lago, para passar o último final de semana de fevereiro. Foi nessa chácara que ele começou a ter um aparente surto psicótico.
Antes disso, tudo estaria normal. Lucas passou dois anos morando próximo da família e era um filho extremamente obediente, segundo os pais. O padrasto inclusive era sempre tratado pelo termo “pai”.
“A viagem foi maravilhosa. (…). (Ele disse) Essa vai ser a vez que eu mais vou aproveitar o lago”, contou Maurícia.
Lucas e seu irmão levaram o porta-malas do carro cheio com instrumentos para praticar tiro. O policial federal inclusive estava com uma submetralhadora e duas pistolas usadas no trabalho.
Gatilho
A mãe do Hipster da Federal relatou que tudo mudou a partir de um gatilho, que alterou completamente o comportamento de Lucas.
Ele estava na companhia de um vira-latas chamado Trovão, que ele havia adotado em Brasília. No entanto, quando chegou na casa do lago, o animal foi atacado por um outro cachorro da família, de maior porte, chamado Sansão.
Lucas então teria agido de uma maneira desproporcional, dando um chute em Sansão e o imobilizando, chegando a se ferir e precisar tomar vacina antirrábica. Na sequência, ele já teria ficado extremamente emotivo e, nos dias seguintes, foi se tornando mais agressivo nas palavras, até o ponto de destruir o interior da casa do lago.
O policial federal passou a relembrar mágoas e traumas do passado, como a morte do pai. “Ele começou a desabafar todas as dores de alma que ele tinha, mas daquela forma surtado”, relatou a mãe.
Tentativa de resgate
Na época, Maurícia tinha feito uma cirurgia cardíaca recente e com toda aquela situação inusitada, foi levada de volta para a casa em Brasília, de onde acompanhou toda a situação à distância. Enquanto isso, Lucas ficou com o pai e o irmão na casa do lago.
A família então conseguiu uma vaga em uma clínica psiquiátrica em Brasília e três amigos de Lucas da PF foram até a chácara para resgatar o amigo surtado.
Como ele estava muito agitado, uma vizinha amiga da família deu alguns comprimidos de remédio de insônia para Lucas. O policial adormeceu enquanto falava com a mãe por ligação de vídeo pela última vez.
“Eu falei: Algema o Lucas! Vocês não vão conseguir controlá-lo, imobiliza ele. Com esse remedinho, ele vai acordar daqui a pouquinho. Eu dei a minha autorização para que eles fizessem qualquer tipo de contenção no Lucas”, disse a mãe. Ela contou que sabia que eles não iam conseguir lidar com ele, na hora em que acordasse. “O Lucas tinha força demais. E essa força em uma pessoa surtada, imagina”, contou a pastora em depoimento.
Surto na rodovia
Antes de ser levado para a clínica, os amigos tiraram as armas de Lucas. No momento de entregar a submetralhadora, ele teria dado uma rajada de tiros, segundo depoimentos.
Lucas estava sendo levado para a clínica em Brasília, dentro de um veículo com três amigos, quando de forma repentina teria acordado em um novo surto.
“Para a porra desse carro, senão vai morrer todo mundo!”, teria gritado o policial federal.
Segundo depoimentos, ele saiu do carro em movimento e correu no meio da rodovia. Os amigos foram atrás dele, com medo de que fosse atropelado. O policial federal só aceitou entrar no carro se voltasse para a chácara, onde garantiu que tomaria um banho e dormiria.
Próximo do perigo
Ainda segundo depoimentos, Lucas ficaria alternando entre momentos de surto e consciência. Em momentos do surto, ele chamaria as pessoas de “fracos” e dizia que estava com o pai incorporado. “Não era o Lucas que estava ali”, relatou o pai de consideração mais tarde para a polícia.
O policial federal teria sido deixado na porteira que dá acesso ao rancho da família e os amigos dele da PF teriam ido até o posto de saúde da cidade para tentar ajuda. Lucas teria então fugido e desapareceu. Posteriormente ele tentou invadir a casa do auxiliar de almoxarifado, que o matou com um tiro no peito em legítima defesa, segundo a polícia.
Fim trágico
A esposa do auxiliar de almoxarifado já havia realizado faxinas na casa da família de Lucas e ela ligou para a mãe do policial, de quem tinha o telefone.
“Ela estava desesperada: ‘Pelo amor de Deus, ele está aqui na minha porta, ele está aqui falando um monte de besteira e meu marido está perdendo a paciência’. Eu falei, fala para o seu marido não perder a paciência, tranca tudo, fica quietinha. Eu imaginava que ele ia para outras casas, para outros lugares”, contou a pastora.
Pouco depois, Lucas teria arrombado a porta e foi atingido pelo tiro. Ele caiu do lado de fora da casa e chegou a avisar que era policial. Um conhecido da família ligou para o autor do disparo pedindo para ele prestar primeiros socorros, mas ele ficou com medo de ser agredido e aguardou a chegada da equipe médica. Um amigo de Lucas pagou a fiança para tirar o auxiliar de almoxarifado da prisão.
A família de Lucas tem se consolado com a fé. “Nós somos servos de Deus. Lucas era apaixonado pelo Deus que ele serviu. sei que isso foi loucura, uma doença, um surto psicótico extremo”, disse a mãe.