“Luzia morreu”, diz presidente do Iphan sobre fóssil no Museu Nacional
Kátia Bogéa criticou falta de investimentos na área de patrimônio e cultura. Acervo continha crânio humano mais antigo das Américas
atualizado
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A presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Kátia Bogéa, resumiu em uma frase o incêndio que consumiu o Museu Nacional: “Uma morte anunciada”. Sem conseguir esconder a tristeza, sentenciou: “Patrimônio não tem como reconstruir. Acabou, acabou.”
Chefe do instituto responsável pela fiscalização e proteção dos bens culturais do país, ela afirmou ao Estado de S.Paulo que providências anteriores à tragédia estavam sendo tomadas, como o projeto financiado pelo BNDES, no valor de R$21,7 milhões, contrato assinado em junho de 2018, para restauração e requalificação do Museu.
“Não tem investimento nessas áreas”, disse, referindo-se à preservação de acervos e da própria infraestrutura dos museus. “É o acervo de memória do país inteiro, mas não tem recursos. Os candidatos a presidente da República, nos programas, quase nunca falam de patrimônio e cultura. É preciso acontecer uma tragédia dessas para o Brasil ficar exposto à comunidade internacional”, disse, revoltada, Kátia Bogéa.
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“A gente perdeu nossa memória, nossa história”, continuou a presidente. “A gente não vai ter mais Luzia. Luzia morreu no incêndio”, afirmou, assustada, referindo-se ao esqueleto mais antigo já encontrado nas Américas, com cerca de 12 mil anos de idade. “Vai ver como está a situação dos nossos museus, de acervos, qual é a importância que o Brasil está dando para isso. É uma questão que terá de entrar num debate sério”, refletiu.
Ela destacou que o Iphan está discutindo com os grupamentos de Corpo de Bombeiros de cada estado a aprovação de um texto normativo comum a todos para orientar a atuação nos prédios históricos e acervos.
“O que o Iphan fez foi discutir para alinhar essa linguagem. E, olha que coincidência, na semana passada essa normativa estava saindo da procuradoria jurídica para ser publicada esta semana. Aí acontece essa tragédia.”
Ela destacou que se o Museu Nacional tivesse feito a obra pleiteada, que foi aprovada há dois meses pelo BNDES, isso não teria acontecido. “Ia ter todo um sistema de prevenção e combate a incêndio, diminuiria em muito a destruição.”
Sobre o prédio do museu, a presidente do Iphan ressaltou que será preciso analisar em que condições estará o espaço, para então se pensar a recuperação. “A gente não sabe nem as condições que o prédio vai ficar. Se ele conseguir não cair, vai ter de fazer levantamento de engenharia, escoramento, para poder depois desenvolver estudo para a recuperação dele”, observou Kátia.
Acervo
Um dos elementos de maior valor é o mais antigo fóssil humano encontrado no Brasil, batizado de Luzia, parte da coleção de Antropologia Biológica. Achado em Lagoa Santa, em Minas Gerais, em 1974, trata-se de uma mulher que morreu entre os 20 e os 25 anos de idade e foi uma das primeiras habitantes do país.
Também exposto no saguão do museu está o maior meteorito já encontrado no Brasil, o Bendegó, com 5,36 toneladas. A rocha é oriunda de uma região do Sistema Solar entre os planetas Marte e Júpiter e tem cerca de 4,56 bilhões de anos. O meteorito foi achado em 1784, em Monte Santo, no Sertão da Bahia. Na época do achado, era o segundo maior do mundo. Atualmente, ocupa a 16ª posição. A pedra espacial integra a coleção do Museu Nacional desde 1888.
A primeira réplica de um dinossauro de grande porte já montada no Brasil é outra das maiores atrações do Museu Nacional. Tanto assim que o Maxakalisaurus topai, um herbívoro de 9 toneladas e 13 metros de comprimento, tem uma sala só para ele. O dinossauro viveu há cerca de 80 milhões de anos na região do Triângulo Mineiro. “Sem dúvida, ele é o preferido do público”, sustenta Alex Kellner. “É o meu preferido também”, confessa o diretor, que é paleontólogo.
As múmias também estão entre os grandes destaques do acervo. O corpo mumificado de um índio Aymara, grupo pré-colombiano que vivia junto ao Lago Titicaca, entre o Peru e a Bolívia, abre a série de múmias andinas do Museu Nacional. Trata-se de um homem, de idade entre os 30 e os 40 anos, cuja cabeça foi artificialmente deformada, uma prática comum entre alguns povos daquela região. Os mortos Aymara eram sepultados sentados, com o queixo nos joelhos e amarrados. Uma cesta era tecida em volta do defunto, deixando de fora apenas as pontas dos pés e a cabeça.
O Museu Nacional tem a maior coleção de múmias egípcias da América Latina. A maior parte das peças foi arrematada por D. Pedro I, em 1826. São múmias de adultos, crianças e também de animais, como gatos e crocodilos. A maioria é proveniente da região de Tebas. Lápides com inscrições em hieróglifos também fazem parte da coleção.
Os fósseis da preguiça-gigante e do tigre-de-dente-de-sabre que viveram há mais de 11 mil anos são dois expoentes do período da megafauna brasileira e encantam as crianças há décadas, muito antes das primeiras réplicas de dinossauros serem montadas no museu. Diferentemente dos dinossauros, os animais da megafauna conviveram com os homens pré-históricos. A preguiça-gigante chegava a ter o tamanho de um carro como o Fusca. “A preguiça foi, durante muito tempo, o maior organismo fóssil montado”, conta Alex Kellner. “Fiquei com o coração partido, ainda criança, quando descobri que não era um dinossauro.”
O trono do rei de Daomé está na coleção do Museu Nacional desde 1818. O reino da África, criado no século 17, se situava onde hoje está o Benin e durou até o fim do século 19. A peça foi uma doação dos embaixadores do Rei Adandozan (1797-1818) ao príncipe regente D. João VI. O reino ficou conhecido por ter um exército formado por mulheres guerreiras.
O Museu Nacional tem uma coleção significativa de peças indígenas, mostrando a importância desses povos na formação do país. Um dos maiores destaques são as máscaras feitas pelos índios Ticuna, que representam entidades sobrenaturais e são usados no “ritual da moça nova”, que marca a primeira menstruação das meninas e sua entrada na vida adulta.